Diomedes – A trilogia do acidente, de Lourenço Mutarelli

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Por Rodrigo Padrini – Brincadeiras de “amigo oculto” costumam ser um misto de tragédias e grandes surpresas, ainda mais quando envolvem pessoas meramente conhecidas que, ou irão apelar para uma rede social para conhecer os seus interesses, ou simplesmente vão ignorá-lo e lhe dar uma caixa de bombom. Nessas situações, vivemos uma polaridade curiosa: ganhamos um presente fenomenal e nos surpreendemos, ou recebemos um delirante kit de meias ou par de cuecas e nos arrependemos de ter colocado nosso nome na jogada, afinal, cuecas compro eu.

Bom, no último amigo oculto que participei, tirei a sorte grande. Fui presenteado com um exemplar de “Diomedes – A trilogia do acidente”, do Lourenço Mutarelli. Romance policial em quadrinhos. Quem diria. Esse aí pesquisou meu perfil no Facebook. Parabéns.

Confesso que, na minha ignorância, me perguntei: Lourenço quem? Sim, não conhecia o cara e não sabia o que estava perdendo. Me disseram “Nossa, o Mutarelli é demais” e, ao folhear o calhamaço de 430 páginas, percebi que aquilo que agora estava em minhas mãos tratava-se de uma grande preciosidade. Perdendo minha virgindade de quadrinhos policiais em doses diárias com o detetive Diomedes, li um dos livros mais interessantes dos últimos tempos.

Lourenço Mutarelli nasceu em 1964, em São Paulo. Publicou diversos álbuns de quadrinhos, escreveu peças de teatro e livros de ficção, como o possivelmente mais conhecido O cheiro do ralo (2002 – Devir, 2011 – Companhia das Letras), adaptado para o cinema em 2007.

Processed with VSCOcam with b1 preset“Talvez os mágicos tenham a mesma vocação que os artistas,
reinventar o mundo através da ilusão”

(Waldir)

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Diomedes é um delegado aposentado que se tornou detetive particular, mas que nunca solucionou um caso sequer. Gordo, vestido com roupas amassadas e grande contador de piadas infames, o sujeito sabe como nos cativar. Dono de um escritório bagunçado, escuro e por vezes deprimente, o protagonista vive uma atmosfera observada através de óculos escuros e que namora o pessimismo, fazendo graça da desgraça.

O enredo tem início com a visita de Hermes, um senhor que busca em Diomedes ajuda para localizar uma pessoa, o mágico Enigmo. Ao longo de toda a trama, o detetive flerta com a existência da magia e convive com uma realidade turbulenta, que lhe aponta caminhos pouco esperançosos.

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Composta por três obras inicialmente individuais: O dobro de cinco, O rei do ponto e A soma de tudo (esta dividida em duas partes), a trilogia conta também com um arquivo de esboços e tiras, igualmente surpreendentes. Personagens como Judite – a esposa de Diomedes – e Waldir – o futuro amigo aparentemente irrelevante -, completam a personalidade do detetive e deixam tudo mais interessante.
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“Eu diria que eu sempre apanhei da vida, e a vida sabe bater” (Diomedes)

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Suspeito que sou para falar de quadrinhos, tendo em vista uma grande paixão por desenhos e ilustrações, confesso que fiquei admirado por encontrar uma obra tão rica em detalhes. Os desenhos são magníficos e a mistura de apenas “preto e branco” beira a perfeição, com detalhe especial e emocional para a página 268, detalhe do Monastério dos Jerônimos.

Questionei-me diversas vezes porque o livro me prendeu tanto e pude responder de duas formas: a forte carga emocional presente na construção do personagem – apresentada pelo próprio autor – e a presença de Lisboa, primeira cidade do exterior que tive oportunidade de visitar na companhia de minha família. Sim, cada um encontra em livros os elementos que lhe identificam e, a partir daí, estabelecemos um vínculo afetivo com a história.

Como o próprio Mutarelli demonstra, em uma excelente e emocionante nota do autor apresentada no fim do livro, a construção da história se deu de forma gradativa. Elementos foram sendo adicionados aos quadrinhos conforme sua própria experiência de vida, como aspectos de seu próprio pai atribuídos ao personagem principal e o cenário de Lisboa, por exemplo, que surge como grande protagonista na etapa derradeira da trama.

Sem grande esforço, é possível fazer uma rápida e envolvente leitura de toda a trilogia. Rica em aspectos psicológicos, em ilusões e surrealismos, o livro conta uma história ancorada na realidade, porém salpicada de mistério e possibilidades de compreensão.

Como se constrói uma amizade? Até que ponto nos arriscamos para alcançar algo que no fim pode ser apenas uma miragem? E o que realmente importa? São perguntas que me fiz durante a leitura e pude responder com maior clareza. Cada um formulará suas próprias questões.

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diomedesTítulo: Diomedes: A trilogia do acidente
Autor: Lourenço Mutarelli
Páginas: 432
Editora: Companhia das Letras
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SINOPSE: Esta é uma história policial de Mutarelli. Seu protagonista não é um tipo durão, envolvido com perigosas intrigas e belas mulheres. É um delegado aposentado, gordo e sedentário, em busca de uns trocados para completar o orçamento. Nunca resolveu um caso, e passa a maior parte do tempo bebendo e fumando em seu escritório imundo. No entanto, ao partir no encalço do há muito desaparecido mágico Enigmo, seu cotidiano ordinário fica para trás. Em busca da sorte grande e metido em circunstâncias cada vez mais desfavoráveis em seu caminho repleto de figuras bizarras, Diomedes será obrigado a usar todo o talento que jamais imaginou possuir para desvendar o “Enigma de Enigmo”.

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1 comentário em “Diomedes – A trilogia do acidente, de Lourenço Mutarelli”

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