Eu terei sumido na escuridão, de Michelle McNamara

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Por Ana Paula Laux – Quem acreditaria que após quarenta anos, um estuprador e assassino procurado pela polícia seria finalmente identificado e preso? A jornalista Michelle McNamara sempre acreditou, e registrou em “Eu terei sumido na escuridão” (Editora Vestígio, 2018) toda a pesquisa que desenvolveu sobre o Assassino de Golden State, figura que aterrorizou a Califórnia no final da década de 1970.

Identificado apenas em 2018 através de testes de DNA, o criminoso foi um ex-policial que invadiu casas, estuprou dezenas de mulheres e matou casais nos Estados Unidos. Astuto, parecia sempre um passo a frente da polícia, agindo de forma similar na maioria dos ataques, escapando sem deixar rastros, como uma sombra na escuridão. Estudava a rotina das vítimas, pulava a cerca da casa, invadia o lugar à noite usando uma máscara de esqui e prendia os moradores com cadarços.

Ao estuprar as mulheres fazia ameaças sussurradas, dissimulando a voz. Após o martírio, geralmente levava algum objeto sem valor do local (muitos foram encontrados na casa do ex-policial ao ser preso). Só entre 1976 e 1977, foram 22 estupros. Sua prisão foi para alguns mais uma notícia “sensacional”, mas para os parentes das vítimas tratou-se de uma descoberta única, marcando o fim de uma vida calcada em perguntas e suposições jamais confirmadas.

Em “Eu terei sumido na escuridão”, Michelle reconstituiu a cronologia criminal do EAL (Estuprador da Área Leste), alcunha pela qual ele ficou conhecido na época. Ela dedicou parte da vida estudando esse “cold case” (caso arquivado sem solução), fazendo correlações com outros casos, entrando em contato com investigadores que, muitas vezes, estavam aposentados e não queriam mais tocar no assunto. Também procurou informações em arquivos antigos da polícia, participou de fóruns na internet e passava horas pesquisando em bancos de dados, visualizando imagens dos locais onde aconteceram os crimes para trocar ideia com outros “detetives virtuais”, gente que tinha na busca pela justiça um objetivo em comum.

Quando era jovem, uma vizinha de Michelle foi morta aos 14 anos porém seu assassino jamais foi identificado. Foi quando ela passou a sentir interesse por histórias de crime. “O que me pegou foi o espectro desse ponto de interrogação onde deveria estar o rosto do assassino”, diz ela, “a lacuna da sua identidade me pareceu violentamente poderosa”. Talvez o combustível para sua jornada tenha sido o misto de incredulidade e horror pelo fato de que o Assassino de Golden State, um apelido na verdade criado por ela, jamais tenha sido preso. Tal qual aconteceu com o agressor de sua amiga.

Além de montar o quebra-cabeças do caso, a autora nos aproxima das vítimas ao apontar qualidades e defeitos, tentando entender como pensavam e o que poderiam ter em comum essas vítimas, alguma similaridade despercebida que levaria ao assassino, um homem meticuloso e calculista que parecia incapturável, tal qual um fantasma. Para Michelle, as vítimas não eram estatísticas de um passado triste e distante, mas seres humanos que ressurgiam na história através da lembrança e de suas palavras.


Uma das perguntas que fica martelando após a leitura é por que o assassino nunca foi identificado. Talvez fizesse parte de um grupo jamais foi considerado suspeito nas investigações, o de ex-policiais? Talvez não se encaixasse fisicamente com os parcos retratos falados? Talvez tenha sido um misto de azar e incompetência no final? As suspeitas iam desde um predador loiro de jaqueta do exército, passando por um corretor de seguros ou um mórmon de bicicleta. Certamente uma das razões para o fracasso da polícia na época foi a evidente falta de comunicação entre os detetives, polícias de diferentes condados que não conversavam entre si sobre os casos e que, nesse caso, nem tinham certeza quais crimes podiam ser associados à mesma pessoa.

“Eu terei sumido na escuridão” é um conjunto de anotações que Michelle McNamara publicou em um site na internet, e que foram reunidas antes da captura do assassino. Com recomendação de Stephen King, o livro ainda traz um prefácio de Gillian Flynn, que também despertou o interesse por histórias de crime reais ainda muito jovem. Vítima de uma parada cardíaca, Michelle McNamara morreu em 2016 sem testemunhar o desfecho do caso que consumiu parte de sua vida. Mas é também por causa dela que a justiça foi finalmente feita e suas vítimas podem descansar em paz.

 

SOBRE O LIVRO


Título: Eu terei sumido na escuridão
Autora: Michelle McNamara
Tradução: Luis Reyes Gil
Editora: Vestígio
Páginas: 352
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SINOPSE – Por mais de dez anos, um criminoso sexual misterioso e brutal violentou cinquenta pessoas no norte da Califórnia antes de se transferir para o sul, onde cometeu dez assassinatos perversos. Em 1986, desapareceu, evitando sua captura por 30 anos. Ao longo dessas três décadas, Michelle McNamara, uma jornalista investigativa que criou o popular website, se dedicou ao caso, determinada a encontrar o psicopata cruel que ela chamava de “Golden State Killer”, ou “Assassino do Estado Dourado”. Michelle se debruçou sobre relatórios policiais, entrevistou vítimas e mergulhou em comunidades online de pessoas tão obcecadas com o caso quanto ela. Sua investigação resultou em Eu terei sumido na escuridão, uma verdadeira obra-prima que apresenta um retrato emocional de um período da história americana e uma narrativa arrepiante sobre a obstinação de uma mulher em sua busca incansável pela verdade. Em 2018, meses após a publicação do livro nos Estados Unidos, Joseph James DeAngelo foi preso em Sacramento, Califórnia, finalmente identificado por meio de testes de DNA. McNamara, que fazia uso de medicamentos para ansiedade e transtorno do pânico, morreu de um mal súbito em 2016, aos 46 anos, e não pôde vivenciar seu triunfo. Mas, sem dúvida, seu trabalho ficará marcado como um clássico do true crime , e a obra que ajudou a lançar luz sobre o mistério do Golden State Killer.

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