Entrevista: Luiz Alfredo Garcia-Roza

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Por Ana Paula Laux – Formado em psicologia e filosofia, Luiz Alfredo Garcia-Roza é importante referência da ficção policial no Brasil. Em 1996, ele venceu o prêmio Jabuti com “O Silêncio da Chuva”, seu romance policial de estreia. Em dezoito anos, Garcia-Roza escreveu nove livros com o delegado Espinosa, seu policial “introspectivo” que é o delegado da 12ª Delegacia de Polícia em Copacabana. Com os leitores, ele divide confidências como hábitos gastronômicos, o gosto por vinho tinto e a admiração por Joseph Conrad, Ernest Hemingway e Herman Melville.

Nesta entrevista para o literaturapolicial.com, Luiz Alfredo Garcia-Roza falou sobre a natureza e a temporalidade do personagem, numa série onde todos envelhecem e amadurecem.

 

 
Atualmente tem crescido o interesse do público em consumir filmes, seriados e livros policiais. Você acha que esse entusiasmo é passageiro? O que se pode esperar da literatura policial brasileira diante desse cenário?
Creio que desde a publicação de “Assassinatos da rua Morgue”, de Edgar Allan Poe, em 1841, considerado por Borges o texto fundador do romance policial e da figura do detetive (Auguste Dupin), o interesse pela ficção policial é crescente. A partir desse livro inaugural, decorreu mais de um século e meio de progressivo interesse por parte dos leitores e das editoras, seguido de produções cinematográficas e posteriormente pela TV. Não se trata, portanto, de moda passageira, mas de uma produção literária que não apenas criou um gênero a Mistery Novel como também criou um novo leitor: o leitor das novelas policiais. Tanto o leitor como o gênero permanecem fiel um ao outro até hoje. Não creio, portanto, que se possa falar em “fenômeno passageiro” quando o assunto é literatura policial.

 

Espinosa é um personagem que reflete sobre a alma humana, a maldade e a natureza dos crimes, e que tem uma consciência social. Até que ponto a sua literatura ajuda a pensar o Brasil atual?
O personagem Espinosa não é propriamente um reflexivo. Ele é sensível à maldade humana e como delegado de polícia procura entender a natureza dos crimes assim como procura apreender o contexto social em que vive. Espinosa, o delegado, não é um pensador e, sobretudo, não é um reflexivo. Ele é, do ponto de vista psicológico, um introspectivo. Isto não o torna um pensador reflexivo. Mas, apesar do modo de trabalho do delegado Espinosa, o autor não se propõe a fazer uma reflexão sobre a natureza humana e a alma humana, não pretende fazer psicologismos nem filosofismos nem tampouco literatura de auto ajuda ou de instrumento para se pensar o Brasil. Ele é apenas um ficcionista.

 

A fórmula clássica dos romances policiais se apoia na figura do detetive e do “crime, investigação e revelação” no decorrer da trama. Você acha que esse esquema é obrigatório ou que, hoje em dia, não é necessário seguir regras tão rígidas?
Concordo que a fórmula clássica do romance policial se apoia na figura do detetive. Ele é o centro em torno do qual gravitam os demais personagens e se estrutura a trama. Ele é o personagem central, embora não seja necessariamente o personagem mais importante. Quanto ao “crime, investigação e revelação”, vai depender do ponto de vista do leitor: (1) se ele entende o crime como um problema a ser resolvido (o whodunit) ou (2) Como um enigma a ser decifrado (que é o caso do delegado Espinosa). O primeiro, faz da investigação policial um procedimento análogo ao da investigação científica hipotético-dedutiva; o segundo, faz do investigador não um dedutivista em busca da verdade única, mas um intérprete ou decifrador de um enigma – o crime – que longe está de se esgotar na descoberta do “quem matou?”

 

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“Espinosa, o delegado, não é um pensador e, sobretudo, não é um reflexivo. Ele é, do ponto de vista psicológico, um introspectivo.”

 

Em seus livros, os personagens evoluem e envelhecem. Quais são os pontos positivos e negativos dessa escolha?
O ponto positivo é que ele (no caso o Espinosa), é um personagem em constante transformação tal como a história externa na qual ele se insere; o negativo (prefiro dizer o inconveniente), é que essa “constante mutação” tem que conservar uma identidade do personagem sem engessá-lo, o que torna o trabalho mais difícil.

 

Arthur Conan Doyle matou Sherlock Holmes em 1893, no conto “O Problema Final”, sob a alegação de que o personagem exigia muito dele e que o impedia de se dedicar a outros projetos. Espinosa já te incomodou a ponto de você querer matá-lo?
Já temi a possibilidade de um personagem que atravessa uma dezena ou mais de novelas viesse a cansar o leitor e, sobretudo, cansar o autor. Daí a necessidade do interregno “Berenice procura”. Além disso, tenho outros textos que não são de ficção e que por essa razão não incluem o delegado Espinosa nem o leitor do delegado Espinosa. Talvez por isso eu não tenha sentido ainda necessidade de matar Espinosa.

 

 

Você pode recomendar autores ou livros que esteja lendo no momento?
Homero: Odisseia (Penguin/Companhia)
Homero: Iliada (Penguin/ Companhia)
Herman Melville: Moby Dick (José Olympio,1950)
Robert Louis Stevenson: O Médico e o Monstro – The Strange Case of Dr. Jeckyll and Mr. Hyde (Penguin Classics)
Scott Fitzgerald: O Grande Gatsby (Penguin/ Companhia)
Benjamin Black (John Banville): O pecado de Christine (Rocco)
Harold Boom: Abaixo as Verdades Sagradas (Companhia de Bolso)
Patricia Highsmith: O Talentoso Ripley (e todos os livros dela com o personagem Ripley), (Companhia das Letras)
George Simenon: O Assassino; O Homem que Olhava o Trem Passar.

 

Quando veremos uma nova história de Espinosa nas livrarias?
A previsão é para o mês de outubro.

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2 comentários em “Entrevista: Luiz Alfredo Garcia-Roza”

  1. Garcia-Roza é um dos meus autores policiais favoritos, Espinosa é meu herói. O que mais gostoso em certos personagens é alguns dialogarem com o leitor, o que posso dizer que aconteceu comigo em “O Silêncio da Chuva”.

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