Um trovador perdido no tempo

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Por Ana Paula Laux – “O Trovador” é o primeiro romance policial do escritor, músico e poeta Rodrigo Garcia Lopes, paranaense com vários livros de poesia no currículo, além de traduções de nomes de peso, como Arthur Rimbaud e Sylvia Plath. Lançado no segundo semestre de 2014, a história é ambientada na cidade natal do autor, Londrina, mas inserida no contexto de 1936, mesmo ano do primeiro vôo do dirigível Hindenburg, na Alemanha, do nascimento de Buddy Holly, de “Os Tempos Modernos” de Chaplin, e de “Os Crimes ABC” de Agatha Christie.

A estrela do livro não é um detetive ou policial, mas sim um tradutor. Adam Blake é um escocês de cabeleira ruiva, com insistentes problemas de bebida (vide Matthew Scudder, Philip Marlowe, Sam Spade, John Rebus), um tanto atrevido e outro tanto hábil para arranjar confusão. A trama gira ao redor de um poema provençal antigo, enviado anonimamente do Brasil para o rei da Inglaterra, Eduardo VIII (que historicamente nunca foi coroado), cujo teor preocupa não só o monarca como também o estadista britânico Winston Churchill.

Como funcionário da Paraná Plantations, empresa de capital britânico que promove a venda de lotes e colonização da região, Blake aporta no Brasil para investigar a autoria da mensagem que pode comprometer os interesses do rei e de sua futura esposa, a norte-americana Wallis Simpson. Ele ainda precisa descobrir o paradeiro de três funcionários importantes da companhia de terras, que sumiram deixando para trás rastros de sangue e pistas circunstanciais. Blake percebe que o enigma associa a solução do caso aos versos da canção medieval, executada por um perigoso trovador que está assassinando pessoas em Londrina. Resta saber quem é o misterioso assassino.

Recheada de frases obscuras e aparentes conspirações, a história conduz o leitor por uma encantadora viagem pelo tempo. Envoltos na atmosfera do clima quente, terra seca e poeira fina da “pequena Londres”, os personagens descrevem os primeiros passos da cidade que, em 1936, já abrigava filiais das lojas de varejo Casas Fuganti e Pernambucanas e servia uma Antarctica gelada para os clientes do bar central. A cidade – que hoje é a segunda mais populosa do Paraná – crescia desordenadamente dois anos após sua fundação, cativando a atenção de toda espécie de aventureiro que esperava encontrar naquele canto o Eldorado brasileiro.

Além de abrir as portas para imigrantes europeus, a Paraná Plantations também participava ativamente da estruturação urbana da região em rápida expansão demográfica, apoiando principalmente interesses particulares do negócio. Em plena era de mudanças políticas e sociais – o primeiro aeroporto civil havia sido inaugurado naquele ano, e em 1937 Getúlio Vargas instauraria o Estado Novo – as turbulências geradas pela política pesada do nazismo de Hitler na Europa se faziam sentir também em solo brasileiro.
 

Terra vermelha e poesia

A elaboração da pesquisa histórica feita por Lopes é um dos pontos fortes do livro. No que se refere às descrições da Mata Atlântica ainda pouco alterada, o leitor ganha uma aula de botânica praticamente a cada capítulo, assimilando nomes da flora local como ipomeias, mangueiras, araucárias, alamandas, cedros e perobas. A natureza poética das descrições reafirma a qualidade estilística da obra, que pode soar redundante no empenho de ratificar a vermelhidão da terra londrinense, mas também cumpre a função metafórica de associar o clima ao vermelho do sangue, das mortes e dos assassinatos brutais que ali acontecem.

 

sol“O sol empilhava nuvens de ouro maciço sobre o horizonte vermelho”

 

O personagem Adam Blake é marcado como “alguém que vive da palavra dos outros”, não tem uma filosofia de vida propriamente definida nem se vale de bordões ou frases de efeito – um dos poucos hábitos é limpar o suor da testa com as costas da mão. Em conflito pelo passado mal resolvido, doma demônios internos descontando na bebida, ao mesmo tempo em que tenta se reencontrar na vida. Ele cumpre o papel de detetive/herói alternando momentos de reflexão, ação e um tanto lúdicos, proporcionados pelo interesse em literatura e artes (com especial atenção para o belo poema A Pantera, de Rainer Maria Rilke).

A sensação de desconfiança cresce quando o protagonista vê-se suspeito de um dos crimes, e obrigado a caçar o verdadeiro culpado para salvar a própria pele. Todos tornam-se suspeitos em potencial, desde o sacerdote da cidade, o inocente padre Braun (uma homenagem ao Padre Brown de GK Chesterton?), ao topógrafo russo Razgulaeff ou o delegado Ubirajara “Olhos de Águia”, policial com barriga em forma de barril que vive às voltas com um chapéu-panamá rolando a cabeça.

“O Trovador” anuncia uma trama bem costurada do começo ao fim e um trabalho de pesquisa requintado e meticuloso. O final não deixa pontas soltas, e a descrição da trama parece um roteiro cinematográfico, articulada para situar o leitor no coração do enigma. É um dos melhores romances policiais da safra nacional de 2014, e recomendado para quem procura doses generosas de aventura e História.

SOBRE O LIVRO

Título: O Trovador
Autor: Rodrigo Garcia Lopes
Editora: Record
Páginas: 406
Ano: 2014
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SINOPSE – Romance policial escrito nos moldes de grandes narradores como Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes, ‘O Trovador’ nos leva à Londrina dos anos 1930, cidade criada à imagem da capital inglesa. É lá que o tradutor Adam Blake e lorde Lovat, presidente da companhia de terras britânica Parana Plantations, buscarão a chave dos mistérios que se escondem nas entrelinhas de uma canção medieval. Rodrigo Garcia Lopes dá vida a aventureiros, estrangeiros de passado obscuro, trabalhadores sujos de serragem, fazendeiros engravatados e empresárias da noite, personagens que nos ajudam a desvendar uma série de assassinatos tem como pista a poesia. Um dos poetas mais consistentes de sua geração, Garcia Lopes prova, em sua estreia na ficção, ser um narrador completo.

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2 comentários em “Um trovador perdido no tempo”

  1. Zenaide Aparecida Negrão

    Faço uma dissertação de mestrado sobre O Trovador. Analiso as questões da História da colonização norte-paranaense bem como a trama detetivesca da obra, pelo viés da desconstrução desses gêneros literários clássicos. Como pesquisadora, classifico como um ótimo romance dessa geração de novos escritores, e como já colocado na resenha acima, um roteiro pronto para o cinema. Leitura obrigatória para quem gosta desse gênero narrativo.

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