A garota na teia de aranha, de David Lagercrantz

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Por Raquel de Mattos – Até onde vai nosso desejo pelas coisas? Pela vida? Pelos outros? O quanto importa o que os outros fazem para nos agradar? Um livro tem o poder de fazer coisas estranhas com a gente? Sentir que estamos em outro universo e que convivemos com aqueles personagens? Sim, quando o autor tem essa capacidade. Os personagens saem do papel e tem uma aura tridimensional que só aqueles que estão intimamente ligados a eles tem o poder de vê-los e senti-los.

Clarice Lispector, define bem o que é um encontro com a literatura: “Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante” *. Quando eu levo um livro como esse para cama, estou levando junto Lisbeth e Mikael. Juntos, somos imbatíveis – eles agem, eu olho – uma espécie de voyeurismo. Não estou falando sobre sexo, mas a atração que eles exercem sobre mim me tornam uma submissa, não consigo fugir, nem quero. Eu os traí; pulei etapas. Mas voltei para eles. Enfim, só me resta agora ser uma boa menina e falar dessa relação tão intensa, tão pouco convencional e tão apaixonante!

Para quem não conhece Lisbeth Salander e Mikael Blomkvist é preciso que os apresente. Esta história – como as anteriores – não é uma versão sueca de 50 tons de cinza, longe disso. São uma dupla dotada de uma química quase alquímica, mas com um detalhe: é tudo sobre ela – a hacker que faz qualquer complicação parecer brincadeira. Ele é um jornalista famoso e renomado na área investigativa, sócio proprietário da revista Millennium, que tem seu caminho cruzado com ela no passado e que vive à sua procura. Mas é ela quem invade os computadores da NSA (Agência de Segurança Nacional, que espiona todo mundo (olha o voyeurismo aí!) – mesmo local onde trabalhava Edward Snowden** – e que o autor soube captar muito bem essa história tão atual que ainda povoa o imaginário de muita gente e tira o sono de tantas outras! O paralelo estabelecido não é tão nítido, já que a exposição no livro é de fora para dentro, ao contrário do que aconteceu na vida real, mas dá para perceber, sem forçar a barra, a intenção). É ela quem mostra as fragilidades de um sistema – em tese – intransponível e atiça uma rede de criminosos, comandada por ninguém menos que sua irmã gêmea Camilla, que se mostra uma arqui-inimiga a altura de Lisbeth e dá muita dor de cabeça. Pode parecer clichê, mas te garanto que não é!

 

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Eu li o primeiro livro há algumas semanas quase de um fôlego só. Eu estava algemada a eles e não conseguia parar. Pulei do primeiro direto para este – o quarto – sem grande prejuízo da falta da leitura dos dois anteriores, mas era castigada (de leve) quando tinha algum spoiler. Paciência. Foi a minha escolha, hei de arcar com o preço. Devo confessar que eu já estava muito envolvida com Mikael e Lisbeth. Era um ménage à trois literário. Eu estava entregue! Mas isso foi no primeiro livro; agora a coisa foi um pouquinho diferente.

Confesso que estava esperando um pouco mais (ou melhor, um pouco menos), mas já vou me explicar. Foi um mar de informações que não compõem o meu repertório, ou o meu capital cultural como diria Pierre Bourdier; informações sobre inteligência artificial, fatoração de números primos de oito dígitos, curvas elípticas e outras tantas coisas, que por vezes eu me perdia sem entender, mas logo voltava ao porto seguro das histórias que faziam sentido para mim. E que sentido maravilhoso este livro fez na minha vida!

Não estou dizendo com isso que o livro foi ruim, ao contrário ele é perfeito e extremamente instigante, com uma trama muito bem arquitetada pelo autor e que nos deixou exatamente como se propõe o título – na teia da aranha, mas é preciso perseverança! E eu levei um tempo para perceber a intencionalidade dele com os personagens e suas localidades, estes sim é que davam a ideia da teia e por vezes chegam a nos confundir com tantos nomes. Cheguei mesmo a fazer uma lista com nomes e locais e uma breve descrição, mas logo esta tarefa se tornou inviável, não só pela quantidade de pessoas citadas ou atuantes, como fazer isso tirou o ritmo que os romances policiais devem ter, me levando logo a abandonar a ideia. Entretanto, consegui visualizar a cadeia de acontecimentos de cima, como uma forma perfeita das criações aracnídeas, onde o centro converge para Lisbeth e suas ramificações se espalham e se conectam ao mesmo tempo.

Entabulando a metáfora sexual, que apesar de não ser a tônica do livro, mas está presente de formas variadas, penso nos amantes que somos dos livros, dos personagens, dos autores. O prazer proporcionado depende da rítmica impressa em cada palavra logo no começo. São as preliminares que nos prendem e o clímax define.

Mikael, apesar de ser importante – diria até vital para a história – não tem o brilho que ela tem. Mesmo quando o assunto é ele, é Lisbeth quem toma as rédeas e domina a cena, como uma entidade invisível, manipulando sua própria teia. Até Erika – amiga e eterna amante de Mikael – cede aos desígnios e ordens de Salander. É impressionante! Ela não fala ou pede – ela manda e todos obedecem!

 

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Dois personagens me cativaram imensamente, para além dos protagonistas: August Balder, o filho autista do gênio da computação Frans Balder (não tem como não se apaixonar por ele!). Um menino de apenas oito anos, com uma condição rara de autismo e que tem um papel chave na trama, mas tem uma história anterior muito triste. O outro é Andrei Zander, o jovem jornalista romântico e apaixonado da Millennium e que vai ser o braço direito de Mikael para a pesquisa sobre os últimos acontecimentos. Um fofo!

O livro merece uma descrição para cada parte e personagem, são muitos detalhes que nos fazem pensar inclusive nos bastidores da criação, pois a quantidade de informações sobre coisas diferentes – desde as já citadas, passando por autismo e crianças savant (o tipo raro de autismo de August), até pelos já conhecidos sistemas de hacking de Lisbeth e sua turma do Hacker Republic. Onde ele conseguiu tanta informação? Que louco!

Achei que David Lagercrantz foi bastante fiel ao cerne da história original e não deixou nada a desejar para a obra de Stieg Larsson. Como eu só li o primeiro livro, este atiçou a minha curiosidade para ler os outros dois, pois há uma série de spoilers intrigantes que me deixaram imaginativa quanto ao conteúdo das outras publicações. Mas tudo a seu tempo! Voltando à teia da aranha, o final não é bombástico, mas é extremamente competente, honesto. Todas as pontas são amarradas e nenhuma dúvida fica pra depois (exceto as propositais…), fazendo com que o sentimento de satisfação fique em um nível otimista e que, como parece que terão novos livros, desejemos logo que eles venham até nós! Acho que nunca ficaremos órfãos de Lisbeth e Mikael. Era a Lisbeth que estava no centro da teia da aranha, mas quem foi completamente envolvida era eu.

*Do conto Felicidade Clandestina.
** Edward Snowden ficou conhecido por expor ao mundo o sistema de vigilância imposto pelos Estados Unidos.

* Exemplar cedido pela Companhia das Letras 

 

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lisbeth2Título: A garota na teia de aranha
Autor: David Lagercrantz
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 472
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SINOPSE – Uma muralha virtual impenetrável: é assim que se pode definir a rede da NSA, a temida agência de segurança americana. Quando a mensagem “Você foi invadido” piscou na tela de Ed Needham, responsável pelos computadores que guardam alguns dos maiores segredos do mundo, ele custou a acreditar. A tentativa de localizar o criminoso também não trazia frutos, as pistas não levavam a lugar nenhum, cada indício terminava num beco sem saída. Que hacker seria capaz de algo assim?

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6 comentários em “A garota na teia de aranha, de David Lagercrantz”

  1. Olá Raquel, só conheci o blog este ano e hj cai nesta pagina e fiquei triste por vc. Não devia ter pulado do 1o para o 4o livro não, pois eles são a água e o vinho. Uma pena! Tomara que já tenha conseguido ler os outros dois, e ai terá percebido que este quarto livro é quase um desrespeito a obra de Stieg Larssson, de tão fraco. Lisbeth e Mikael mereciam mais respeito. Gostaria muito que não houvesse mais nenhum livro, para ficar na memoria com os bons momentos. Neste 4o livro só vi um monte de bla bla blas, cenas fracas ( A cena do assassinato de Bauer beira o ridículo, transformando a policia sueca quase no Mr, Bean) e Lisbeth é somente uma coadjuvante. Muito triste. Espero que tenha tido sorte em outras leituras depois dessa. Desculpe minha sinceridade!

  2. Oi, Helder! Que pena que vc se sentiu assim. Eu li os outros livros depois e continuei não achando o quarto livro ruim, ao contrário! Estou até ansiosa pela saída do próximo. Claro que os pontos de vista são importantes para afinar o debate e acho sensacional que as pessoas discordem de mim! Se todo mundo achasse o mesmo ia ser bem sem graça, né? Enfim, concordo com vc no tocante à Lisbeth (em algumas cenas), mas ainda assim ela é aquele personagem envolvente, que nos arrebata até quando não está tão presente, quando a sua presença é quase mais que uma sensação, um bit virtual, do que carne e osso… Todos os detalhes da sua vida são tão instigantes e, mesmo quando ela pode ou não estar errada, vc torce por ela. Pq ela é assim. Sinto muito por vc não ter curtido, espero ao menos que tenha gostado da resenha 😉
    Um grande abraço e continue acompanhando nosso trabalho por aqui! 😀

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