CRÍTICA | O Escaravelho do Diabo é uma máquina do tempo

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O literaturapolicial.com assistiu à pré-estreia do filme em Florianópolis e um debate com a atriz Gabriela Petry

 

Por Rogério Christofoletti – Se você cresceu nos anos 70, 80 e 90 deve ter perdido noites de sono com livros de aventura e mistério da Série Vaga-Lume. Certamente, tentou desvendar “O Mistério do Cinco Estrelas”, sentiu medo em “A Ilha Perdida” e quebrou a cabeça com o “O Rapto do Garoto de Ouro”. Se você é desse tempo sabe muito bem que se o carteiro trouxer um estranho pacote sem remetente, nem é bom abrir! Pode ser a sua sentença de morte, como acontece em “O Escaravelho do Diabo”. E é justamente este livro que chega aos cinemas brasileiros em 14 de abril, provocando expectativa e nostalgia em muita gente.

A razão é simples: a adaptação do livro de Lúcia Machado de Almeida pode funcionar como um autêntico encontro de gerações, levando os leitores da Vaga-Lume – agora mais maduros – e seus filhos, sobrinhos e até netos para conferir a atração. É como ligar uma máquina do tempo. Os mais velhos tentarão resgatar ali memórias bem acondicionadas e sensações esquecidas da juventude. Os de agora vão se deparar com uma aventura tipicamente brasileira, que tem elementos contemporâneos, mas conserva nuances de uma inocência levemente demodê. Afinal, estamos tratando da investigação de uma série de assassinatos em uma pacata cidade do interior, vistos pelos olhos de um garoto de 13 anos.

 

 

Se você é do time dos mais velhos, prepare-se para rever mobiliário de época, portas de vidro canelado, fuscas nas ruas, mas também ter uma história rejuvenescida e levemente modificada. O diretor Carlo Milani adaptou a história do serial killer que presenteia suas vítimas com escaravelhos, recheando a trama com outros personagens, gadgets atuais e temas importantes do momento. Assim, o protagonista não é só desligado, mas dá a ideia de sofrer de déficit de atenção e hiperatividade. O delegado está longe de ser só atrapalhado e o público vai entender que o motivo de ser tão esquisitão vai além de um jeito Monk de ser…

De forma hábil, Milani faz um câmbio decisivo na história. Se no original, Alberto é um estudante de Medicina, agora, ele é um pré-adolescente que perde o irmão mais velho e se vê diante dos muitos mistérios da vida e da morte. Descobre o amor juvenil e percebe que a maldade está nas ruas. Mais ainda: entende que até mesmo cidadezinhas pacatas, como a sua Vale das Flores, podem esconder terríveis segredos. Ao converter o jovem Alberto em detetive, Milani não apenas traz mais momentos de doçura e encantamento à história como atrai poderosamente um público para os cinemas. Imagino que hordas de garotos e garotas, vestidos de uniforme escolar, headphones e tablets irão invadir os cinemas. Eles são como Alberto ou Rachel, estão “de boa”, adoram videogames, não desgrudam da internet, e podem sentir uma identificação imediata com esses jovens aventureiros. Mais de 40% das pessoas que vão ao cinema no Brasil têm entre 16 e 24 anos, o que coloca o país como o terceiro maior mercado do planeta no segmento. Ao trazer para a linha de frente personagens tão curiosos, impulsivos e agitados, Milani retoma o mesmo compromisso juvenil da antiga Série Vaga-Lume.

 

Novos clássicos

Dirigida ao público infanto-juvenil, a Série Vaga-Lume formou gerações de leitores, apresentando autores do quilate de Marcos Rey, Lúcia Machado de Almeida, Orígines Lessa, Marçal Aquino, Luiz Puntel, entre outros. O auge da coleção se deu nas décadas de 80 e 90, e os livros foram rapidamente adotados por professores, distribuídos em escolas e bibliotecas e caíram no gosto da garotada. Agora, eles tinham seus próprios clássicos, muito mais interessantes que os títulos do século 19 e começo do 20, que eram obrigados a engolir…

A verdade é que foi um sucesso. Nada como Harry Potter ou a série Goosebumps, que já vendeu 300 milhões de exemplares no mundo! Mas a Vaga-Lume foi um autêntico fenômeno brasileiro das livrarias e chegou a ser adotada pelo governo federal na condição de livros paradidáticos. “O Escaravelho do Diabo” é dos títulos mais conhecidos. Foi inicialmente publicado em capítulos na revista O Cruzeiro nos anos 50, mas se transformou em best-seller a partir de 1972, quando foi lançado na coleção. A trama policial reserva fortes emoções para os leitores, e a versão que chega aos cinemas adiciona pinceladas de terror e pitadas (bem-vindas) de romance juvenil.

esc_gabiA atriz Gabriela Petry conversa com a plateia após a pré-estreia do filme em Florianópolis

 

Diretor experiente de TV e filho do saudoso e multitalentoso Francisco Milani, Carlo Milani faz sua estreia nos cinemas. “O Escaravelho do Diabo” tem ritmo adequado, consegue manter a atenção do público e o roteiro apresenta as esperadas reviravoltas do gênero policial. Os diálogos são bem cortados, e há um espaço generoso para o humor, principalmente nas falas do delegado Pimentel, em interpretação cuidadosa de Marcos Caruso. Aliás, o elenco é uma constelação de memoráveis veteranos: Jonas Bloch, Selma Egrei, Celso Frateschi, Karin Rodrigues, Jairo Mattos… Lourenço Mutareli e o garoto Thiago Rosseti também se destacam.

Com a retaguarda de Globo Filmes e Paris Filmes, “O Escaravelho do Diabo” deve ocupar grande espaço de exibição, o que é muito bom. Afinal, são raros os casos de adaptações de livros infanto-juvenis nacionais e não temos ainda um segmento forte de filmes policiais para esse nicho. Talvez o grande acerto esteja aí: voltar-se para uma camada de espectadores disposta a conferir aventuras mais próximas da sua realidade. Com leveza, bom humor e brasilidade. De quebra, o filme mexe com os afetos dos mais velhos, aqueles que ligaram a máquina do tempo.

Então, “O Escaravelho do Diabo” só tem qualidades? Não, tem lá seus defeitos. O maior deles talvez seja conservar uma ingenuidade quase imperdoável nos dias de hoje. Cidades pequenas não estão livres da violência, um garoto de 13 anos não conduz investigações, e as razões para tanto sangue podem não convencer os mais exigentes. A ingenuidade rima com fragilidade, mas um olhar mais condescendente permite outra leitura: é um traço de coerência na adaptação cinematográfica. Os livros da Série Vaga-Lume também eram recheados dessa inocência juvenil. Para que a máquina do tempo funcione bem, talvez seja necessário resgatar esses sentimentos envernizados como a carapaça daqueles grandes e misteriosos besouros.
 

Assista o trailer de O Escaravelho do Diabo
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7 comentários em “CRÍTICA | O Escaravelho do Diabo é uma máquina do tempo”

  1. Que ótima crítica! Deu mais vontade de assistir a adaptação do clássico. Pessoal, hoje 5 de Março de 2016 haverá a pré-estréia do Escaravelho com ingressos gratuitos às 19:00 no Espaço de Cinema Itaú, Rua Frei Caneca em São Paulo.

      1. Esqueci de dizer: gostei bastante do filme, mas faltou ousadia do diretor. Na conversa com os fãs durante depois da pré estréia ele disse que retirou as cenas com um final mais obscuro. para mim isso comprometeu seriamente o final da história. Fiquei com a sensação de falta no final.

  2. Estava com muito medo desta adaptação, mas a crítica aplacou bastante esse receio. Não vejo a hora de chegar aos cinemas e poder ir assistir com meu filho. Que venham outras adaptações da sensacional série Vaga -Lume!!!!!!

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