Stieg Larsson – A verdadeira história do criador da trilogia Millennium

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Por Ana Paula Laux – Quem diria que Stieg Larsson se tornaria um dos maiores nomes da literatura policial no mundo? Ele diria, já que sempre acreditou no potencial da trilogia Millennium. Stieg morreu em 2004 com apenas 50 anos, depois de sofrer um ataque cardíaco fulminante e antes de ver seu primeiro romance policial ser lançado. A biografia “Stieg Larsson – A verdadeira história do criador da trilogia Millennium” é uma bela homenagem a este escritor que deixou sua marca na literatura.

O livro foi escrito por Jan-Erik Pettersson, jornalista e antigo editor de Stieg, e publicado no Brasil em 2012 pela Companhia das Letras. É um guia maravilhoso, incrível e completo para quem quer conhecer as origens do autor, suas motivações políticas, sua paixão pela justiça e a maneira corajosa como enfrentava a vida.

Pettersson divide o livro cronologicamente. Começa descrevendo a infância de Stieg e sua relação com a família, o passado político dos pais e do avô Severin, e como desde pequeno ele já tinha um posicionamento forte sobre as coisas do mundo. O miolo é dedicado ao engajamento com as causas políticas, as viagens para lugares como Etiópia e a ilha de Granada (onde Lisbeth desembarca no segundo livro) e o ativismo combatente à Guerra do Vietnã.

Pettersson faz uma contextualização política extensa e um pouco cansativa em alguns trechos, desmitificando a imagem do país justo e moderno atribuído à Suécia, relembrando transições políticas, citando as origens de movimentos fascistas e a influência do partido Social Democrata no país. É o gancho para compreendermos o embrião das histórias de Stieg e de seu trabalho como pesquisador e  jornalista político.

 
Bom humor e coragem

Há muitas revelações menores porém deliciosas no decorrer da leitura. Stieg lia histórias de detetive desde criança, era fascinado por ficção científica, teve um fanzine dedicado a Isaac Asimov, interessava-se por novas tecnologias, desenho e redação, era fã de Raymond Chandler e Dashiell Hammett. Seu apelido na revista Expo era Stieg-piada, porque ele adorava fazer os outros rirem. Curiosamente, ele não chegou a se formar em jornalismo. Começou mesmo trabalhando em uma agência de notícias como ilustrador de artigos, aptidão herdada do pai, Erlande.

O lado pesquisador veio anos depois, quando tornou-se uma referência nos assuntos sobre extremismo de direita, um dos maiores especialistas em análises sobre movimentos fascistas e neonazistas na Europa, sendo frequentemente chamado para dar palestras sobre estes temas para políticos e até para a Scotland Yard. A revista Expo (um espelho da Millennium da trilogia) nasceu desse ativismo e da necessidade que Stieg tinha em buscar justiça, em provar que neonazistas não eram jovens delinquentes com problemas, como acreditava a polícia sueca, e sim um movimento político organizado e sério, com crenças e convicções.

 

 

A revista foi inaugurada em 1995 visando reunir um arquivo de informações sobre a direita radical na Suécia, para que estes grupos extremistas não fugissem da justiça. Foram muitos os ataques sofridos por Stieg por conta de seu posicionamento político – no final dos anos de 1990, ele chegou a ser a pessoa mais ameaçada da Suécia -, incluindo aí ameaças de morte a apoiadores da revista e citações em sites nazistas da Europa inteira. Foi por isso que ele nunca se casou com a companheira de vida, Eva, para que justamente não existissem papéis oficiais com informações que pudessem comprometer a segurança dela. Mesmo assim, ele não desistiu de denunciar os grupos fascistas e seus atos de violência, tão pouco se deixou intimidar por eles.

Essa biografia ajuda a entender a extensão do domínio que Stieg tinha dos assuntos tratados nos livros. Como ele, por exemplo, gostava de escrever com o Mac branco no colo e os pés numa escrivaninha, imaginando um jornalista idealista e convencional como Blomkvist e uma heroína que age, se vinga e se liberta, tal qual Lisbeth, e que enfrenta as piores situações para vencer no final. Ele sabia do que falava porque tinha conhecimento de causa. Por exemplo, quando em “A rainha do castelo de ar” a empresa de segurança Milton Security instala um potente sistema de alarme na casa da jornalista Erika Berger. Anos antes, Stieg havia escrito um artigo para a Associação de Jornalistas Suecos justamente sobre este tema, explicando como jornalistas deveriam agir quando passassem por situações de perigo.

Claro que transformar os episódios da própria vida em uma ficção enérgica exige mais do que a sóbria habilidade de descrever, mas seus livros acabaram sendo, de certa forma, uma extensão idealista da vida que ele levava. Com a exceção de que, na ficção, ele tinha total controle sobre tudo que não controlava na vida real.

 

Noir Nórdico

Pettersson conclui o livro resgatando a história do romance policial sueco e como o gênero deixou de ser uma simples distração de otimistas para virar um espelho da sociedade, transformando a Suécia numa espécie de “pólo do crime” da ficção anos atrás, com a febre do Noir Nórdico. Ele ainda cita referências do gênero no país, como o casal Per Wahlöö e Maj Sjöwall e Henning Mankell, criador do detetive Wallander. Há mais detalhes sobre a concepção da trilogia nesse finalzinho, como a inspiração para criar Lisbeth, que ele via como uma versão cyberpunk de Pippi Meialonga, a famosa personagem infantil de Astrid Lindgren.

Segundo Pettersson, a convicção que Stieg tinha de que seus livros seriam um sucesso não era um mero “feeling” de escritor. Antes de publicá-los, Stieg testemunhou o interesse crescente dos editores pela obra avaliada, e chegou até a negociar detalhes para uma possível adaptação para o cinema. Parece que uma brincadeira recorrente era de que talvez ele chegasse a ser mais importante do que o próprio Mankell, e dizem que ele se divertia muito com isso, já que escrever ficção havia virado uma paixão autêntica.

É realmente difícil entender o destino que nos priva de uma experiência como essa, a de ter Stieg Larsson amplificando o coro na luta contra o racismo, na defesa do movimento feminista, dos direitos humanos e por uma sociedade mais justa. Afinal, o que ele teria a dizer sobre os 4000 refugiados mortos até então nos mares da Europa? O que acharia da popularidade de Trump e das revelações de Snowden sobre a NSA? Será que se surpreenderia com as tendências conservadoras dos tempos modernos? Eu penso que não, mas isso é algo que nunca saberemos. Só uma coisa é certa: o mundo seria um pouquinho melhor com Stieg vivendo nele ainda. Ah, se seria…

 

Confira a resenha em vídeo

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stieg_bioTítulo: Stieg Larsson – A verdadeira história do criador da trilogia Millennium
Autor: Jan-Erik Pettersson
Tradutora: Maria Luíza Newlands
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 288
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SINOPSE – A biografia definitiva de Stieg Larsson revela como sua intensa atuação política foi fundamental para transformá-lo no escritor que conquistou o mundo com os personagens Lisbeth Salander e Mikael Blomkvist.

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