Os Amantes de Hiroshima, de Toni Hill

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Por Alexandre Amaral – Os crimes costumam acontecer sem hora nem local determinados. Eles são uma quebra na ordem social, que sempre precisará ser restabelecida. A necessidade de reorganizar as estruturas, quando um crime ocorre, depende de um detetive. Detetive esse que seja capaz de doar todos seus esforços para a solução, mesmo que isso o faça deixar de lado seus interesses pessoais e ainda que estes esforços possam afetar de alguma forma as pessoas ao seu redor.

 

E quando uma investigação causa danos irreparáveis na vida do detetive, quem reestrutura a ordem?

 
Os Amantes de Hiroshima, terceiro livro que tem como protagonista o detetive Héctor Salgado, traz um ambiente pré-moldado por acontecimentos que ajudaram a trazer os leitores até o ponto atual. Terminado o segundo exemplar com o desaparecimento repentino de sua ex-esposa, muitos leitores seguem o detetive Salgado esperando a solução desse mistério de caráter pessoal, que mobiliza alguns agentes da polícia espanhola e também pessoas de fora dela.

Levando em conta que o mistério do desaparecimento de Ruth Valldaura já o acompanha desde o volume anterior, Toni Hill acrescenta um detalhe que faz movimentar ainda mais a consciência de Salgado. Dois corpos encontrados, mortos violentamente, em uma casa abandonada, porém artisticamente decorada, em uma região pouco habitada. Somada aos problemas anteriores e a Guilhermo, seu filho pré-adolescente. Essas são as preocupações de um investigador da polícia de Barcelona. São esses os assuntos que povoam a mente do detetive Héctor Salgado enquanto ele caminha pelas ruas da cidade, fumando seu cigarro e tentando reverter o passado dentro de sua cabeça.

Assim são apresentados alguns dos conflitos e contrastes presentes em “Os Amantes de Hiroshima”, onde o nome dado ao livro faz menção a elementos internos inerentes ao enredo e possui uma quantidade intensa de cenários e personagens, que levam o leitor a passear junto ao narrador por diversos pontos marcantes da cidade de Barcelona.

Dentre as diversas características do livro, que é um volume extenso, fica marcado para o leitor a grande quantidade de capítulos e a aparência de que são ordenados aleatoriamente. A narrativa não linear pode acabar confundindo um leitor menos experiente pela forma como as informações são dispostas durante o livro, preenchendo lacunas e apresentando personagens de forma desprendida. Em alguns momentos nos deparamos com fluxos de consciência que não se mostram de início e necessitam de um pequeno esforço para serem acompanhados e compreendidos.

A utilização de um detetive que segue ao modelo ontológico já é uma marca da literatura de detetives do século XXI. Diferente do detetive clássico, que buscava entender o mundo ao seu redor, o detetive ontológico conflitua-se diariamente com as formas em que a sua existência se desenrola diante das situações e as reflexões sobre essas situações, fazendo com que seja cada vez mais frequente a exposição de um detetive que possua uma aparente vida pessoal, e que a profissional, objeto de predileção do leitor, seja narrada concomitante com ocorrências banais de um pai, marido ou dono de um cão.

Assim, o romance chega ao leitor com um terreno preparado e a solução de ambos como promessa. Mas o leitor terá um longo caminho até lá, e durante esse caminho, compartilhará das angústias de Héctor Salgado e esperará dele a solução para problemas que parecem aumentar de tamanho enquanto o detetive caminha até sua solução.

 

* Livro cedido pela Editora Tordesilhas
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(Imagem: Ana Paula Laux) 

 

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5 comentários em “Os Amantes de Hiroshima, de Toni Hill”

  1. Concordo com o seu excelente artigo sobre Os amantes de Hiroshima de Toni Hill.
    Como no meu comentário sobre os 10 melhores livros de 2016 “Os Amantes de Hiroshima” do espanhol Toni Hill, o último da trilogia que tem como personagens principais os inspetores Héctor Salgado (argentino) e Leire Castro. (livros anteriores “O verão das bonecas mortas” e “Os bons suicidas”), é sem dúvida um excelente livro policial, “Para sobreviver ao sistema é preciso enganar o sistema”, frase que vai acompanhar sempre o livro, mas que só damos conta da sua importância perto do final.
    Depois é intenso, com várias variantes, quebra-cabeças, escrito de uma forma que lembra o gênero “noir” policial, uma trama intensa e que nos leva também a relembrar os dois livros anteriores, para além de focar um tema tão vivido pelo povo espanhol durante a ditadura de Franco, a adoção dos filhos e filhas (a troco de dinheiro) de jovens pobres grávidas (na sua maior parte estupradas, ou violentadas, por serem contrárias ao regime fascista) durante os anos de 1960.
    Pena que a dupla Salgado/Leira tenha chegado ao fim e que o seu autor Toni Hill, tenha mudado de direção na escrita, preferindo o estilo gótico, como no seu último livro deste ano “Los Angeles de Hielo”.
    “Em uma cidade que se ergue contra os poderosos, há segredos que continuam debaixo da terra.
    Maio 2011. Em uma casa abandonada, perto do aeroporto, a polícia de Barcelona encontra dois mortos envoltos em uma mortalha de flores. Abraçados, eles foram ali sepultados com uma grande quantia de dinheiro…. O inspetor Salgado, mais do que nunca unido à agente Leire Castro na busca da sua ex-mulher, também precisará investigar o que nunca imaginara até chegar à obscura origem do desaparecimento de Ruth (ex-mulher) e a uma verdade de consequências trágicas e imprevisíveis”
    Sem dúvida alguma um Magnífico e Excelente livro policial que 2016 nos presenteou.

    1. Olá, Ricardo. Concordo com você que o livro toca em assuntos muito pertinentes o que dá a ele um perfil mais sério e sóbrio. Também esperava um fechamento diferente para Salgado/Leire, mas ainda sim, é bastante compreensível o porquê desse encerramento. Acho que sobreviver ao sistema, apesar de necesário, implica em muitas perdas ao longo do caminho, não acha?

      1. Olá Alexandre. Claro que concordo, aliás quem escreve, exceptuando os antigos escritores policiais que mantinham o herói (muitas vezes o anti-herói, lembrei-me de Chandler), ou a personagem principal durante anos a fio, necessitam muitas vezes de modificar, de se reinventar, até porque a literatura policial é dinâmica. Um abraço.

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