RESENHA | Edgar Allan Poe – Medo Clássico

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O HORROR! O HORROR! – É fácil, esperado, inevitável elogiar a qualidade estética do primeiro volume das obras de Edgar Allan Poe, lançado recentemente pela DarkSide Books na série Medo Clássico. A capa dura negra com caveira e corvos, caprichosamente ornamentados com letras douradas, as ilustrações especialmente produzidas para apresentar cada seção, o retrato do autor na contracapa, em moldura ovalada, típica de nossos cemitérios… tudo ali espelha não apenas apuro gráfico e profissionalismo, mas acima de tudo, uma necessidade de reverenciar um dos pilares da literatura de terror/suspense/crimes.

Poe é obrigatório em qualquer antologia desses gêneros, e constantemente citado como um nome importante das bases da literatura de língua inglesa. Mas Poe também é frequentemente aprisionado nos escaninhos de “autor maldito” e “escritor de nicho”. Neste sentido, a edição da DarkSide traz uma primeira contribuição para desprender Poe dessas órbitas e permiti-lo vagar pelo espaço, sem as amarras gravitacionais que insistem em apequená-lo. A tradutora Marcia Heloisa oferece uma lírica e contundente apresentação no início do livro, que não só explica a estrutura da obra, faz menções à biografia de Poe, mas também se preocupa em ampliar o papel dele na literatura para além dos sempre citados horror e gótico. A bela introdução reverencia o mestre, mas não se restringe a elogios e a convenientes clichês.

 

Pesquisadora do universo que serve de plataforma de lançamento de Poe, Marcia Heloisa invoca escritores esteticamente distantes – como Nelson Rodrigues – para ajudar a explicar porque ainda devemos ler Poe, mesmo que não vivamos em castelos lúgubres que este país tropical não tem.

 
A DarkSide vem se posicionando no mercado editorial brasileiro como uma casa que se preocupa obsessivamente com a qualidade gráfica de seus lançamentos. A “culpa” disso é do estúdio Retina 78, que assina capas e projetos gráficos, e que contrata artistas como Ramon Rodrigues, um jovem monstro da xilogravura. Isso mesmo! Um livro de Poe não poderia trazer ilustrações feitas em modernosos e assépticos softwares gráficos, mas sim gravuras feitas a partir de matrizes de madeira esculpida em baixo relevo. Se ele é um escritor de base, nada mais coerente que contar com material imagético de raiz…

Mas que a nobreza estética do objeto-livro não ofusque o que ele tem de melhor, essências literárias do mais mítico dos bostonianos. Em outras palavras: mais do que bela, esta edição é importante e necessária. Os quinze contos são cercados por um célebre texto de Charles Baudelaire, um dos seus principais divulgadores na Europa no século 19, por fotos da casa de Poe na Filadélfia e por conteúdos adicionais sobre seu mais famoso poema, O Corvo. Além do texto integral em língua original, o volume oferece um artigo em que Poe justifica seu fazer poético e duas clássicas traduções para o português: a objetiva de Machado de Assis, e a alentada de Fernando Pessoa. Compará-las já é um jogo divertido e instigante, não apenas para os versados em inglês, mas para todos que se interessam pelas potencialidades que a poesia tem na explosão dos signos.

Os quinze contos de Poe são divididos em cinco partes: O Espectro da Morte, Narradores homicidas, Detetive Dupin, Mulheres Etéreas e Ímpeto Aventureiro. O panorama é abrangente e quase didático. Se o leitor não conhece o autor, tem nas mãos um útil curso introdutório. Se é um frequentador assíduo, poderá se deliciar com pérolas sangrentas como O coração Delator e O Baile da Morte Vermelha. Se é um especialista, terá matéria para discutir as razões que levaram ao resultado daquela coletânea em particular.

Sim, não faltam ali narrativas de congelar as veias como as de O Gato Preto, A Queda da Casa de Usher e O Escaravelho de Ouro. E os amantes da literatura policial têm reunidas os três casos solucionados pelo Chevalier Auguste Dupin, pai de todos os detetives, inclusive de Sherlock Holmes. Alguns alicerces do gênero estão lá em Os Assassinatos da Rua Morgue (1841), O Mistério de Marie Rogêt (1842) e A Carta Roubada (1844). O raciocínio inteligente, a observação arguta e a brutalidade atravessam a atmosfera ruinosa e as zonas mal iluminadas do caráter e da vontade humana.

Este primeiro volume faz parte da coleção Medo Clássico, que tem ainda uma iconoclástica edição de “Frankenstein”, de Mary Shelley, e trará pelo menos mais um volume edgariano e algo de Lovecraft. Nada como estar em tão boa companhia… O luxo que espalha pelo livro não é só para ostentar, mas para reconhecer, dar estatura para um autor tão fundamental. Em outros países, isso já havia acontecido, faltava algo por aqui.

 

 
A tentação é afirmar que esta seja uma edição definitiva em português brasileiro, dada a qualidade e o capricho dos seus produtores. Mas vou resistir ao clichê. Boa parte da essência de Poe está nessas quase 400 páginas. É um excelente primeiro volume. Um livro importante e necessário. Eu adoraria que outras edições definitivas de Poe surgissem no Brasil para – definitivamente! – iluminar o retrato desse grande nome.

 
Assista ao vídeo

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Título: Edgar Allan Poe – Medo Clássico
Autor: Edgar Allan Poe
Tradutora: Marcia Heloisa
Páginas: 384
Editora: Darkside Books
Este livro no Skoob

SINOPSE – O livro é uma homenagem a Poe em todos os detalhes: da capa dura à nova tradução feita por Marcia Heloisa, pesquisadora e tradutora do gênero, além das ilustrações em xilogravura feitas pelo artista gráfico Ramon Rodrigues. E o mais importante: o conteúdo selecionado que recheia as 384 páginas deste primeiro volume de Edgar Allan Poe: Medo Clássico. Os contos estão divididos em blocos temáticos que ajudam a visualizar a enorme abrangência da obra. A morte, narradores homicidas, mulheres imortais, aventuras, as histórias do detetive Auguste Dupin, personagem que serviu de inspiração para Sherlock Holmes. O livro traz ainda o prefácio do poeta Charles Baudelaire, admirador confesso de Poe e o primeiro a traduzi-lo para o francês.

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2 comentários em “RESENHA | Edgar Allan Poe – Medo Clássico”

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