RESENHA | O segredo dos corpos, de Vincent Di Maio e Ron Franscell

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Por Rogério Christofoletti – De uns tempos pra cá, uma divertida mitologia tem rondado a vida dos patologistas forenses. Eles são protagonistas de séries da TV, solucionam mistérios, salvam o mundo e chegam em casa antes da reprise de filmes antigos. São todos perspicazes e implacáveis, e alguns são até bonitos. Sim, sim. Legistas estão na moda, mas quem se arrisca a fazer o trabalho deles? Na verdade, pouca gente e o doutor Vincent Di Maio, veterano de necrotérios, é um deles. Com a ajuda do escritor especializado em crimes, Ron Franscell, escreveu “O segredo dos corpos”, que chega aos leitores brasileiros em mais uma caprichada edição da DarkSide Books.

Em dez capítulos e um punhado de casos, o perito norte-americano resolve casos aparentemente insolúveis ou aparentemente já sepultados, usando a técnica e a inteligência de quem já fez mais de 9 mil necrópsias em quase cinco décadas de trabalho. São milhares de horas em pé, abrindo corpos, pesando órgãos, medindo buracos de balas, percorrendo lacerações de objetos cortantes e encontrando evidências que determinem as circunstâncias de como alguém morreu. É um trabalho exaustivo, insalubre e perigoso. A visão nunca é das melhores, e os cheiros, nem é preciso dizer. Constantemente, esses profissionais estão expostos a doenças, vermes ou substâncias potencialmente letais. Mesmo assim, enfrentam uma rotina que se aproxima de um jogo de quebra-cabeças.

O doutor Di Maio revela, então, que patologistas forenses têm duas funções básicas: dizer porque alguém morreu e como. As respostas se resumem a quatro alternativas: causas naturais, acidente, suicídio e homicídio. Mas o que mais atemoriza esses homens e mulheres de branco é uma quinta opção: morte indeterminada.

E há necrópsias que são inconclusivas, o que é mais do que frustrante para eles, para a polícia, os órgãos judiciários e as pessoas envolvidas. Todo morto deixa pessoas deste lado, e em muitas situações são parentes, entes queridos, que não se conformam com o resultado das perícias ou com as causas encontradas.

O cotidiano descrito pelo doutor Di Maio requer frieza, determinação e… estômago. A todo momento, chegam ao IML corpos carbonizados, baleados, explodidos, dilacerados, mutilados ou em estado avançado de decomposição. Nada disso é pior que um corpo lindo de morrer e que “não te diz nada”. Sim, para legistas, cadáveres falam, e contam como chegaram àquela bancada fria, banhada pela luz gélida das lâmpadas fluorescentes. Pode ser um bebezinho de sete meses, que tudo indica tenha morrido por causas naturais. Pode ser uma infame celebridade como o presumido assassino do presidente John Kennedy, Lee Harvey Oswald. Neste caso em particular, não havia dúvidas de como ele havia morrido: seu assassinato foi ao vivo diante das câmeras de TV. Mas havia quem suspeitasse que ele teria sobrevivido e em sua cova estaria o corpo de um agente russo… Se a morte foi violenta, pode levar a uma investigação e a um inquérito. Se há um corpo e persistem dúvidas em torno dele, chamem os patologistas forenses!

Por diversas vezes, o dr. Di Maio frisa que a profissão não tem o glamour que a TV mostra. Quase nenhum legista faz da sua vida um CSI. Gasta-se muito tempo na formação desses profissionais, para que estejam aptos para enfrentar a rotina solitária e desgastante de dialogar com presuntos, e os patologistas forenses ganham menos que seus colegas de outras especialidades médicas. Não é demais lembrar: legistas também são médicos, mas bem diferentes daqueles a quem consultamos. Seus pacientes já não se queixam de dores ou de sofrimento. Contudo, se pudessem, muitos ainda clamariam por verdade e por justiça. É esse imperativo moral que parece mover os precisos movimentos de seus bisturis.

Legistas não são detetives formais, de carreira. Não têm mandados para entrar nas casas e colher evidências. Não podem interrogar suspeitos. Não carregam distintivos que lhes permitam transitar pela cena do crime. Geralmente, são convocados quando a mesa da polícia está tomada por peças embaralhadas, desconexas e reviradas. Montar o quebra-cabeças não é fácil e não há segurança de que todas as partes estejam disponíveis. Não é à toa que apenas uns quinhentos profissionais estejam licenciados pelos conselhos médicos para atuar nas morgues dos Estados Unidos. Se lá a coisa é complicada, imagine em outras realidades…

A carência desses cérebros e a sua absoluta necessidade para avançar nas investigações têm feito com que peritos nunca aposentem. Foi assim com o pai do doutor Di Maio – Dominick – e com ele próprio. Seis anos após se retirar, seus serviços foram requisitados num caso fortemente temperado por ingredientes racistas e que trouxe dois laudos contraditórios: num deles, o disparo fatal havia sido feito a uma distância intermediária do peito da vítima. No outro, a balística dava conta de que o tiro tinha sido de contato, a queima-roupa. O perspicaz doutor Di Maio, convocado pela defesa do acusado, apresentou a solução do mistério. E foi uma resposta tão clara que faz com que a gente se pergunte: por que não pensei nisso antes?
A sorte foi poder contar com um cadáver fresco e tecnologia de apoio. Mas e quando as pistas se perderam no tempo?

 

O doutor Di Maio se arrisca, por exemplo, para descobrir se foi mesmo suicídio a misteriosa morte de seu xará, o pintor Vincent Van Gogh, acontecida há mais de 120 anos. Não houve exumação do corpo e o perito recorreu às evidências dos registros deixados para chegar a uma conclusão.

 

Cadáveres falam, e às vezes, as respostas vêm de suas bocas, mais precisamente de seus dentes. A odontologia legal ajudou em casos como o do reconhecimento de despojos e montagem de corpos do World Trade Center, após os atentados de 11 de setembro de 2001. Aterrador, mas necessário.

“O segredo dos corpos” é um interessante lançamento da DarkSide, e pode interessar a amantes do gênero policial, aspirantes a detetives, curiosos em geral e necrófilos de plantão. A editora deixou disponível em seu site um material extra, que pode ser acessado com o QR Code na contracapa, mas o conteúdo é bem limitado diante da curiosidade que o tema propicia. Há um outro “senão”, que escapa ao controle da editora, e vem dos originais da obra. Bem menos interessantes são as dezenas de páginas que o doutor Di Maio gasta para relatar sua biografia. Claro que ele é um nome importante para a história recente e para o desenvolvimento da patologia forense nos EUA, mas alguns trechos podem matar. De tédio.

Embora tenha dissecado tantos corpos, o doutor Di Maio não se tornou uma figura insensível, embrutecida pelos plantões. O médico acredita em monstros, e eles estão entre nós. É gente que mata bebês em hospitais; é gente rica, famosa, influente, acima de qualquer suspeita. Os monstros estão por aí, esperando a melhor oportunidade para aumentar os pacientes de gente como o doutor Di Maio.

* Livro enviado ao site pela editora Darkside Books.

 

SOBRE O LIVRO

Título: O segredo dos corpos
Autores: Vincent Di Maio e Ron Franscell
Tradução: Lucas Magdiel
Editora: Darkside Books
Páginas: 256
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SINOPSE – O livro traz casos surpreendentes que ajudaram a construir a reputação do legista Dr. Vincent Di Maio. Como a exumação de Lee Harvey Oswald, suposto assassino do presidente Kennedy. Ou a investigação pela morte do adolescente Trayvon Martin, em 2012, na Flórida, crime que acabaria impulsionando o movimento Black Lives Matter, de denúncia contra o racismo na sociedade norte-americana.

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