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Rubem Fonseca: o homem que arrebatou o Brasil

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Por Mateus Baldi – Quando José Rubem Fonseca – mineiro, ex-funcionário da Light e comissário de polícia – estreou na literatura em 1963, a última revolução literária nas terras de Vera Cruz tinha sido as páginas que retratavam as mazelas do sertão (e da pobreza de indivíduos bastante singulares). Ninguém, repito, absolutamente ninguém estava preparado para as páginas que se estenderiam nas prateleiras.

Rubem Fonseca arrebatou a crítica e o público por praticar uma literatura honesta. E é com a mesma dose de honestidade que essa trilogia de artigos se propõe a apresentar a obra e o autor José Rubem Fonseca, nascido a 11 de maio de 1925 em Juiz de Fora.

 

Parte 1 – Contos

"Sei ler, escrever e fazer raiz quadrada.
 Chuto a macumba que quiser."
 Feliz Ano-Novo (1975)

Até 1973, com a publicação de O Caso Morel, Rubem se dedicaria exclusivamente às narrativas curtas. Essa primeira parte resgatará os principais volumes de contos publicados pelo autor nos últimos 50 anos.

Os Prisioneiros, de 1963, é o marco zero. Somos apresentados a uma narrativa concisa, direta, cheia de palavrões e linguajar popular. E mesmo com tudo isso, percebemos a qualidade da narrativa fluida, rica em detalhes e bibliografia.

A Coleira do Cão, publicado dois anos depois, consolidou a estrutura narrativa do autor. O soco no estômago se aproximava.

Lúcia McCartney é o primeiro marco verdadeiro, consistente, em que a totalidade dos contos é suprimida por uma sequência poderosa. Pela primeira vez, uma prostituta tem voz ativa e conta abertamente sobre sua vida sexual/amorosa. O conto que dá nome ao livro é espetacular em termos de linguagem. Por meio de colchetes, Rubem esmaga diálogos em poucas linhas, conectando-os por um pensamento lógico febril como só Borges e/ou Cortázar poderiam ter feito. Dali para o realismo fantástico seria um pulo. Mas na prática, a história não foi bem assim. Em o caso de F.A., Mandrake, o advogado cínico e amante dos vinhos-e-charutos, dá as caras pela primeira vez. É dele a frase mais emblemática de Lúcia McCartney: “a cidade não é aquilo que se vê do Pão de Açúcar”. Conciso. Direto. O soco no estômago está dado.

Após um hiato de quase dez anos – onde publicou O Caso Morel –, Rubem Fonseca retorna em 1975 com seu livro mais polêmico: Feliz Ano Novo.

Abrindo a coletânea, o conto do título leva o leitor para os subúrbios, para os punheteiros desdentados, para os ladrões, para os ladrões punheteiros e desdentados do subúrbio, que, em plena noite de réveillon, assaltam uma mansão na então desértica Barra da Tijuca. Destilando violência altamente gráfica com sarcasmo, o conto é só o início da aventura. Nas páginas seguintes, o retorno de Mandrake. No caso de dia dos namorados, conhecemos melhor a figura de Paulo Mendes, que nasceu com “nome de santo”, mas virou Mandrake, “uma pessoa que fala pouco e faz os gestos necessários”. Na sequência, o campeonato, uma história sobre o passado promíscuo do Rio de Janeiro: animais de sangue quente, que sabem que tudo vai acabar, digladiam entre si para ver quem goza mais em menos tempo. Para tanto, comem iguarias sofisticadíssimas, escutam músicas afrodisíacas, veem revista de mulher pelada. O último conto, intestino grosso, contém uma das melhores falas da bibliografia fonsequiana: “gente como nós ou vira santo ou maluco, ou revolucionário ou bandido. Como não havia verdade no êxtase nem no poder, fiquei entre escritor e bandido.”

O ministro da Justiça, Armando Falcão, considerou aquilo tudo muito baixo, muito simplório, e censurou o livro.

Irritado, Rubem Fonseca esperou.

Em 1979, cada vez mais puto e genial e cruel e sanguinário, publica O Cobrador. O personagem-título passou a vida inteira nas mãos da sociedade, sendo sugado pelo sistema. Decidiu se rebelar. Atira em dentista, sente ódio na frente da televisão, espera pela namorada e o sanduíche do botequim da rua Vieira Fazenda.

Dessa vez, para sorte da alta literatura, Rubem não foi censurado.

Resolveu investir nos romances e só publicou contos novamente nos anos 1990 – uma leva menor, mas não menos importante. O novo milênio também recebeu sua cota de shorties. E seria devastado em 2013 pelo mais recente volume: Amálgama. Voltando a ser o de sempre, com 88 anos Rubem retoma o estilo do início da carreira e põe na roda, no olho do furacão, a sociedade do século XXI como ela realmente é: fodida.

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