Raymond Chandler foi um dos autores que mais contribuiu para definir o gênero policial norte-americano (o outro autor foi Dashiell Hammett). Na biografia do pesquisador Tom Williams, descobre-se que ele começou a escrever meio que por acaso e relativamente tarde.
Embora sempre tenha alimentado pretensões literárias, seu primeiro trabalho sério e bem remunerado não teve nada a ver com arte. Foi no ramo do petróleo, que era o negócio da vez em Los Angeles na década de 1920. Quando foi demitido da petroleira Dabney Oil, Chandler procurou modos alternativos de sobreviver em uma cidade que chamava mais atenção pela corrupção das instituições (exposta nos primeiros livros dele) do que pela referência cultural que viria a se tornar.
Ele então passou a escrever contos policiais para revistas pulp, as publicações populares daquela época e que pagavam um centavo por palavra. Ganhou 180 dólares pelo primeiro conto, mas o pagamento mínimo já foi incentivo suficiente para se empolgar. Os contos de Dashiell Hammett e Erle Stanley Gardner já eram famosos, e ele se perguntou: “por quê não?”.
Uma curiosidade é o fato de ele ter feito um curso de correspondência sobre escrita de contos no começo de tudo. Como se sentia um pouco enferrujado – tinha estudado literatura só no colegial, quando morou na Inglaterra -, Chandler arriscou um curso no melhor estilo IUB para só então mandar o primeiro conto para avaliação. Era nada menos que o futuro clássico “Chantagistas não atiram”, publicado em dezembro de 1933 na revista Black Mask.
Chandler manteve uma relação complexa com as mulheres durante toda a vida, bem como seu protagonista, o detetive Philip Marlowe. Nos romances, Marlowe credita as piores vilanias às mulheres, esses “seres venenosos”. Na vida pessoal, ele tinha uma visão absoluta de como uma mulher deveria ser, envolta em valores como “pureza, castidade e honra”. Pelos olhos do biógrafo, Chandler foi um homem incapaz de lidar com a solidão, e provavelmente morreu disso anos após enviuvar.
Ele também gostava de uma polêmica. Questionou em várias ocasiões o tratamento sofrido pelos roteiristas de Hollywood nos anos de 1930 e 1940, quando muitos escritores de peso optaram pelo caminho dos roteiros de cinema (caso de William Faulkner, James M. Cain, Dashiell Hammett). Como contratado de alguns estúdios, criou roteiros originais e adaptou outros mas sempre com uma imensa dificuldade. Dizia que o trabalho era exaustivo demais, e ele era particularmente muito meticuloso e prestava atenção em detalhes, incoerências e gorduras de textos.
Havia também a falta de autonomia para escolher o que considerava melhor para um script, algo que o estressava e entristecia. Suas exatas palavras sobre Hollywood vibraram alto:
Uma comunidade degradada… uma bagunça do outro mundo, com suas bebidas constantes, prostituição, entusiasmo fajuto e incessantes disputas por dinheiro
Evidentemente, ele virou persona non grata no meio. Depois de 425 páginas de história, Chandler tornou-se mais palpável. Era uma pessoa claramente muito exigente, insegura, por vezes até infantil e idealista.
Seus relacionamentos pessoais eram arenosos, e às vezes ele precisava criticar o trabalho de outros autores para reafirmar o seu (como nas críticas a James M. Cain, Agatha Christie, entre outros). Raymond Chandler: Uma vida é uma boa leitura porque desmistifica a imagem desse escritor que sempre alimentou um que de misterioso e que fascina as pessoas até hoje, décadas após sua morte.
SOBRE O LIVRO
Título: Raymond Chandler, uma vida
Autor: Tom Williams
Páginas: 456
Editora: Benvirá
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SINOPSE – Uma análise meticulosa dos livros de Raymond Chandler bem como um retrato inédito deste escritor que, ao lado de Agatha Christie e Arthur Conan Doyle, definiu a moderna literatura policial. Cada um dos livros de Raymond Chandler carrega a tensão que cercou sua vida –a infância conturbada com a separação dos pais, a profunda inabilidade com sexo e mulheres e a luta contra o alcoolismo. Não para menos seu detetive Philip Marlowe é um dos personagens mais complexos dos romances hard-boiled – herdeiro provável do temperamento de seu criador.
Jornalista. Trabalha com curadoria de informação, gestão de mídias sociais e criação de conteúdo digital. Em 2014, lançou o e-book “Os Maiores Detetives do Mundo” (Chris Lauxx). Contato: [email protected]
Existe outra biografia do Chandler escrita por Ian McShane que também é muito boa. O Chandler teve uma vida conturbada. Mas continua um escritor soberbo.
Aquela do Raymond Chandler Papers?