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Assassinaram o camarão! Por que nos interessamos por crimes?

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Você provavelmente já deve ter se perguntado porque nós, seres humanos, comentamos, assistimos e falamos tanto sobre crimes. Nunca? Bom, temos um gênero literário inteiro dedicado ao tema, programas de televisão, revistas, jornais, seriados e filmes que levam milhares às salas de cinema para desvendar mistérios com um início sempre muito parecido: um assassinato, um sequestro ou um desaparecimento.

“Assassinaram o camarão, assim começou a tragédia no fundo do mar”, diz a canção dos Originais do Samba. Seja na sua vizinhança ou do outro lado do mundo – ou no fundo do mar -, logo nos sentimos atraídos, como a uma sobremesa irresistível, por enigmas que desafiam nossa inteligência e assombram as profundezas de nossa natureza humana. Interesse mórbido? Curiosidade? Satisfação? Instinto de sobrevivência? Medo? Sede de justiça? Queremos saber como, quando e porque o sujeito A matou o indivíduo B.

Acredito que nos identificamos com o assassino e por isso queremos saber mais, nos comparando a ele. A principio pode parecer uma explicação sem sentido, claro. Mas, que tal pensarmos sobre isso?

Quando falo sobre crimes não penso tanto em roubos, furtos e outras “amenidades”, mas sim em homicídios, assassinatos, ações voluntárias ou não para se tirar a vida de outro ser humano, terminar um projeto em andamento, encerrar um mundo individual de possibilidades. O assassino cruza o limite entre inocentes e culpados, ultrapassa a linha da justiça e se rende ao seu desejo – livre de restrições – de eliminar o seu obstáculo. Afinal, vivemos em sociedade e seguimos, todos nós, uma série de regras e limites morais, que permitem enfim o convívio de um grupo. O criminoso nos mostra o outro lado, nos mostra o desejo de transgredir a lei que existe em todos nós.

“Somos seres agressivos e me arrisco a dizer que quando nos deparamos com o crime, além de nos assustarmos, nos identificamos também.”

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Cometemos pequenos crimes – travessuras quando crianças – durante toda a vida, e convivemos com o certo e errado em tudo o que fazemos. Para Freud, o pai da Psicanálise, nossa civilização só é possível graças a um conjunto de esforços para controlar a nossa agressividade e nossos impulsos sexuais, inerentes ao ser humano. Priorizamos assim, o desejo comum e não o desejo individual. A segurança de uma comunidade em troca de nossa liberdade. Criamos regras, limites, a justiça, a punição, o medo e a culpa.

“O homem é o lobo do homem” já dizia Thomas Hobbes. Somos seres agressivos e me arrisco a dizer que quando nos deparamos com o crime, além de nos assustarmos, nos identificamos também. Como bons seres humanos, nos interessamos por seus detalhes mais sombrios. Não deixamos de nos comover com suas vítimas e suas histórias de vida, sentir compaixão por seus familiares, mas, acima de tudo, nos colocamos por um momento na pele do assassino e queremos entrar em sua mente. Como é possível alguém fazer algo assim?

Quando digo então que nos identificamos estou dizendo que somos todos assassinos? Calma, talvez você não seja. Entretanto, somos criminosos em potencial e, digo mais, agressores por natureza. Freud cita as barbaridades e as guerras ao longo de nosso processo civilizatório como provas inequívocas de nossa “maldade”.

Terêncio afirmou na antiguidade: “Homo sum; humani nil a me alienum puto”, ou melhor, “Sou humano, nada do que é humano me é estranho”. Sábias palavras. A conduta de um criminoso é estranha a mim? Sim e não. É estranha porque não reconheço sua ação como justa dentro da sociedade em que vivo e, por ser incomum, me gera surpresa. Mas, não é estranha, uma vez que qualquer um de nós poderia fazê-lo. Está em nossa capacidade de ser humano, sermos bons ou horríveis.

Mas então, porque nos interessamos tanto por crimes? Em histórias nas quais não fazemos parte, encontramos a realização de nossos desejos e nos deixamos viver o crime por meio de personagens absurdos e carismáticos. Chegamos a gostar dos vilões – às vezes os heróis – e torcer por seu sucesso, em um esforço da imaginação que sabemos ser inofensivo.

Assim como nos emocionamos em dramas no teatro e gargalhamos com comédias na televisão, encontramos na literatura policial, por exemplo, a liberdade de nosso lado criminoso, colocando nossas mentes assassinas para funcionar. Ao ler romances policiais, levamos nosso monstro interno para passear.

Está tudo bem, é só um faz de conta. Para todos nós a vida será apenas um passeio de carro com o nosso monstrinho dormindo tranquilamente no banco de trás. Só devemos ter cuidado quando ele acordar e resolver botar a cabeça para fora da janela.

(Imagens: Getty Images)

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