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Mario Prata: “A melhor literatura que se faz hoje é a policial”

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Por Rogério Christofoletti – Todos concordam: Mario Prata é uma figura! Um dos mais ativos escritores brasileiros é também um dos mais queridos por artistas, jornalistas, colegas de profissão e – claro! – leitores. Conhecido pelo texto bem humorado, pela franqueza e por falar pelos cotovelos, Prata já transitou por todas as áreas da escrita, produzindo roteiros de cinema e peças de teatro, telenovelas, crônicas, romances, livros infantis e infanto-juvenis, e – claro! – policiais!

Como não para quieto, neste mês, deve lançar “Mario Prata entrevista Uns Brasileiros” pela editora Record. Ele anda feliz com o nascimento do segundo neto, Daniel. Mas Mario também anda sem tempo, inclusive para se dedicar ao que mais quer: escrever a terceira aventura de seu detetive Ugo Fioravanti. No intervalo das frequentes viagens, ele falou com exclusividade para o literaturapolicial.com

 

Você é um leitor voraz de livros policiais. O que o tornou um escritor desse gênero?

A minha carreira como escritor é muito doida porque eu comecei escrevendo peças de teatro, depois, fiz cinema e televisão. Três áreas em que se trabalha muito o diálogo, e sempre fazendo jornalismo. Só nos anos 90 é que passei a publicar livros, e mesmo assim, ligados a crônicas, como “Schifaizfavoire”. Em 94, saiu meu primeiro romance, “James Lins – o playboy que não deu certo” – que publiquei em capítulos no Estadão. Depois de seis anos, escrevi outro chamado “Purgatório”. Lendo esses dois livros, percebi que eles tinham um pé na literatura policial. Aí, resolvi estudar isso, e comecei com os óbvios, como Agatha Christie, Conan Doyle e os contos do Edgar [Allan Poe]. E aí, rapaz, eu me entusiasmei pela literatura policial, e a vê-la como uma outra coisa. Um negócio novo, que eu não tinha feito. É totalmente diferente. Percebi que estava mesmo envolvido, não como escritor, mas como pesquisador, quando fui atrás da origem da literatura policial nórdica, mais especificamente da Suécia, Dinamarca, Noruega e Islândia. Existe um autor muito bom naquele país que tem 300 mil habitantes, o Arnaldur Indridason. Acho aquele livro dele, “As Vozes”, muito bom! Aí, quando me vi pesquisando isso, percebi que estava levando a sério a coisa. Foi aí que comecei: escrevi dois livros policiais – “Sete de paus” e “Os viúvos” – que hoje acho ainda meia bomba, ainda não domino totalmente o gênero, como domino outras áreas da escrita. Mas eu vou chegar lá. Eu tô no meio do terceiro, mas eu fico parando pra sobreviver, pra fazer outros trabalhos… E tô há quatro anos para publicar esse terceiro. Não que esteja trabalhando nele nesse tempo todo, ele tá parado, tem algumas páginas escritas.

 

Nessa pesquisa que você vem fazendo, como avalia a produção desse gênero em particular. Quer dizer, que peso tem a ficção policial na literatura contemporânea?

Eu acho que a melhor literatura que se produz no mundo hoje é a policial. Fico discutindo muito com meu filho, o Antonio [Prata], que é escritor também, e fico tentando fazer ele ler os policiais que considero os melhores, e ele tenta me convencer a ler outros autores novos que não conheço. E eu não vejo nos novos brasileiros, nem mesmo nessa Geração Granta, um grande nome ali de romancista, entendeu?

 

 

Mas você consegue enxergar algum destaque entre os que escrevem policial?

Na Geração Granta, não. Agora, tem um garoto agora aí, o Raphael Montes, que escreveu dois livros [“Suicidas” e “Dias perfeitos”], e ele pode chegar, sabe? Antes, eu achava que o Tony Bellotto era um músico que escrevia, mas depois que li o último dele – “Bellini e o labirinto” -, até mandei e-mail para ele elogiando. Gostei muito, e acho que ele atingiu, como autor policial, uma maturidade meio rara no Brasil.

 

Quem chama a sua atenção entre os autores nacionais?

Não existe uma literatura policial brasileira. É impressionante porque existem dois autores muito bons, e um deles é o Rubem Fonseca, que não é só o que ele escreve policial que é bom. A literatura dele é maravilhosa, e é um dos maiores escritores vivos do Brasil! Apesar de ter os contos do Mandrake, o detetive dele, o que o Rubem Fonseca faz é literatura da violência, como a pupila dele, nossa querida amiga, a Patricia Melo. A melhor literatura policial no mundo é a nórdica, e como ela não tem no Brasil, ninguém parecido com Henning Mankel, Jo Nesbo, Arnaldur… Tem um problema também: a literatura vendida no país hoje está passando por um processo muito triste. Nos anos 90, se você for olhar, entre os mais vendidos, só dava nós, os brasileiros. Era a minha geração toda ali. Aí, me lembro em 1998, quando surgiu a “Joana”, do Harry Potter, [J.K.Rowlling] e todo o mundo se perguntou: quem é essa pentelha?! Porque ela entrou na lista dos mais vendidos, foi pro primeiro lugar e nunca mais saiu. Atropelou todo o mundo, e na verdade, a literatura dela tem um quê de policial. Tem um certo suspense, e é boa, eu li só o primeiro porque queria saber quem é que estava batendo em mim, entendeu? A mulher é foda! Não é à toa que ela é mais rica que a rainha [da Inglaterra], ela merece! O que estou dizendo é que, felizmente, surgiu uma nova classe média no Brasil que pode fazer coisas que antes não faziam, como ler, ir ao cinema e ao teatro. Mas não houve acompanhamento de educação, e o que se vê nos últimos quinze anos o que se transformou a lista das músicas mais tocadas, dos livros mais vendidos, é tudo um lixo! É uma coisa triste! Mas eles vão chegar até a gente. Hoje, na lista dos livros mais vendidos, tem gente que vende 100 mil, e são todos estrangeiros. É uma coisa de louco e ninguém entra ali, nenhum brasileiro! O Chico Buarque entrou agora, mas ele tá em quarto. Duvido que chegue a primeiro, como antes ficava. Teve também a Fernandinha Torres, que tem um outro tipo de público, o que vê televisão. Interessante é o seguinte: a literatura brasileira continua sendo lida, mas ela não compete com essa que está aí agora e que vende muito. Tem muita gente lendo e que não lia e isso é maravilhoso!

 

Você acha que esse descompasso entre a produção nacional e a estrangeira está associada a quê? É modismo? É qualidade?

Modismo e facilidade. São livros fáceis de ler, que não exigem muito esforço, como a telenovela. Esses livros que estão vendendo tanto, de literatura juvenil ou pós-juvenil, são muito fáceis. Os brasileiros não são difíceis. Acabei de falar nele, o Rubem Fonseca, mas tem o Verissimo e o Antonio [Prata], que não são difíceis. Eles são normais. Fora esse rapaz, o Raphael [Montes], não vejo mais ninguém que tenha uma pegada policial. Os demais ficam falando muito de umbigo, de família…. eles são meio sérios, esses romancistas…

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“Tem que ser uma coisa mais organizada, embora eu seja muito organizado com o meu trabalho. Não é uma literatura fácil de se fazer. Não é uma literatura pobre ou menor.”

 

 

Eu percebo que, quando se dedica aos policiais, você não abandona o bom humor, o que é bastante presente na sua obra. Esta é uma marca da literatura policial brasileira?

Eu adoraria que fosse uma marca. Se você observar a capa do meu livro “Os viúvos”, tem muita cor. Não parece policial aquilo. É uma literatura que não é noir. Eu aprendi isso com Camilleri, com o Simenon, mas principalmente com o Andrea Camilleri e o Montalbán. Com os latinos! Porque os nórdicos não têm o menor humor. São gelados! Escrevem bem pra caralho, as tramas são maravilhosas, mas são muito sérios. Vou voltar à literatura policial e quero trabalhar com humor. Neste último do Bellotto, também tem um pouco de humor.

 

Criar tramas de crime e suspense provocou mudanças na sua escrita? O que isso vem provocando em você?

[Pausa de cinco, seis segundos] Eu fiz cinco telenovelas, então, já fiz muita coisa sem saber o final. Com a literatura policial, é meio impossível você fazer isso, sabe? Dizem que tem gente que começa pelo final, né? Tem que ser uma coisa mais organizada, embora eu seja muito organizado com o meu trabalho. Não é uma literatura fácil de se fazer. Não é uma literatura pobre ou menor. Tanto é que dois apaixonados pelos policiais, o Borges e o Bioy Casares criaram até um pseudônimo para escrever assim. Chegaram a editar uma coleção, com 400 livros do tipo. Eles foram editores dos 160 primeiros. E traduziram! O Bioy Casares conta que o Borges chegou a mudar alguns finais, porque eram autores mortos! E olha que eles escreveram coisas maravilhosas, principalmente o Borges, e o que fizeram de literatura policial é fraca ou não tão bom quanto o resto. A literatura policial é muito difícil.

 

E o que é uma boa literatura do gênero?

Eu fico impressionado com o Andrea Camilleri, que está com quase noventa anos, está escrevendo dois livros por ano, e todos muito bons. Cada vez mais engraçado!

 

Você está falando de um bom exemplo, de alguém que domina a escrita policial. Mas o que não se deve fazer no gênero?

A minha resposta vai abranger mais que o gênero policial. Tem a literatura bem escrita e a que não foi bem escrita. O que acho louco é o seguinte: se eu for me dedicar só a um livro durante um ano, não vou terminá-lo. O Camilleri escreve dois no mesmo período. O Simenon escrevia um em cinco dias, em três, ele corrigia…

 

Mas isso é extraordinário. São pontos fora da curva.

São dois gênios da literatura mundial! Esses caras é que deviam ganhar Prêmio Nobel, sabe? Não esses chatos que ninguém conhece. Parece que eles se perguntam: quem é o mais chato do ano aí? Ah, então, vamos dar o prêmio pra ele! Eu fui na lista e vi: tem mais de cem ganhadores, e tem quatro que tem humor. É o García-Márquez, o Dario Fo, o Neruda e mais alguém…

 

 

 

Se você fosse presentear alguém querido com três títulos de romance policial imperdíveis, quais seriam?

Li muitos livros num período muito curto e nem sempre eu guardo os nomes e os títulos. Mas, por exemplo, um livro que estaria nessa lista é o “O assassinato de Roger Ackroyd”, da Agatha Christie, e também “Testemunha de acusação”. Eu daria esses dois dela, mas não daria nenhum do Sherlock Holmes, mas uma imitação dele: “O nome da Rosa”, do Umberto Eco, um grande policial! Importante porque as pessoas passaram a prestar mais atenção no gênero depois dele. Tem um livro que eu daria também é o “A interpretação do assassinato”, de Jed Rubenfeld, que é uma trama com o Freud. É um livro que já dei para várias pessoas, inclusive um sobrinho meu, que é psicólogo. Daria também o último livro do [Roberto] Ampuero, “O último tango de Salvador Allende”, um livro político-policial, muito interessante!

 

Para terminar, quando Fioravanti estará de volta?

Pois é, rapaz! Neste ano, ele não volta! Eu preciso encontrar um emprego! Tô precisando de um trabalho que me pague para eu viver o suficiente em Florianópolis, o que não é muito, e para que eu me dedique mais à literatura e voltar com o Fioravanti. Eu fico parando para fazer palestras, pra fazer outros trabalhos, e o livro fica de lado. Neste terceiro livro, que estou escrevendo bem em função de virar série televisiva, o escritório do Fioravanti cresceu e tem cinco investigadores. Eles se encontram à noite e trocam ideias, e o escritório vai indo bem, e a secretária dele, que não tinha muita função nos anteriores, volta, com um cara que conheceu na internet e que tem ótimos palpites policiais. Então, estou doido pra voltar a escrever! Só precisava arrumar um emprego, hahahahaha!

 

(Imagens: Site oficial Mario Prata)

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