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Para Patrícia Melo, literatura policial vive bom momento

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Por Rogério Christofoletti – Quando Patrícia Melo surgiu em 1994, a literatura policial brasileira era território de um único dono, Rubem Fonseca. Não bastasse a raridade de autores, havia ainda uma resistência velada a escritoras. Besteira provinciana, já que no panteão noir reina uma fila que vai de Agatha Christie e Dorothy Sayers a Donna Leon e Fred Vargas.

Vinte anos depois, reconhecida pela crítica e pelos leitores, com um Jabuti e outros prêmios na prateleira, Patrícia Melo segue seu caminho. Com firmeza e honestidade. Ao lado de outras duas Patrícias – a Highsmith e a Cornwell – compõe um curiosa trinca de xarás que se dedicam a crimes e às violências das nossas sociedades. Lançou o décimo livro, está em qualquer lista internacional de grandes escritores da literatura policial, mas não se deslumbra. Não cai nas armadilhas da vaidade que faz transbordar no recente “Fogo Fátuo” (Editora Rocco, 2014).

Pelo telefone, a escritora falou sobre o bom momento do noir nacional.

 

Depois de dez livros e vinte anos de carreira, que Patricia Melo o leitor encontra em “Fogo Fátuo”?
É um livro diferente dos que escrevi até aqui. Ele é um romance com elementos do noir clássico, mas com algumas coisas que estão sempre na minha literatura: a temática urbana, uma preocupação com a linguagem enxuta… Nenhum livro é igual a outro, não é? São vinte anos de carreira, e a minha escrita vem mudando, vem amadurecendo. O leitor que acompanha o meu trabalho percebe isso, sobretudo nesse último romance.

 

Estar de volta a São Paulo te motiva a escrever mais sobre violência urbana? Aliás, você escreveu “Fogo Fátuo” na Suíça?

Escrevi na ponte aérea porque eu tenho passado mais tempo no Brasil, mas continuamos vivendo na Suíça. Agora, São Paulo sempre foi personagem dos meus livros. É uma cidade fascinante, que se coloca na sua vida de um jeito muito forte. É difícil viver aqui, né? Um trânsito absurdo, uma cidade violenta, mas ao mesmo tempo fascinante, com uma vida cultural riquíssima, uma cidade muito rica, com muitas opções. Ter usado São Paulo no meu último romance tem a ver com o fato de ter passado grande parte da minha vida aqui. É a cidade onde eu me sinto mais em casa.

Você disse há pouco que “Fogo Fátuo” repete algumas características de outros livros seus. Mas percebo que desta vez você assumiu com mais veemência o gênero policial. Embora já te rotulassem como autora do tipo. Por que essa resistência anterior?

A ideia de trabalhar com o formato do noir tem a ver com a ideia de eu ter sempre sido chamada de escritora de romance policial sem nunca ter sido. Os meus livros tratam da temática urbana, da violência, da minha obsessão de entender a morte, do medo, do desespero. Meus nove livros anteriores tratam de temas correlatos, mas eu nunca havia trabalhado exatamente com a estrutura do romance policial, usando mesmo os seus elementos de forma organizada: o mistério, um crime para ser desvendado… Meus livros trabalhavam esses temas de uma maneira muito mais livre. Então, eu quis escrever um romance noir dentro da escola tradicional americana, onde a gente tem um detetive com uma vida pessoal desestruturada e que a única coisa firme é o trabalho a que ele se dedica totalmente. Tem também um crime importante para revelar e o leitor pode descobrir. Esse crime acontece numa cidade onde a violência explode… Foi um desafio fazer isso!

 

Por quê?

A polícia brasileira tem uma maneira muito peculiar de trabalhar, e isso demandou uma pesquisa bastante trabalhosa. Foi um desafio nesse sentido, mas sempre com o desejo de fazer um romance brasileiro, com uma realidade criminal brasileira.

É um desafio que você pretende continuar. “Fogo Fátuo” é o primeiro livro de uma trilogia com a personagem Azucena…

É, mas não vou fazer assim na sequência porque esse modelo exige muito. A investigação é toda pautada pela lógica, e é um quebra-cabeças, é muito trabalhoso. Exige sobretudo uma boa pesquisa, não dá pra fazer apenas com a sua imaginação. Tem que parecer verossímil, e fazer com que o leitor acredite. Acho que não consigo fazer outro na sequência, mas a Azucena vai ter mais dois livros.

“O matador” e “Mundo perdido” também compõem uma trilogia, né?

Sim, falta o último que ainda não fiz. A última saga do Máiquel…

Você acabou frisando a necessidade de fazer muita pesquisa para um livro policial. Hoje, a gente percebe uma invasão de recursos tecnológicos e de personagens experts (são peritos em computadores, legistas, hackers). Isso não tem exigido uma especialização maior dos autores para escrever, desviando a atenção da construção das tramas e do polimento do texto?

Eu acho que escrever é uma maneira de você pensar, filosofar profundamente sobre algo. Eu tinha um professor de lógica que falava assim: “Toda vez que eu quero aprender sobre um assunto, eu dou um curso sobre ele. Me obriga a mergulhar no assunto, a estudá-lo”. Quando eu começo um livro, sempre tenho esse desafio, sabe? Estou sempre querendo aprender alguma coisa, e isso me leva a dar um mergulho grande naquela temática. Isso é fundamental para qualquer autor. Não é só compor os personagens ou a história. Você está dizendo alguma coisa. Qual a profundidade disso? Então, se você não está preparado, não tem essa bagagem, isso é facilmente visível na sua literatura. Acho importante essa fase do preparo, e a minha forma de estudar ou me preparar para um livro não é nada acadêmica, vai de acordo com os meus interesses atuais, minhas angústias e anseios. Tudo isso acaba desaguando num livro.

“…a nossa literatura policial é um pouco tardia. Mas ela está absolutamente produtiva no momento.” (Foto: Claudio di Lucia)

 

Você tem método de escrita?

Eu não tenho método, tenho rotina. Gosto de ter uma vida um pouco regrada, sobretudo uma vida literária regrada. Então, eu trabalho todo dia. Todo dia, eu leio ou algo técnico ou ficção. Escrevo todo dia. As leituras são sempre relacionadas com o que estou escrevendo. Sou muito aplicada na minha rotina. Mas método mesmo, não tenho.

Há pouco, você citou um professor seu. Um professor de lógica. Mas quem são seus mestres na literatura?

Eles vão mudando com o tempo. Nenhum mestre deixa de ser mestre, mas outros vão surgindo. Todo grande autor tem o que ensinar a um escritor. Sempre leio percebendo a beleza daquela construção, como o escritor apresenta o personagem, como ele maneja as palavras, o vocabulário que usa. Um grande autor é sempre um mestre para quem está querendo aprender. Eu tenho uma postura de estar sempre querendo aprender, então, tenho muitos mestres. Ler um grande livro me desperta o desejo de melhorar a minha técnica, de ser uma escritora melhor. Dostoievski é meu mestre! Camus é meu mestre! Thomas Bernhard é meu mestre! Embora a minha literatura seja muito distante da que eles produziram. Machado de Assis! Guimarães Rosa! Todos os grandes autores da minha biblioteca são meus mestres…

Como você avalia o momento atual da produção nacional? Consegue enxergar uma literatura policial brasileira?

Ah, sem dúvida! Esta é uma questão interessante! É um pouco tardia a nossa literatura policial. Talvez porque a nossa urbanização se deu também muito recentemente. Só a partir da década de 60 que surgiu uma cultura urbana real mesmo. Uma cultura urbana capaz de ser personagem dos romances policiais. E eles precisam de uma vida urbana, de uma realidade desse tipo. Então, a nossa literatura urbana demorou para acontecer e, em função disso, a nossa literatura policial é um pouco tardia. Mas ela está absolutamente produtiva no momento, com muitos autores, as editoras mais abertas para jovens escritores… então, ela vive um bom momento.

O que está escrevendo agora?

Estou começando um novo romance, mas é muito cedo pra falar dele. Estou começando a organizar.

Você tem se dedicado ultimamente à pintura também, como um hobby. Isso te ajuda a escrever?

É sem compromisso, uma brincadeira. Nunca tive uma outra atividade e só muito recentemente comecei a desenhar. Mas é uma coisa pra espairecer, relaxar. Existem algumas atividades que ajudam a organizar a minha escrita. Por exemplo: correr. Não estou mais correndo porque machuquei o quadril, mas estou fazendo bike. Pintar também. Eu fico ali, mas a cabeça continua no livro, pensando, vendo o que eu vou fazer. Ajuda neste sentido: me dá paz pra estruturar o trabalho.

Nosso site motiva os escritores a indicar outros autores policiais. Quem a Patrícia Melo recomendaria para leitura?

Tem o Jo Nesbo, que acho um personagem interessantíssimo e que faz um romance policial clássico bem repaginado. Falando dos brasileiros, eu gosto do Raphael Montes, do Tony Bellotto, do Garcia-Roza… Sou completamente apaixonada pelo Raymond Chandler e pelo Dashiel Hammett! Ah, são tantos! Patrícia Highsmith! Eu acho ela uma mestra!

 

Encontre livros e e-books de Patricia Melo

[Imagens: Julia Moraes, Claudio di Lucia, Wikipedia, divulgação]

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