O sítio arqueológico de Nimrud fica ao norte do Iraque, e tem sido uma área de escavações desde meados do século 19. Fundada há mais de 3 mil anos, seu nome vem do rei bíblico Nimrod, mas a cidade atingiu prosperidade durante o reinado de D. Ashurnasirpal II (883-859 AC), época em que se tornou capital do Império Assírio. Fica a 30 quilômetros a sudeste de Mossul, terceira maior cidade do Iraque e a capital da Província de Ninawa.
Nimrud ganhou as manchetes do mundo não pela considerável referência histórica, mas por uma onda de vandalismo que vem assolando aquela região. Em março, membros do Estado Islâmico chocaram o mundo após promoverem a destruição de estátuas milenares dentro do museu de Mossul e divulgarem um vídeo pela internet. Segundo o Ministério de Turismo e Antiguidades do Iraque, a cidade de Nimrud também foi atacada pelos terroristas, que usaram escavadoras e tratores para destruí-la.
As ruínas de Nimrud preservam uma ligação afetiva com Agatha Christie, que foi casada com o arqueólogo Max Mallowan por mais de 40 anos. Na década de 1930, ele apresentou a região à esposa, que virou habitué nas expedições arqueológicas do marido. As primeiras impressões de Agatha sobre Nimrud foram registradas dessa forma:
“é um belo local… o Tigre estava a apenas 1 milha de distância, e na grande elevação da Acrópole, enormes cabeças de pedra assírias emergiam do solo… Era um trecho espetacular do país – calmo, romântico e impregnado pelo passado.”
A colaboração de Agatha nas escavações era variada: ela fotografava, datilografava o catálogo de descobertas e também ajudava a limpar artefatos encontrados pela equipe. Dedicada, chegava a usar creme facial e uma agulha de tricô laranja finíssima para remover as sujeiras nas peças delicadas. Uma das mais famosas foi a conhecida como “Mona Lisa de Nimrud”, uma cabeça feita em marfim de uma simpática mulher com cabelos e olhos pintados de uma cor escura, tranças ornando a face e um sorriso tão real quanto o de uma menina arteira. Encontrada pela equipe de Mallowan em um poço nos arredores do palácio de Nimrud em abril de 1952, a peça datava do final do século VIII a.c.
Além de colaborar com a pesquisa arqueológica do marido, Agatha também temperava suas tramas policiais com especiarias de civilizações antigas. Ávida pelo conhecimento e fã de cenários ancestrais, ela ambientou vários livros aproveitando o tema, como Morte na Mesopotâmia (1936), Morte no Nilo (1937) e Encontro com a Morte (1938).
Em uma escavação marcante em Nimrud liderada pelo marido, em 1949, ela tinha um quarto adicional junto às instalações da equipe para poder escrever com mais tranquilidade. O episódio está descrito na autobiografia da autora, onde ela explica que o lugar era “uma pequena sala, de tijolos de barro… com uma janela, uma mesa, uma cadeira na posição vertical e os restos desmoronados de uma poltrona tão decrépita que era difícil para se sentar, mas ainda confortável…”. Havia também uma placa feita por um dos epigrafistas, que foi fixada na porta de entrada com a frase “Beit Agatha” (Casa de Agatha) em cuneiforme, uma delicadeza que mostrava o carinho para com a romancista.
Os saques e ataques dos membros do EI, que têm vitimado várias pessoas e o patrimônio histórico do Iraque em nome da “aniquilação de estátuas que sirvam de objeto de adoração e idolatria”, dominam a pauta dos principais veículos de mídia no mundo. Se viva, o que diria Agatha Christie sobre o desaparecimento da região que ela descreveu com tanta afeição no passado?
DICA DE LEITURA
Título: Morte na Mesopotâmia
Autora: Agatha Christie
Páginas: 272
Editora: L&PM
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SINOPSE – No sítio arqueológico de Tell Yarimjah, às margens do rio Tigre, a enfermeira Amy Leatheran recebe a missão de cuidar da frágil e enigmática Louise Leidner, esposa do arqueólogo-chefe. Em meio à sinistra atmosfera e ao bizarro comportamento dos membros da expedição, a tarefa aparentemente simples é interrompida por um intrigante assassinato. Quando tudo indica que o crime permanecerá impune, a polícia local solicita a colaboração de Hercule Poirot, de passagem em terras iraquianas. Posto à prova no exótico cenário, o detetive belga enfrenta o desafio de desvendar um de seus casos mais insólitos.
(Imagens: The age, Wikipedia, Mystery Scene Magazine)
Jornalista. Trabalha com curadoria de informação, gestão de mídias sociais e criação de conteúdo digital. Em 2014, lançou o e-book “Os Maiores Detetives do Mundo” (Chris Lauxx). Contato: [email protected]
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