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Breve olhar psicológico sobre Dias Perfeitos, de Raphael Montes

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Por Rodrigo Padrini – Estive em uma ilha deserta e acabo de retornar. É a minha sensação ao mergulhar durante alguns dias em uma trama envolvente criada pelo talentoso jovem escritor Raphael Montes, incluído com justiça em diversas listas do tipo escritores novos que você deve conhecer. Nascido em 1990, no Rio de Janeiro, o autor surpreende em seu segundo romance e cria com habilidade um retrato psicológico da insanidade perversa.

Honestamente, comecei minha leitura sem ter lido resenhas ou sinopses, e não me lembrava do que se tratava a história. Desinformado, tomei um susto quando o enredo tomou um caminho criminoso e, concluí, que a introdução havia sido tão boa que esquecia que estava lendo um romance policial. Tenho certeza que o autor se sentiria internamente satisfeito com a minha surpresa.

Utilizando-se de uma citação de Nietzsche, há sempre alguma loucura no amor. Mas também há sempre alguma razão na loucura -, e o autor dá início a um belo ensaio sobre os limites da paixão, da obsessão e do narcisismo. Com lampejos de violência e perversidade, Montes nos lembra que nossa racionalidade, por si só, é uma baita loucura, apenas não rotulada como tal por ter sido aceita pela maioria.

O livro é narrado e pensado na perspectiva de Téo, nosso protagonista, jovem, estudante de medicina e morador do Rio de Janeiro, na companhia de sua mãe. Em suas primeiras páginas, revela-se apenas um sujeito peculiar, introvertido, pouco sociável, dono de uma rotina agradável às suas necessidades. No entanto, ao avançarmos, conhecemos sua personalidade em detalhes e estaremos diante de um homem reservado em sua própria ética imoral, se é que isso existe.

 

“Ele era coerente, racional, inabalável;
acabaria descobrindo o que fazer.
A paz imóvel de Clarice incitava
seus nervos numa brincadeira sádica.”

 

Adotando comportamentos infantis e narcisistas, Téo demonstra uma personalidade fria, calculista e impressionantemente auto referente. Me provocando raiva e indignação em diversos momentos, sua habilidade de articular seus próprios pensamentos e convencer sua própria consciência do contrário beira o inacreditável. Téo mantém seu controle emocional e a razão ao se fazer acreditar que está agindo da forma correta, e que o mais imoral dos comportamentos é justificável.

Ao me imaginar em uma cena bizarra, na qual eu mesmo atenderia Téo em meu consultório de psicologia, lhe perguntava: cara, você já se colocou no lugar dessa menina? Não enxerga que está fazendo tudo isso apenas por você mesmo? Talvez não o chamasse de “cara”. Mas não! Não está fazendo por ele, mas por ela, Clarice, seu par romântico, papel complementar de sua alienação. Menina de beleza exótica, espontânea e cheia de sonhos, Clarice – sem referência à Lispector, a nossa personagem faz questão de frisar -, traz ao protagonista uma grande carga de sofrimento e felicidade. Lhe desmonta a estrutura básica, “Mas, não seria isso o amor?” questiona-se Téo, em seu fantástico mundo de Bob.

Como em um teatro de marionetes, nosso candidato a psicopata da semana coloca o mundo a seu favor e não mede as consequências de suas atitudes para que isso aconteça. Ao criar uma peça onde atuarão em parceria “Téo e Clarice”, Téo impõe um amor às custas de qualquer sofrimento, próprio e de outrem, criando papeis a serem desempenhados.

Por acreditar-se envolvido em uma grande história de amor, o jovem pratica crueldades indescritíveis – o autor descreve -, tendo a todo o momento, como pano de fundo, a justificativa de um amor realizável. No entanto, o enredo, habilmente apresentado por Raphael Montes, nos mostra nada mais nada menos do que duas capacidades presentes em todos nós: nos apaixonar cegamente e nos alienar.

Em novos relacionamentos, torna-se comum o desejo de domínio do outro e a vontade quase irresistível de tornarem-se um só. A fusão. A alma gêmea. A metade da laranja. O arroz do meu feijão. Todos nós procuramos em alguma medida nosso papel complementar, alguém que nos fará completos e felizes. A ilusão da completude, que nunca existirá. Mas, o que pensar quando não respeitamos limites? Quando nos deixamos mover por emoções avassaladoras? Quando invadimos e nos deixamos invadir? Nosso protagonista não demonstra essas emoções, não traz à superfície o sentimento motivador de suas atitudes, apenas em alguns momentos, já misturadas ao caos. Ao contrário, Téo faz uso de sua couraça racional para buscar o que pode se tornar apenas a repetição de sua vida, a representação de um roteiro pronto.

Com traços psicológicos dignos de uma monografia, Montes constrói personagens perturbados de maneiras diferentes e nos oferece um prato cheio para análises. Em suas 278 páginas, “Dias Perfeitos” abala os nervos do leitor desavisado e nos convida a um passeio de ironia e loucura por ilhas desertas, malas vazias, barcos, anões e ambientes sufocantes. Como nos questiona Téo: quem não gostaria de fazer exatamente o que ele fez pela pessoa amada?

 

Título: Dias perfeitos
Autor: Raphael Montes
Páginas: 278
Editora: Companhia das Letras
Este livro no Skoob

SINOPSE – Dias Perfeitos é uma história amor, sequestro e obsessão. O protagonista do livro é Téo, um jovem e solitário estudante de medicina que divide seu tempo entre cuidar da mãe paraplégica e dissecar cadáveres nas aulas de anatomia. Num churrasco a que vai com a mãe contrariado, Téo conhece Clarice, uma jovem de espírito livre que sonha tornar-se roteirista de cinema. Obcecado por Clarice, Téo quer dissecar a rebeldia daquela menina.

View Comments

  • Comecei a ler o livro e assustei quando sem parar estava na pagina 160. Gostei desta maravilhosa indicação. Como descrito no comentário, a gente não se da conta da história e nos surpreendemos com o desenrolar.

  • Boa noite Rodrigo, sou aluna de Letras pela UEPB e estou escrevendo um arquivo sobre a figuração da violência contra a mulher no romance Dias Perfeitos, encontrei seu breve olhar sobre o psicológico de Téo, então,gostaria de saber se você me autorizaria a usar seu trabalho como fonte de pesquisa? Por favor aguardo resposta!

    • Boa noite Anny. Claro, sinta-se à vontade. Escrevi essa analise há muito tempo, mas acho que ainda faz algum sentido, ainda que bastante limitada. Gostaria de ter mais consciência sobre a questão da violência contra a mulher quando fiz a leitura e ter incluído esse viés na resenha, porque é um prato cheio para interpretação. Bom trabalho. Abraços

  • 2020 tinha muitos planos, mas agora é renovar e tentar
    inovar em 2021. Agradeço pelo seu artigo me ajudou e
    compartilhei nas redes sociais.

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