Desde seu surgimento em meados do século XIX, a ficção policial passou por diversos estágios e sempre foi capaz de questionar e reformular suas características principais, renovando-se e atingindo públicos heterogêneos em todo o globo. Isso resultou em subgêneros com sua própria lógica, extraída de uma única raiz.
No entanto, é natural que a essência tenha permanecido, afinal, o gênero ainda é identificado. E entre os elementos basilares que caracterizam a literatura policial está o detetive.
Esse personagem é o responsável por desmascarar o criminoso e restabelecer a ordem vigente, quebrada pelo crime cometido (comumente um assassinato). Historicamente, temos três tipos principais de detetive, que trataremos em textos separados: o detetive amador, o detetive particular e o detetive policial.
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O detetive amador
O termo em inglês para esse tipo de personagem é amateur sleuth. Sleuth significa “sabujo”, um cão farejador que auxiliava em caçadas. O amateur sleuth não tem habilitações formais para desempenhar tal tarefa, mas é, ainda assim, um perito em encontrar a presa. A palavra também pode ser utilizada para designar “detetive”, simplesmente.
Historicamente, o detetive amador é o detetive por excelência. Auguste Dupin, mente por trás da elucidação d’Os assassinatos da Rua Morgue, primeiro conto policial moderno, não era de fato um detetive, mas um intelectual de boa família afeito a enigmas, que decide se envolver na investigação para exercitar suas capacidades. Desde o início, portanto, temos como figura central alguém não ligado diretamente à Lei, mas que colaborará com ela por meio de seus dotes dedutivos e capacidade analítica. Dupin foi o líder de uma turba que o seguiu.
Um exemplo feminino? Podemos citar Miss Jane Marple, simpática velhinha do interior que deixava qualquer inspetor da Scotland Yard comendo poeira. A personagem de Agatha Christie era a típica idosa solteirona, fato que jamais a constrangeu. Os benevolentes olhos azuis e as longas horas dedicadas ao tricô escondiam uma mente aguçada, muito ciente do pior do ser humano. Seu lema, “A natureza humana é a mesma em qualquer lugar”, indicava seu “método de trabalho”: Miss Marple fazia constantes associações entre pessoas de seu passado e de seu presente, o que tornava possível entender a subjetividade dos suspeitos e, em muitos casos, prever com sucesso suas ações.
A lista prossegue. Outros exemplos são os aristocráticos Lorde Wimsey (criação de Dorothy L. Sayers) e Philo Vance (de S. S. Van Dine), ambos homens ricos e sem qualquer ligação com a polícia que têm na criminologia um hobby; o Padre Brown, de G. K. Chesterton; o gordo Gideon Fell, de John Dickinson Carr (cuja descrição lembra a do próprio Chesterton, numa homenagem ao autor inglês). Mais recentemente, temos a série protagonizada por Stephanie Plum, best-seller da americana Janet Evanovich, sobre uma mulher comum que se torna uma caçadora de recompensas profissional. Saindo do mundo da literatura, podemos considerar toda a turma do Scooby-Doo excelentes exemplos cômicos de detetives amadores.
Em certo sentido, o detetive amador é aquele com que o leitor pode se identificar mais facilmente. Ambos têm em comum a fascinação pelo enigma e não dispõem das ferramentas profissionais/legais para lidar com o crime. A diferença está em que o detetive amador possui meios de se envolver com a investigação e um intelecto superior ao da própria polícia, o que o torna indispensável.
Um problema com narrativas protagonizadas por detetives amadores é o fator coincidência. É difícil explicar como tantos cadáveres podem pipocar no caminho de gente aparentemente comum, que por acaso também se interessa muito por solucionar assassinatos e tem um histórico expressivo na área. No entanto, as narrativas da Era de Ouro não eram pautadas pela busca por verossimilhança, mas pelo prazer em desafiar o leitor cada vez mais e surpreendê-lo com soluções possíveis dentro do universo criado. Para divertir, essa fórmula pode ser mais que o suficiente.
No próximo texto da série, falaremos sobre outro tipo de detetive muitíssimo popular: o detetive particular.
(Imagens: spectator, taringa, deviant art, divulgação)
Formado em Estudos de Mídia pela UFF e vive em Niterói, RJ. Trabalha na área de desenvolvimento de livros digitais. Gosta de ler, escrever, ver filmes esquisitos e curte bandas que ninguém conhece. Atualmente, revisa seu primeiro romance policial.
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Excelente análise Josué, digna do seu talento, que sempre apreciei. Aquele abraço.
Ótimo texto, mas faltou mais representantes femininas para essa categoria, minhas sugestões seriam Miss Fisher do Kerry greenwood e Júlia Kendall(HQ italiana).
Boas sugestões Nathália! =)
Obrigado pelo toque, Nathalia! Realmente, ao me deparar com o tema, foram poucas as representantes femininas que encontrei. Certamente desconhecimento meu. Tentarei ser o mais abrangente possível no próximo texto, sobre detetives particulares. :)
Abraços!
Ótimo texto, parabéns!
Obrigado, Mauricio. ;)
Abração.