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Watchmen: fim da inocência para os detetives dos quadrinhos

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A morte recai sobre Watchmen, como representação de um mundo desolado, logo em seus primeiros quadros. A obra-prima de Alan Moore, com desenhos de Dave Gibbons, foi elevada, desde seu lançamento em 1986 a 1987, a um dos ícones máximos da narrativa em quadrinhos e, ainda hoje, permanece como objeto de culto e estudo devido a sua densidade.

Composta por doze capítulos bem orquestrados, com detalhes que se entrecruzam, a HQ aproxima referências culturais, dialoga com outras formas artísticas e promove uma obra plural através de uma trama especulativa sobre como seria nosso universo com o surgimento de vigilantes e super-heróis. Uma história profunda que uma simples resenha de quadrinhos não seria capaz de analisá-la por completo.

Grande parte do sucesso de Watchmen se deve ao ambiente realista espelhado em fatos da história mundial: dos entraves das grandes disputas bélicas ao conflito da Guerra Fria, em 1985, cenário em que se passa a ação central. Moore modifica nossa realidade propondo uma sociedade em convivência com vigilantes. Na década de 40, surge a primeira equipe de humanos com motivações heroicas. A partir disso, a cultura se modifica, e personagens como Batman e Superman perdem espaço para as aventuras de piratas e outros nichos aventureiros. Os heróis deixam de ser uma especulação imaginária para perpetuarem-se nas ruas. Seus personagens não são tratados como uma linha superior: são humanos limítrofes, poucos com motivos honestos, demonstrando que mais do que caráter e coragem era necessário para assumir estes alteregos. Como um manto a ser utilizado para negar sua própria vida de vícios em graus diferenciados, que transitam do alcoolismo à visão niilista do mundo.

A própria narrativa de Watchmen desenvolve uma cronologia heroica e particular que envolve três espaços temporais distintos: 1940, com o surgimento dos primeiros heróis; 1960 com a propagação de um segundo grupo, inspirado no primeiro; e o desolador 1985, quando a segunda equipe de combatentes está em ostracismo desde que a Lei Keene entrou em vigor. Numa época em que o mundo cedia à paranoia e à violência das tensões entre grandes nações, a atividade de qualquer vigilante mascarado foi proibida. Atuantes em 1940, os Minutemen (referência dupla a um grupo de heróis e às tropas americanas) representam este primeiro grupo unido por motivações conjuntas de fazer o bem, perpetuando de maneira positiva o ideário americano. Vinte anos depois, os Watchmen (a referência temporal é uma constante na obra) são liderados pelas personagens desta história. Como diferença primordial entre um grupo e outro, há a presença de um primeiro super-ser, Johnathan Osterman, um homem que acidentalmente foi trancado em uma câmara de testes durante um experimento de física nuclear, e que sobreviveu adquirindo superpoderes.

Até então, a visão heroica da história se pautava apenas no conceito cultural de heróis: humanos que vestem um capuz como estilo de vida. O surgimento de uma entidade com habilidades sobre-humanas causa desequilíbrio na sociedade. Tratado como uma arma bélica, Osterman se transforma em Dr. Manhattan (referência ao projeto real que visava construir uma bomba nuclear em solo americano), vendido ao mundo como um representante da política americana, intervindo na Guerra do Vietnã e tornando vitoriosa a nação americana. Do outro lado do globo, a União Soviética tenta se equiparar à presença de um deus construindo diversas bombas atômicas para uma eventual disputa armada. Dessa forma, estão instaladas, com maior intensidade, a paranoia da Guerra Fria e a iminência de uma terceira guerra mundial em 1985, o cenário onde situa a história central.

Neste contexto, Edward Blake, o Comediante, um herói-soldado americano, é defenestrado da janela de seu apartamento. A narrativa enfoca, a cada capítulo, um personagem específico, dando vazão aos tipos de personalidades diferentes que fizeram parte dos Watchmen. Há referências em toda a obra, tanto a momentos históricos reais quanto a citações de outras obras (o título de cada capítulo é um trecho de uma situação revelada no final de cada um deles), apropriando-se de outras formas artísticas para produzir maior amplitude neste universo. Trechos de livros fictícios, artigos e perfis psicológicos são apresentados ao final de cada edição, amplificando o realismo promovido por Moore. Além das referências, as edições possuem um padrão de quadros. As capas são o início de cada capítulo, focalizando um objeto em close como um take cinematográfico, iniciando a ação. Em muitos capítulos, a mesma imagem retorna ao final, tornando-se uma linguagem circular que internamente mantém a coerência com a narrativa subterrânea da obra sobre a cegueira da humanidade e seu processo cíclico de guerra e paz.

Mesmo que o contexto tenha se modificado com o tempo, é natural que outras interpretações tão profundas como a inicial surjam com a análise de cada sociedade e seu tempo. De maneira geral, o futuro é sempre visto de maneira desoladora, um caos dividido entre o obscuro a ser explorado e a própria destruição humana. Diante destes fatos, a interpretação de Watchmen é universal. Utilizando personagens tipificados, Moore questiona o potencial humano e saídas possíveis para que a paz e a harmonia entre os povos persistam. Com um estilo agressivo e pessimista, é evidente que o desenlace proposto mostre-se como um impacto derradeiro. Porém, dentro do absurdo, a lógica interna se mantém causando um novo choque no leitor, que se depara com uma filosofia imoral, mas coerente.

A potência de Watchmen é tão devastadora que, ainda hoje, é a única HQ a figurar na lista de 100 Melhores Romances da revista Times. Uma prova de como Alan Moore transformou o gênero de quadrinhos em um objeto além de seu nicho, elevando sua história a um novo patamar narrativo. Aos fãs, a obra é conhecida como a Bíblia dos Quadrinhos, um exagero coerente para uma fábula de significado denso e precursora de muitos estilos vistos ainda hoje nos lançamentos mensais de grandes editoras. Watchmen mantém-se como uma história demolidora de qualquer barreira que ainda persista sobre a nona arte ser considerada uma arte menor, supostamente infantil ou sem densidade. Não à toa, o mago Moore é reverenciado como um dos gênios dos quadrinhos.

(Imagem: NY Times, Comic Vine, Geeksnack)

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  • "Vinte anos depois, os Watchmen..."

    Não existe nenhum super-grupo chamado Watchmen na HQ. O proposto grupo pelo Capitão Metrópole em 1964 se chamava "Combatentes do Crime", e nunca chega a se formar de fato. O único lugar onde existe um grupo chamado Watchmen foi naquele aborto de filme.

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