Meu nome é Maigret, Jules Maigret (parte 1)

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Por Rodrigo Padrini – Um cachimbo, um sobretudo com gola de veludo, um chapéu coco e uma barriga saliente. Eis um representante corpulento da ordem. – Ei, mande subir sanduíches e cervejas da Brasserie Dauphine, porque parece que esse interrogatório vai virar a noite. E ligue para a minha esposa. Avise que não tenho hora para chegar em casa.

Não foi Maigret que disse isso. Pelo menos não nas palavras de Georges Simenon. Talvez algo parecido. É assim que me lembro dos hábitos e costumes do comissário Jules Maigret, como fazemos com os personagens que amamos. Os incorporamos. Quer conhecer um dos mais fascinantes investigadores da literatura policial? Então vamos lá.

Nesta primeira parte abordo as produções literárias com o personagem, sua origem, suas características e dou algumas indicações.

Para quem não o conhece, o comissário da polícia judiciária Jules Maigret é o mais famoso personagem criado pelo escritor belga Georges Simenon (1903-1989). Residente no Boulevard Richard-Lenoir em Paris, Maigret é um funcionário público francês com toques de psicólogo e uma curiosidade cativante pela natureza humana. Possivelmente nos seus 50 anos, Jules é casado com a Sra. Maigret (Sim, é assim que ela é chamada. O nome real é Louise, para os íntimos), uma esposa inacreditavelmente compreensiva. Sem filhos, o comissário chefia uma equipe responsável por investigar crimes em uma Paris de muitos anos atrás, conduzindo interrogatórios na sede da Polícia Judiciária no Quai des Orfèvres.

 

IMG_4856“Há poucas ruas de Paris nas quais
não gastei a sola dos sapatos, de olhos à espreita,
e aprendi a conhecer a gente miúda das calçadas […]”

(Memórias de Maigret, L&PM Editores, 2011)

 

Nosso comissário é por vezes rude, ausente em seu casamento, amante de cachimbos, bebidas alcoólicas ocasionais, apaixonado por seu trabalho, demasiado sensível aos casos nos quais se envolve, porém honesto, lúcido e coerente. Maigret busca entender os crimes, absorver a atmosfera dos suspeitos, menos do que julgá-los.

Me lembro quando li seu primeiro romance, “A louca de Maigret” (L&PM Editores, 2009), uma daquelas edições de bolso que devoramos rapidamente. Desde então, me habituei a escarafunchar as prateleiras das livrarias em busca de novos títulos, sempre terminando um livro e começando outro, chegando a me confundir entre os crimes, suspeitos e situações. Aquelas capinhas escuras com o nome Maigret em dourado traziam mundo e personagens cada vez mais interessantes e familiares.

Maigret fez a sua primeira aparição na obra de Simenon em setembro de 1929 ainda como personagem secundário, conquistando o primeiro romance “para chamar de seu” em 1930, com “Pietr, o letão” (Companhia das Letras, 2014), que seria seguido por mais de 70 outros romances. O comissário também protagoniza 28 contos escritos entre outubro de 1936 e maio de 1950.

Os leitores brasileiros encontram Maigret mais facilmente na Série Simenon da L&PM Editores e, mais recentemente, nas belíssimas publicações da Companhia das Letras, que merecem ser prestigiadas. Outros títulos que foram publicados na década de 70 e 80 pelas Editoras Nova Fronteira, Abril Cultural e Bertrand, por exemplo, são encontrados em sebos por aí.

Mas, por que o admiro tanto? E qual motivo de tamanho envolvimento com um simples personagem? A simplicidade e a humanidade de Maigret me cativaram desde os primeiros contatos e podem lhe cativar também. Nas histórias com o comissário não encontramos detalhes técnicos das investigações em grande quantidade, longas descrições de cenários suntuosos ou mistérios altamente complexos. Encontramos, por outro lado, seres humanos comuns, análises psicológicas fascinantes e personagens tão reais como o senhor que sentou ao seu lado no ônibus hoje.

 

IMG_4824“… o êxito junto ao público deve-se menos ao enredo e a descoberta do mistério do que ao misto de ceticismo e esperança com o qual o taciturno Maigret vê a sociedade – visão psicológica que é a principal arma desse humanista no combate ao crime”
(prefácio da Coleção da L&PM Pocket – L&PM Editores)

 

Como um assíduo leitor dos romances com Maigret, considero que tive o privilégio de observar o crescimento do personagem e observar a normalidade de sua evolução. Ao longo de seus 75 romances com o comissário, Simenon nos brinda com fases da vida do personagem e momentos que seriam vividos por qualquer um de nós: seu primeiro trabalho, sua primeira investigação, suas viagens para outros países, seus trabalhos com outras equipes da polícia, as férias para cuidar de sua saúde, jantares com velhos amigos.

 

Tinha 26 anos e casara-se há cinco meses. Desde que ingressara na polícia, há quatro anos, passara pelos serviços mais humildes, policial de rua, de estações ferroviárias, de grandes lojas, e havia menos de um ano era secretário da delegacia de Saint-Georges” (A primeira investigação de Maigret, Nova Fronteira & L&PM Editores, 2006).

 

Desde sua entrada na polícia até a sua aposentadoria e mudança para a casa de campo em Meung-sur-Loire, Simenon nos oferece um Maigret palpável, imperfeito, mesclando investigações envolventes com elementos de uma vida particular em constante movimento. Nos acostumamos aos amigos e funcionários de Maigret, como o médico Pardon da Rue Picpus, o assistente Lucas, Janvier e Torrence.

Ainda não li todos os contos com Maigret, nem todos os seus romances. Após ler 32 livros (dos 75) praticamente em sequência, acho que fiquei com medo que acabassem e resolvi ler outras coisas. Também não li os quadrinhos e assisti aos filmes e séries inspirados no comissário Jules Maigret. Eles estão por aí, esperando que eu os explore.

Sei que o que é bom, tem hora para acabar. Por isso, vou tomar Simenon em doses homeopáticas e consumir lentamente toda a sua grandeza. Beba com moderação.

 

Títulos com Maigret

Como um leitor dedicado do comissário e fã de listas organizadas que facilitam nossa vida, tive grande dificuldade em encontrar uma lista objetiva com todos os romances publicados no Brasil e os contos, só mesmo em francês. Estou catalogando por curiosidade todos os livros publicados por aqui e em breve disponibilizamos no site.
Desde 2014 foram nove romances publicados com o comissário Maigret pela Companhia das Letras. Pela L&PM Editores foram publicados cerca de 40 títulos a partir de 2009 e outros 20 por meio da parceria entre a Editora Nova Fronteira e a L&PM Editores entre 2002 e 2003, todos disponíveis para consulta no site da L&PM Editores.

Quanto aos contos com Maigret, você os encontra na publicação Todos os Contos de Maigret da L&PM Editores, divididos em dois volumes, conforme a sequência abaixo.

 

IMG_4841Volume 1
Um erro de Maigret
Stan, o assassino
O albergue dos afogados
A barcaça dos dois enforcados
O caso do Boulevard Beaumarchais
A janela aberta
Senhor Segunda-feira
Jeumont, 51 minutos de parada
As lágrimas de cera
Rue Pigalle
O Hotel L’Étoile du Nord
Tempestade sobre o Canal da Mancha
Senhorita Berthe e seu amante
O improvável Sr. Owen
O pessoal do Grand Café
O notário de Châteauneuf
Pena de morte

Volume 2
O admirador da Sra. Maigret
A velha dama de Bayeux
O homem na rua
Leilão
Ameaças de morte
O cachimbo de Maigret
O cliente mais persistente do mundo
Maigret e o inspetor Malgracieux
Não se matam os pobres-diabos
O testemunho do coroinha
O Natal de Maigret

 

Algumas indicações

Se você quer iniciar sua leitura dos romances de Maigret, comece com Pietr, o letão (Companhia das Letras, 2014). É o primeiro romance do comissário e um belíssimo mistério. Caso você já conheça o comissário e não tenha lido o livro Memórias de Maigret (L&PM Editores, 2011), não perca a oportunidade de adquiri-lo. Trata-se de um livro em que Maigret torna-se narrador e, Simenon, um personagem, um jovem romancista iniciante que narra as aventuras do comissário, trazendo um suposto convívio entre os dois. Muito divertido.

Para quem tiver curiosidade, um excelente artigo de Joe Richards, In the Footsteps of Chief Superintendent Jules Maigret in Montmartre, traz fotos e mapas de localidades citadas nas tramas de Maigret, como a sua casa no Boulevard Richard-Lenoir, o Quai des Orfèvres, a Place des Vosges, dentre outros.

Os dois volumes da coleção Todos os Contos de Maigret (L&PM Editores, 2010), trazem, além de 28 histórias curtas e dinâmicas com o comissário, belíssimas introduções de Dominique Fernandez, Pierre Assouline e Denis Tillinac. Os três escritores franceses fazem análises sucintas da obra de Simenon e seu impacto na literatura internacional, apontando suas particularidades.

Confira 9 curiosidades sobre um dos detetives mais queridos dos romances policiais no texto publicado aqui no Literatura Policial.

Um grande abraço e até a próxima parte, quando falaremos sobre os filmes, séries, histórias em quadrinhos e outros desdobramentos deste carismático investigador.

(Imagens: Ana Mattos)

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1 comentário em “Meu nome é Maigret, Jules Maigret (parte 1)”

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