Por Yasmin Lahm – A literatura policial, como a maioria das áreas do conhecimento, sempre foi dominada pela presença masculina. Teria Sherlock Holmes feito tanto sucesso e ditado os cânones do romance policial moderno fosse ele uma mulher? E Hercule Poirot, teria se tornado icônico e adorado por tantos se fosse uma personagem feminina? É na direção contrária dessa estatística que figura a obra da escritora Gillian Flynn, e não poderia deixar de ser diferente em “Objetos Cortantes”, que coloca mulheres no centro de uma investigação criminal.
Gillian Flynn se tornou best-seller e conhecida do grande público com sua terceira obra publicada, “Garota Exemplar”, que deu origem ao filme de mesmo nome, adaptado para o cinema pela própria autora e que lhe rendeu uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Roteiro. No entanto, já em Objetos Cortantes, seu romance de estreia, ficam claros os traços que norteariam sua carreira literária. Personagens femininas complexas e perturbadas dão o tom da narrativa e conduzem o leitor na trama de intriga em uma cidadezinha do interior dos Estados Unidos.
Sua pauta é cobrir o assassinato violento de duas garotinhas, acontecido com um intervalo de um ano, mas que apresentam as mesmas características e apontam para um único culpado, de quem a Polícia ainda não tem nenhuma pista. Ao chegar ao seu destino, Camille conclui que a cidade continua a mesma, porém ela havia mudado muito no tempo em que esteve afastada. É com esse olhar forasteiro que a jornalista se impele em busca da sua reportagem e, consequentemente, da solução dos crimes.
Como é de praxe nessas histórias, a personagem precisa lidar não só com o mistério a ser desvendado, mas também com seus próprios fantasmas. À medida que a personagem se embrenha na investigação e retoma contato com os moradores da cidade, ela revive conflitos internos e se recorda de momentos difíceis de sua vida. Por diversos momentos, a investigação criminal fica em segundo plano em relação à vida pessoal de Camille, e conforme o livro avança, fica claro para o leitor que é impossível separar a vida particular da personagem dos crimes, e que ambos estão intimamente ligados. Para solucionar o mistério, será preciso também fazer as pazes com seu passado e revirar os segredos de sua família.
O enredo se desenrola principalmente no núcleo familiar de Camille, colocando a jornalista, sua mãe e sua meia-irmã no centro da investigação. A autora nos conduz através da busca pelo assassino entrelaçando a história da família com a da própria cidade, nos levando a crer de que sabemos de antemão quem será o culpado; entretanto, e este é o grande trunfo de Flynn, ao fim do livro a verdade se revela de forma surpreendente, contradizendo as suspeitas da própria personagem.
Objetos Cortantes é um livro que explora a crueldade humana na sua essência mais primitiva, com uma atmosfera de tensão característica do suspense psicológico, que deixa o leitor constantemente preocupado com a segurança da protagonista. É uma obra para quem se interessa não só pela atividade detetivesca dos romances policiais, mas também pelo aspecto humano do crime, na melhor tradição de escritoras como Patricia Highsmith e Mary Higgins Clark. Ainda em seu primeiro livro, Gillian Flynn mostra que veio para dar continuidade a este legado e escrever mais do que histórias de detetives, mas histórias de conflitos humanos.
Título: Objetos Cortantes
Autora: Gillian Flynn
Tradução: Alexandre Martins
Editora: Intrínseca
Páginas: 256
Ano: 2015
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SINOPSE – Recém-saída de um hospital psiquiátrico, onde foi internada para tratar a tendência à automutilação que deixou seu corpo todo marcado, a repórter de um jornal sem prestígio em Chicago, Camille Preaker, tem um novo desafio pela frente. Frank Curry, o editor-chefe da publicação, pede que ela retorne à cidade onde nasceu para cobrir o caso de uma menina assassinada e outra misteriosamente desaparecida. Desde que deixou a pequena Wind Gap, no Missouri, oito anos antes, Camille quase não falou com a mãe neurótica, o padrasto e a meia-irmã, praticamente uma desconhecida. Mas, sem recursos para se hospedar na cidade, é obrigada a ficar na casa da família e lidar com todas as reminiscências de seu passado. Entrevistando velhos conhecidos e recém-chegados a fim de aprofundar as investigações e elaborar sua matéria, a jornalista relembra a infância e a adolescência conturbadas e aos poucos desvenda os segredos de sua família, quase tão macabros quanto as cicatrizes sob suas roupas.
Mora em Porto Alegre. Leu seu primeiro livro da Agatha Christie aos 7 anos e, desde então, é apaixonada por literatura policial.
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Nossa! Esse passou a ser o primeiro livro da minha lista de desejos! Li Garota Exemplar há algumas semanas e amei! Esse, por se tratar de mulheres, me interessa ainda mais! Belo post :)
Indico muito o livro, Gabi! Se gostaste de Garota Exemplar, não vai se arrepender! e obrigada <3
O livro é bom e tem seus méritos. A questão da participação feminina me chamou muita atenção. Escrevi sobre isso há poucos dias: https://oeuliterario.wordpress.com/2015/11/19/a-vitima-perfeita-e-objetos-cortantes-a-centralidade-das-personagens-femininas/.
Estou agora na expectativa de ler "Lugares escuros".
Abs
Excelente tua análise, M. De fato, as personagens femininas surgiram como expoentes nos thrillers psicológicos.A propósito, concordo plenamente sobre o que tu colocaste em relação à situação de estupro narrada pela protagonista em determinada parte do livro. Achei um desserviço ela tratar a questão com tanta leviandade. E agora fiquei com vontade de ler A Vítima Perfeita!
Leia, sim. É um bom romance policial! E traz mais personagens femininas no centro da história.