Por Thiago Augusto Corrêa – Diante de um universo populoso de super-heróis da DC Comics, parece improvável a possibilidade de um cotidiano comum quando tais superseres atuam ativamente como vigilantes em diversas cidades e participam, em escala global, de crises interplanetárias. Durante os 75 anos da editora, bem como da Marvel Comics, sua concorrente direta, algumas narrativas como Marvels, Reino do Amanhã e Watchmen – analisada em nossa primeira coluna – estabeleceram um relato mais realista que refletia sobre a convivência entre heróis e humanos mundanos na delicada relação entre poder e autoridade diante destes deuses.
Com base nesta vertente, os roteiristas Greg Rucca e Ed Brubaker lançaram em 2003 uma nova visão sobre Gotham City dando destaque a um grupo que sempre pareceu apenas um apoio contra o crime na cidade corrupta e violenta do Homem-Morcego, narrativa que contraria a adoração heroica comum aos títulos do estúdio e enfoca um grupo de policiais da cidade. Gotham: DPGC, outrora lançado no país como Gotham City Contra o Crime, retorna ao mercado em edição de luxo, apresentando um grupo de homens anônimos que, como Batman, dedicam sua vida pelo bem da cidade. O primeiro volume relançado pela Panini Comics apresenta os dez primeiros números da série composta por quarenta edições, quando a revista foi encerrada.
Concentrando-se na Unidade de Crimes Hediondos da cidade, Rucca e Brubaker trabalham simultaneamente nos roteiros, divididos entre si conforme cada turno da polícia, uma maneira escolhida para que cada roteirista trabalhasse com um grupo específico de personagens. Utilizando alguns conhecidos do público e outras criações inéditas, a trama revela uma faceta investigativa equilibrada entre as investigações, tanto de casos cotidianos como de crimes cometidos pelos vilões da galeria do Morcego, sinalizando o lado psicológico de cada um de seus integrantes.
Na época de seu lançamento, o conhecido Comissário Gordon estava aposentado após um atentado contra sua vida. Sem o detetive que tem a relação mais sólida com o Cavaleiro das Trevas, a personagem de Batman é tratada com um limítrofe entre a lei e a criminalidade. Um homem utilizado somente em casos de extrema urgência. Oficialmente, a polícia nega a existência do herói, motivo pelo qual a equipe é proibida de ativar o famoso Bat Sinal, atividade exercida por uma personagem fora do esquadrão.
A trama evidencia o dia a dia dos policiais e o público compartilha com as personagens a mítica do Morcego. Suas aparições são rápidas, destacadas em pequenos quadros e pautadas em medo e dúvida vigentes. Dentro da polícia, a presença de um herói é vista como justificativa para a clara ineficiência do sistema, um atrito que provoca conflito interno na corporação. Desenvolvendo o drama interno de cada personagem, policiais com famílias vivendo o medo diário de morrer em serviço, observamos como a presença de um vigilante acima da lei modifica uma cidade, ampliando o conceito de que a presença de um herói gera também o nascimento de novos vilões tentando derrotá-lo e, no meio destas batalhas, a população e seus personagens anônimos sofrem pela destruição e morte causadas.
Grandes vilões como Senhor Frio e Coringa aparecem em cena como transgressões sem diferir em nada de bandidos normais, causando mortes e traumas aos investigadores de Gotham – os mesmos que além do medo natural reconhecem que diante de homens insanos, e de uma cidade onde o crime é vertente constante, o serviço se torna ainda mais árduo. Em paralelo, a relação entre os policiais, os conflitos internos e a inerente corrupção se tornam ainda mais elementos para demonstrar a virtude das personagens, efeito que transforma seres ordinários em heróis cotidianos.
Os autores, que têm no currículo outras obras de vertente policial, evitam a visão tradicional do herói para trazer uma narrativa bem composta que não necessita de nenhuma leitura prévia do universo da editora para mínima compreensão.
O prefácio desta nova edição é assinado por Lawrence Block, um escritor policial que sempre explora com qualidade o espaço urbano em suas histórias. No texto, o autor compara a Gotham fictícia como representação ideal de Nova York, com sua evolução urbana e brutalidade nas ruas. Uma sincronia entre a realidade e a ficção, o imaginário dos heróis e outros papéis que lutam a favor da manutenção da sociedade e de suas leis.
Ana Paula Laux é jornalista e trabalha com curadoria de informação, gestão de mídias sociais e criação de conteúdo digital. Em 2014, lançou o e-book “Os Maiores Detetives do Mundo” (Chris Lauxx). Contato: [email protected]
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