O canal Sesc TV dedicou um especial à literatura policial nesta segunda, 1º, em mais um programa da série Libris. O episódio inédito “O culpado não é mais o mordomo” mostrou mini-biografias de precursores do gênero como Edgar Allan Poe e Arthur Conan Doyle, depoimentos de frequentadores da biblioteca temática Paulo Setúbal, indicações de livros policiais e ainda uma entrevista com o escritor carioca Luiz Alfredo Garcia-Roza, criador do detetive Espinosa.
Com direção do escritor, cineasta e jornalista José Roberto Torero, o especial enfatizou a preferência cada vez maior dos leitores por romances policiais e como esse tipo de livro envolve do começo ao fim quem o lê. Luiz Alfredo Garcia-Roza falou sobre a estrutura da narrativa, a ficção policial no cinema, a série com Espinosa e os autores que mais o influenciaram no gênero. Confira trechos da entrevista com o Luiz Alfredo Garcia-Roza sobre os assuntos abordados no programa.
“O romance policial é o que menos varia. (Jorge Luis) Borges dizia que o romance policial foi o mais duradouro exatamente por sua estrutura clássica, com começo, meio e fim, com um problema e uma tentativa de solução. Acho que o modelo mais antigo de romance policial é Édipo Rei, de Sófocles, peça de teatro grega escrita por volta de 427 a.C. No final do século 19, o Edgar Allan Poe dá uma nova roupagem à estrutura da tragédia grega. E aí ele pode ser considerado o pai da literatura policial.”
“O leitor de literatura, em geral, se deixa tomar pelo fluxo da narrativa. O do romance policial não. Ele está buscando uma coisa e fica indignado quando o detetive não segue algo tão óbvio. Dentro do romance, o leitor é colocado como investigador também. O leitor do romance policial é mais ativo.”
“Cornell Woolrich é um dos iniciadores do gênero, pouco conhecido mas excepcional. Hoje, você tem autores com estilo próprio, mas que estão ainda dentro de uma estrutura que foram determinadas pelos precursores do gênero (como Arthur Conan Doyle e Agatha Christie)… Eu indicaria uma autora pouco conhecida, que é a Patricia Highsmith. Seu livro mais conhecido é O Talentoso Ripley. Foi uma escritora brilhante, não fez concessões em termos de cânones. O personagem que criou é um psicopata, um sujeito absolutamente sem culpa, amoral, mas que os leitores se apaixonam. Ele consegue se transformar num ente querido apesar de ser capaz de matar a velhinha na rua só porque ela está demorando para atravessar a rua.”
“Se o personagem principal for cativante, ele passa a ser uma força paralela à força do autor. O Espinosa, por exemplo, muita gente me pergunta na rua quando vai sair ‘o próximo Espinosa’, e não o próximo livro. Um personagem que atravesse vários livros é como se estabelecesse um campo de luta, ele já cria uma predisposição positiva ou negativa, já que ele também corre o risco de cansar o leitor ou autor. Se meu personagem atravessa dez livros, tenho que dar nesses livros uma indicação mínima de quem ele é, como se veste, seus hábitos, o que faz.”
“O romance policial, formalmente, é ao mesmo tempo simples porém rico em suas possibilidades. Como estrutura é simples, mas seus desdobramentos podem ser ricos. A história tem uma espessura temporal reduzida, se passa em alguns meses no máximo, geralmente se passa num bairro. Ele é formalmente bem estruturado e não precisa ter dez ou vinte personagens secundários; dois ou três já são suficientes, então ele é facilitador.”
“Uma coisa que foi impeditiva durante muito tempo, e não foi à toa que comecei a escrever com 60 anos, foi na época da ditadura em que a polícia estava a serviço de um estado repressor violento. Como fazer uma história de polícia assim? Com a ficção, você tem que fazer uma torção disso tudo e colocar um nível da ficção que seja crível.”
“Se você for perguntar na ABL (Academia Brasileira de Letras), eles vão dizer que é não é subliteratura. Num debate literário, as pessoas também vão dizer que não é subliteratura. Mas o simples fato de você me perguntar isso ainda me faz imaginar que deve ser. Uma história policial tem uma extensão temporal e uma espessura relativamente reduzidas. Ele é menor no sentido de que você tem menos personagens, portanto menos complexidade de trama, e uma certa linearidade (embora nem todo romance policial seja linear) que facilita para o leitor. Então, ele é mais simples. Daí a ser menor e subliteratura é um passo, entende?”
“Eu escrevo aqui nessa sala, nessa mesa e no computador. Não escrevo à mão, escrevo direto no computador. Tenho um aqui e um em casa. Às vezes, quando vou pra casa e quero continuar no mesmo ponto eu levo num pendrive o que eu fiz e continuo lá. É como se fosse um lugar único de escrever. Ninguém entra aqui e pra mim é importante. Preciso de silêncio, sou facilmente distraível. Quando me concentro, estou concentrado, mas com facilidade eu quebro essa concentração e viajo. Posso estar trabalhando uma parte importante do livro, e de repente giro a cadeira para a janela e vejo um avião, e fico olhando para ver se eles vão descer direitinho… Eu orientava teses como professor de pós-graduação, tinha uma escrita universitária acadêmica razoavelmente intensa. Tenho dez livros teóricos escritos, então era de se esperar que uma vez aposentado da universidade, que eu fosse… não digo surfar mas pelo menos fazer uma coisa mais distante, mas sempre tive vontade de fazer ficção. Não dava pra fazer ficção e trabalho teórico ao mesmo tempo, são modos de pensar e escrever diferentes. Então quando parei com meu trabalho na universidade, eu comecei a escrever.”
[Imagens: reprodução Sesc TV]
Jornalista. Trabalha com curadoria de informação, gestão de mídias sociais e criação de conteúdo digital. Em 2014, lançou o e-book “Os Maiores Detetives do Mundo” (Chris Lauxx). Contato: analaux@gmail.com
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"Posso estar trabalhando uma parte importante do livro, e de repente giro a cadeira para a janela e vejo um avião, e fico olhando para ver se eles vão descer direitinho…",
me identifico.
hahaha!! tão eu tb :p