Por Mateus Baldi – Quando Raphael Montes e eu sentamos para conversar sobre seu novo livro, Breaking Bad estava quase terminando e ele estava começando a surfar a onda do sucesso avassalador de Dias Perfeitos, seu segundo romance – e primeiro publicado pela Companhia das Letras. Lembro muito bem de como Rapha estava determinado a guinar em 180 graus as expectativas das pessoas e fazer um livro que, se não fosse revolucionário, pelo menos pudesse mostrar sua face mais honesta.
No início desse ano, quando a eleição de Donald Trump ainda era delírio, Raphael me mandou o original. Queria saber minha opinião. Uma semana depois, sentamos no Koni da Barata Ribeiro e, entre mordidas nas carnes mortas, debatemos o que ele estava querendo publicar. É arriscado, falei, mas vai em frente: tá na hora da humanidade se chocar direito. Ele foi.
Se “Suicidas” (finalista dos prêmios Benvirá, São Paulo e Machado de Assis) era a crônica brutal do esfacelamento das amizades e “Dias Perfeitos” surgia como uma Patricia Highsmith escrita por Stephen King, o próximo romance deveria ser algo completamente novo – mais sexo, mais violência, mais referências, mais tudo. Lançado em 20 de novembro, “Jantar Secreto” entrega o que promete – e como.
Equilibrado entre o rigor literário de “Suicidas” e a densidade psicológica de “Dias Perfeitos”, “Jantar Secreto” é a história de quatro jovens que deixam a fictícia Pingo D’água, no interior do Paraná, para levar a vida no Rio de Janeiro. Se a princípio cada um carrega um estereótipo – o mauricinho, o nerd, o gordo fodido, o certinho –, no desenrolar das 360 páginas vamos acompanhando a evolução (e involução) desses sujeitos extremamente bem desenvolvidos.
Quando o aluguel do apartamento atrasa em muitos meses, a solução encontrada é criar jantares sofisticados para conseguir a grana em tempo curto (Hugo, o mauricinho, é chef de cozinha). O que nenhum deles poderia esperar é que Leitão, o gordo fodido – e hacker, diga-se de passagem –, inventasse jantares de carne… humana. É a partir dessa espécie de Breaking Bad carioca que Raphael Montes vai desmontando uma série de conceitos e fazendo uma análise antropológica da humanidade enquanto nos brinda com seus já famosos plot twists – aqui surgindo de forma turbinada.
Conforme a orelha adianta, trata-se de um romance hiperbólico. O leitor mais exigente certamente estranhará alguns dos fatos narrados, embora todos sejam justificáveis mais ou menos adiante. A ausência de verossimilhança aqui e ali se parece muito com a empregada por Antonio Xerxenesky no ótimo policialesco F., lançado pela Rocco em 2014. O grande problema é o excesso de exclamações e frases ligeiramente truncadas, mas isso se deve mais a um descuido na preparação do livro do que um problema do autor – escritor escala o time, preparador conduz as jogadas e editor toca pro gol: “Jantar Secreto”, portanto, tem um ótimo time de personagens & tiradas & referências (dá-lhe Tarantino, Game of Thrones, Galinha Pintadinha, etc.), uma jogada capenga e um gol que encanta os olhos. Mas como diria o poeta, não existe gol feio; feio é não fazer gol.
No final das contas, esse terceiro romance adulto de Raphael Montes (ele lançou o fix-up O Vilarejo pelo selo Suma de Letras, dedicado ao público jovem) é uma ótima experiência que só confirma o prestígio conferido por gente do porte de Zuenir Ventura, Fernanda Torres, João Emanuel Carneiro, Marçal Aquino, Sophie Hannah, Jeffery Deaver e Scott Turow. A história desses quatro meninos é um banho de sangue e água fria na hipocrisia que nos circunda, fazendo o tempo todo questionarmos nossos hábitos – alimentares ou não; um Suicidas recheado de MDMA e cocaína, tal qual seu narrador-protagonista, o livreiro Dante. Bem-vindos ao inferno.
Título: Jantar Secreto
Autor: Raphael Montes
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 376
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SINOPSE – Um grupo de jovens deixa uma pequena cidade no Paraná para viver no Rio de Janeiro. Eles alugam um apartamento em Copacabana e fazem o possível para pagar a faculdade e manter vivos seus sonhos de sucesso na capital fluminense. Mas o dinheiro está curto e o aluguel está vencido. Para sair do buraco e manter o apartamento, os amigos adotam uma estratégia heterodoxa: arrecadar fundos por meio de jantares secretos, divulgados pela internet para uma clientela exclusiva da elite carioca. No cardápio: carne humana. A partir daí, eles se envolvem numa espiral de crimes, descobrem uma rede de contrabando de corpos, matadouros clandestinos, grã-finos excêntricos e levam ao limite uma índole perversa que jamais imaginaram existir em cada um deles.
(Imagem: Mateus Baldi)
Nasceu em 1994. É escritor e roteirista. Fundou a plataforma literária Resenha de Bolso, foi editor de cultura da revista Poleiro e colaborador de literatura no site da Piauí.
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Que livro!