Por Rogério Christofoletti – Na esquina da rua dos romances noir com a rua do terror, existe um lugar pouco habitado e bem mal iluminado. Nessa encruzilhada, poucos se aventuram porque o medo não é uma metáfora da fraqueza humana, é o próprio sangue que encharca as veias. Coração Satânico, de William Hjortsberg, é um dos raros empreendimentos que não só funcionam bem nas duas vias, como também sobrevivem ao tempo. Lançado originalmente em 1978, o livro traz uma autêntica história de detetive, atravessada pelo gênero terror, e que chega às prateleiras brasileiras com intenso vigor. Stephen King oferece o melhor resumo da obra: é como se Raymond Chandler tivesse escrito O Exorcista.
Caprichosamente narrado em primeira pessoa, “Coração Satânico” mostra os passos do detetive particular Harry Angel pelas agitadas ruas de Nova Iorque em 1959. Ele tem um caso: precisa encontrar Johnny Favorite, cantor de jazz de muito sucesso nos anos 40, e que ninguém sabe por onde anda. Seu contratante é um sujeito refinado e misterioso chamado Louis Cyphre, que teima em acreditar que o astro ainda esteja vivo apesar dos muitos boatos contrários. Angel precisa do dinheiro, as coisas não estão fáceis, e a missão parece ser tranquila e sem perigos. Os leitores não precisarão avançar muito para prever que o protagonista está enganado, e muito enrascado.
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O detetive busca as pistas que podem levar ao seu alvo, mas à medida que consulta as pessoas, um panorama tenebroso vai se apresentando: crimes violentos, situações macabras, sacrifícios vodus! Os dias se passam e Angel fica mais e mais confuso:
Quem é Johnny Favorite, afinal? Por que ele voltou da Segunda Guerra tão atormentado e louco? Quem está matando seus informantes? Por que aquela jovem sacerdotisa vodu chama tanto a sua atenção? Por que Cyphre quer reencontrar o cantor desaparecido? Estará mesmo vivo ou Favorite não passa de uma lenda americana?
Harry Angel é um herói trágico, daqueles que são atraídos inexoravelmente para a própria destruição. Envolvido num sobretudo surrado e com um revólver no bolso, caminha para seu destino com passos firmes, afinal ele conhece muito bem a cidade. “Detetives são como motoristas de táxi. Nós incorporamos a geografia ao trabalho”, responde para a mocinha agarrada ao braço. Seguimos Angel por avenidas pulsantes, vielas infectas, becos violentos e bairros de péssima reputação. Testemunhamos seus métodos questionáveis para a extração de informações. Rimos nervosamente com seu humor destemido. Tememos pela verdade que ele procura…
Como nas boas histórias policiais, a visão do leitor fica constantemente nublada. Isso quando não nos distraímos com rituais demoníacos ou tropeçamos em cadáveres. Aviso de amigo: “Coração Satânico” não é para principiantes. Requer estômago e sangue frio. Nas suas páginas estão alguns dos ingredientes mais elementares da literatura policial: alguém em busca de uma verdade incômoda, delicada e perigosa, nadando num redemoinho de sangue e morte. Há clichês também, como uma sexta-feira 13 e um prédio de número 666. Mas podemos atribuir isso a um Hjortsberg irônico e mordaz, divertindo-se ao mexer as cordinhas de suas marionetes.
No Brasil, o livro foi originalmente lançado em 1987, mesmo ano em que a história chegou ao cinema. O filme de Alan Parker é uma adaptação bastante fiel ao livro, embora a escalação de Mickey Rourke para o papel do detetive contrarie um pouco a descrição do personagem, nitidamente mais velho na história. Mas Rourke era lindo e estava na moda… Um luxo adicional é contar com Robert De Niro na pele do intrigante Louis Cyphre.
Duas notas curiosas:
1) O romance é resultado de um conto escrito por Hjortsberg na adolescência, mas aquela ideia demoníaca nunca abandonou sua mente. Era necessário esticar a jornada daquele homem assombrado pelas poucas lembranças do passado.
2) O título dado ao livro pelo autor é um trocadilho dos infernos, “Falling Angel” (Anjo Caído/A Queda de Angel). Nos cinemas, foi rebatizado como “Angel’s Heart” (Coração de Anjo/Coração de Angel). Os tradutores brasileiros esquivaram-se e preferiram algo mais luciférico: “Coração Satânico”.
Fora de catálogo há décadas, o mais conhecido livro de William Hjortsberg volta às mãos dos leitores brasileiros poucas semanas depois da morte do autor. Não, não foi o coração. Aos 76 anos, o escritor foi derrotado por um câncer no pâncreas. Um destino incontornável como o de Harry Angel. Na literatura policial ou na vida, é preciso encarar: alguns não têm salvação.
* Livro cedido pela editora Darkside Books.
Autor: William Hjortsberg
Tradução: Carla Madeira
Editora: Darkside Books
Páginas: 320
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SINOPSE – Coração Satânico se passa em Nova York, em 1959. Harry Angel é um detetive particular contratado para encontrar Johnny Favorite, um músico famoso que desaparecera após a Segunda Guerra Mundial. Psicologicamente transtornado com os campos de batalha, Johnny retornaria aos Estados Unidos em estado catatônico. Dias depois, ele some do hospital de veteranos, sem deixar rastros. O caso leva Harry Angel a se envolver com seguidores do vodu, assassinos e um cliente que não ousa perdoar velhas dívidas.x
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Jornalista, dramaturgo e professor universitário. Já publicou 12 livros na área acadêmica e escreveu oito peças de teatro. É um dos autores do e-book “Os Maiores Detetives do Mundo” (Chris Lauxx).
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O livro é ótimo e o filme é um dos melhores que eu já assisti no gênero.
É tão bacana quando acertam nas duas vezes, não é mesmo?!
Abraço, Ronaldo!