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Raphael Montes e sua roleta russa carioca na nova edição de Suicidas

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Por Rodrigo Padrini – Se você se considera um entusiasta da literatura policial, do mistério e do suspense, já deve ter se questionado sobre o seu lado sombrio, aquele lado escondido que te leva a escolher enredos bizarros e que faz coçar os dedos para ler as próximas páginas daquela trama sangrenta. Você talvez tenha se sentido meio culpado por estar curtindo demais as descrições detalhadas daquelas torturas de um belo livro de horror e preferiu nem comentar com ninguém. Afinal, o quão bem conhecemos as pessoas próximas de nós? Será que realmente conhecemos a personalidade dos nossos pais, filhos ou melhores amigos?

“Suicidas”, o primeiro livro escrito pelo hoje conhecido autor Raphael Montes, ganhou uma nova edição da Companhia das Letras, em agosto de 2017. O livro já foi comentado por aqui por nossa colunista Raquel de Mattos no ano passado – a edição anterior é de 2012, mas agora temos uma edição que traz, dentre outras novidades, um novo capítulo.

Em pouco mais de quatrocentas páginas, Montes apresenta, principalmente, inteligência na construção de uma trama que prende o leitor e que, por mais clichê que seja dizer isso, te mantém ligado até que a verdade apareça. Uma verdade inesperada e possível, dado a loucura de toda a situação desde o início.

Não é um livro sobre suicídio, mas ao mesmo tempo é. É um livro sobre a vida e sobre o melhor e o pior nos seres humanos. Sobre aquilo que podemos fazer para alcançar o que queremos, de forma egoísta, cruel, inteligente. É ficção e terror.

 

 

Mas, voltando às bizarrices e parafraseando Cazuza, coincidências sinceras me interessam. Cá estou, no ônibus, lendo um livro chamado “Suicidas” no mês de prevenção do suicídio, conhecido como Setembro Amarelo. O que as pessoas vão pensar? Bom, não interessa. Mas, pode piorar. Cá estou, lendo os capítulos, quando percebo que a história se passa exatamente no mesmo período, só que alguns anos atrás. Sim, na última semana de agosto e primeira semana de setembro. Medo? Um pouco. Proposital? Vai saber. Só sei que tudo isso aí tornou a leitura mais interessante, afinal leituras nos marcam afetivamente pelos fatos mais aleatórios.

Montes divide a narrativa, basicamente, de três formas. O diário de Alessandro – anotações aleatórias sobre suas experiências nos eventos que antecedem o prato principal, o livro escrito por ele durante a roleta russa catastrófica e a reunião das mães dos jovens mortos com a delegada de polícia responsável pelo caso, um ano depois. Para mim, a divisão tornou o livro dinâmico e atiçou minha curiosidade. Em alguns momentos, quis pular o diário do Alessandro porque os outros dois formatos estavam bem mais interessantes. No entanto, me contive e a experiência na ordem escolhida pelo autor fez bastante sentido.

Lembra que eu falava dos relatos sangrentos e do seu lado sombrio? Então, é bem possível que ele resolva lhe visitar ao longo de alguns capítulos. Muita coisa bizarra e nojenta acontece, mas de uma forma crível, nada muito fora da realidade ou exagerado. É bem possível que os eventos narrados acontecessem de forma bem parecida em uma ocorrência real. Afinal, jovens de classe média alta resolveram se matar coletivamente e se juntaram em um porão para fazer isso, escolhendo um método nem um pouco ortodoxo: a roleta russa, regada a álcool e drogas.

 

Sou curioso. Assim como você, leitor, que percorre com avidez estas linhas, eu queria saber exatamente o que ia acontecer. Por mais macabro que fosse. Por mais louco. E não me importo. Não se importe você também. Ninguém está olhando… Ninguém vai nos condenar por estes segundinhos de sordidez…”

 

Tive acesso a três livros do Raphael Montes: Dias Perfeitos, O Vilarejo e Suicidas, nesta ordem. O último é o melhor, em minha opinião, apesar de ser o primeiro a ser escrito. Quando escrevi minha resenha sobre Dias Perfeitos, talvez o tenha superestimado um pouco e hoje seria menos gentil ao avaliá-lo. Ao contrário do que ocorre em Suicidas, a trama se torna pouco possível em alguns momentos e o final não me agradou muito, como também observei em outras resenhas por aí. Mas, livros não são feitos para agradar ninguém, claro. Entretanto, “Suicidas” me agrada, inclusive com o novo capítulo maluco desta edição. A bizarrice fica bem próxima da realidade e dá até pra comprar ainda mais a forma como tudo aconteceu.

 

A escolha do autor por trazer a perspectiva de Alessandro – é um dos jovens que resolve escrever um livro enquanto toda a trama da roleta russa e do suicídio coletivo acontece – como um dos registros da história é, ao mesmo tempo, fundamental e questionável, e um dos pontos fracos do livro, em minha opinião. Li críticas parecidas em outros blogs e, realmente, em vários momentos é difícil imaginar como isso aconteceria na prática, ainda mais se tratando de registro em papel e caneta, no calor do momento. Ainda mais com a quantidade de merda que começa a acontecer.

 

Era interessante como a postura mudava ao receber a arma. Mais do que um objeto metálico, o revólver carregava um peso moral, a hesitação diante do futuro, o medo estampado nos olhos trêmulos”

 

Entretanto, se não fosse da forma como é, não teríamos a história e a experiência não seria interessante como é. A proposta perderia o seu valor original. Então, vale a pena deixar um pouco de lado o questionamento crítico de como a coisa acontece, para só viver o enredo. A dinâmica com datas, relatos e apresentações dos personagens, e suas intimidades pouco a pouco reveladas, dão o tom do livro.

Em suma, “Suicidas” é um romance policial que cumpre o seu papel de entretenimento e garante bons momentos. Um pouco chocante, um pouco sangrento, mas nada que ultrapasse o limite do razoável. Bons personagens, boas cenas, bons diálogos. Se for começar a ler Raphael Montes, comece por este.

(Imagens: Rodrigo Padrini Monteiro)

Título: Suicidas
Autor: Raphael Montes
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 432
Formato: 14 x 21 cm

SINOPSE – Antes que o mundo pudesse sonhar com o terrível jogo da baleia azul, que leva jovens a tirar a própria vida, ou que a série de televisão Thirteen Reasons Why fosse lançada e se tornasse o sucesso que é hoje, Raphael Montes, então com 22 anos, já tratava do tema do suicídio entre jovens com a ousadia que virou sua marca registrada. Em seu primeiro livro, que a Companhia das Letras agora relança acrescido de um novo capítulo, conhecemos a história de Alê e seus colegas, jovens da elite carioca encontrados mortos no porão do sítio de um deles em condições misteriosas que indicam que os nove amigos participaram de um perigoso e fatídico jogo de roleta russa. Aos que ficaram, resta tentar descobrir o que teria levado aqueles adolescentes, aparentemente felizes e privilegiados, a tirar a própria vida. Para isso, contamos com os escritos deixados por Alê, um narrador nada confiável.

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