O TREM JÁ VAI SAIR – Fãs mais conservadores não aceitarão as mudanças pontuais deste Poirot no deslumbrante Assassinato no Expresso do Oriente. Mas é isso mesmo que Kenneth Branagh entrega aos admiradores de Agatha Christie, um filme deslumbrante, com um elenco tão luxuoso quanto a famosa rota que teve início em 1883. Tomadas de tirar o fôlego nos convidam a viajar no mítico trem que parte dessa vez de Istambul, e não de Aleppo (como originalmente no livro), até Paris.
Poirot investiga quem matou um dos passageiros num ambiente onde todos são suspeitos, todos estão confinados no mesmo espaço e estacionados após uma avalanche parar o trem. Dito isso, é verdade que Branagh é o Poirot do momento. Ele encarna o detetive belga como o entende, imprimindo-lhe injeções incomuns de testosterona, arroubos súbitos, um sotaque perfeito e gritos incomuns à sutileza mordaz do Poirot dos livros. É uma interpretação com personalidade, uma leitura pessoal de um excelente ator aficionado por histórias policiais. Talvez Kenneth tenha se perguntado de que adianta repetir o que já foi feito antes, e tão bem, por gente como Sidney Lumet e David Suchet? De que adianta ser a cópia da cópia quando se pode trabalhar sob uma perspectiva autoral e desafiadora?
Talvez seja comum nutrirmos uma sensação de pertencimento de nossos personagens favoritos, como se, após compreendê-los, tentemos guardá-los numa caixinha particular e irretocável. Idealizamos do fio do bigode ao sorriso lacônico, do gênero ao corte de cabelo, da bengala aos passos cadenciados. Não queremos botões fora do lugar. Não gostamos de risadas bizarras. Conservar para entender.
Em Assassinato no Expresso do Oriente, a estrela é Poirot (e não se espera menos do que isso, sinceramente). Apesar do elenco de luxo, com nomes como Judi Dench e Penélope Cruz, o detetive é a estrela por direito. Mas há outros aspectos que também chamam a atenção, como as ótimas atuações de Michelle Pfeiffer e da própria Judi Dench, além da direção de arte e o figurino de época perfeitos. Há ainda as jogadas de câmera que valorizam cenas e o perfeccionismo sempre engraçado de Poirot, embalado dessa vez pelo carisma de Branagh. Faz falta uma trilha sonora mais marcante, substituída pelo silêncio de Poirot enquanto caminha pela neve, procurando respostas para um crime incompreensível.
O filme é, antes de tudo, uma boa oportunidade para novas gerações se apaixonarem pelas histórias de Agatha Christie. Foi assim com meu filho que, com 13 anos, saiu do cinema com um brilho nos olhos após os créditos finais. “Mãe, eu adivinhei o que aconteceu lá no finalzinho”, disse entusiasmado, um dia após me pedir uma recomendação para começar a ler os livros da Rainha do Crime. É por isso que espero ansiosamente por mais filmes com nosso detetive. Bem vindo aos cinemas da nossa estação, mon ami Poirot.
Jornalista. Trabalha com curadoria de informação, gestão de mídias sociais e criação de conteúdo digital. Em 2014, lançou o e-book “Os Maiores Detetives do Mundo” (Chris Lauxx). Contato: [email protected]
Olá, concordo plenamente com a sua crítica. Minha filha também foi comigo, mas havia uma senhora que um pouquinho antes da revelação no filme gritou dentro do cinema (XXXXXXXXXXXXXXXXX) Tirou toda emoção do momento. Torço para que venham mais filmes da Rainha do Crime, é sempre uma emoção.
Oi Taís! Eu editei o seu comentário por causa do spoiler. Mas que senhora mais sem noção, hein? O próximo filme será Morte no Nilo <3