Por Rogério Christofoletti – O presidente dos Estados Unidos é intempestivo, politicamente incorreto, fanfarrão e não tem nenhum respeito pelo cargo que ocupa. Publicamente, anda trocando insultos com a Coréia do Norte, espeta as pessoas pelo Twitter e não se importa em ofender imigrantes e minorias. É uma figura polêmica, que coleciona escândalos, e parece ter um prazer especial em ser desagradável. Não, não estou falando do homem eleito há um ano, para pavor do resto do planeta. A descrição acima está em Matem o presidente, thriller quentíssimo que acaba de chegar às livrarias brasileiras e que fecha o ano com tudo.
Assinado por Sam Bourne, Matem o presidente poderia ser mais uma história de conspiração típica do cinema e de best-sellers de aeroporto, mas a proximidade vertiginosa com a realidade atual e um corajoso ceticismo estrangeiro salvam a missão. Eu explico.
No romance, o irascível presidente dos Estados Unidos cai numa provocação dos norte-coreanos e decide iniciar um ataque nuclear. Perto do fim do mundo, o que se quer é parar o homem, mas quem pode fazê-lo? Ele parece incontrolável, parece o foguete que escapa de sua rota e tem tudo para atingir o que vem pela frente. Quando manobras políticas fracassam e quando as soluções constitucionais parecem distantes, resta apenas uma saída: acabar com ele, de uma vez por todas. Confesse: você já pensou nessa solução após ver os tuítes mais desnecessários e idiotas disparados pelo inquilino da Casa Branca.
É esse jogo de espelhamento com a realidade que torna Matem o presidente uma experiência eletrizante. A todo momento, reconhecemos parte do noticiário cotidiano e nos escandalizamos com as atitudes de personagens reais que teriam tudo para ser fictícios. A todo momento, revisitamos sentimentos de repulsa e indignação, revolta e ódio. Sim, é fácil detestar racistas, xenófobos e machistas. É fácil torcer para que eles se dêem mal e que provem do próprio veneno. Ansiamos para chegar rápido a um final feliz porque desejamos virar essa página de ignomínia internacional. Somos invariavelmente atraídos para uma zona cinzenta cujas fronteiras entre ficção e realidade já se perderam. Então, de forma habilidosa, Sam Bourne alimenta nossa fúria leitora para que cheguemos enfim a um momento de purgação do mal… Com um detalhe: diferente das patriotadas estadunidenses a que estamos acostumados, o autor adota uma postura menos ingênua e adesista. Isso porque Sam Bourne, na verdade, é Jonathan Freedland, premiado e experiente jornalista inglês que já cobriu Washington, mas não precisa jurar pela bandeira norte-americana. Autor de outros cinco romances, Bourne opera numa margem menos rígida, livre do civismo quase religioso pós-11 de setembro.
A Casa Branca esculpida por Bourne exibe um orgulho obsceno de ser intolerante e imperialista, mas ela ainda abriga ocupantes da gestão anterior, que hoje estão na oposição. A rigorosa funcionária do departamento jurídico Maggie Costello é o melhor exemplo desses infiltrados, e é justamente ela quem descobrirá que existe um plano para matar o comandante-em-chefe da maior máquina de guerra do planeta. A força do romance de Bourne está justamente na insistência de invocar um dilema moral: Maggie deve evitar o assassinato e deixar o mundo à mercê de um fanático ou deve ignorar seus princípios e se omitir? Tal dilema não fica restrito à protagonista, e é muito possível que o leitor se sinta confuso ao perceber que está torcendo para que o execrável presidente seja poupado e nossa heroína salve o dia.
De complô em complô, desfilam sorrateiros pelos corredores da Ala Oeste todos os tipos de personagens: ambíguos e salientes, desvairados e controlados. Não importa quem são. Estamos em Washington, a capital federal, a cidade onde o oxigênio do poder é rarefeito e há muitas narinas querendo aspirá-lo.
Em matéria de suspense, o livro reserva bons momentos graças à costura caprichosa de um enredo que não se rende a invencionices apressadas e ridículas teorias conspiratórias. Duelos com diálogos cortantes, capítulos curtos e muita malícia política fazem de Matem o presidente uma leitura viciante. Assim, as mais de quatrocentas páginas são devoradas em um ou dois dias. Anunciado no exterior como “o thriller mais explosivo do ano”, o livro chega ao Brasil apenas seis meses depois de ser lançado nos Estados Unidos, e sua edição nacional tem um minúsculo pecado: na página 296, trocaram o nome de um personagem. Um deslize tão insignificante que não valeria nem um tuíte, mesmo para quem tem dedos nervosos e muito topete…
Título: Matem o Presidente
Autor: Sam Bourne
Tradução: Clóvis Marques
Editora: Record
Páginas: 406
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SINOPSE – Um plano para matar o presidente e um dilema moral unidos em um thriller explosivo. Aquilo que ninguém acreditava aconteceu… Os Estados Unidos elegeram como presidente um homem instável, machista e demagogo, apoiado por seu implacável estrategista, Crawford McNamara. Quando uma guerra de insultos com o regime da Coreia do Norte foge do controle e leva o presidente a ordenar o lançamento de um ataque nuclear, o que coloca em risco o mundo inteiro, fica claro que alguém precisa agir antes que a humanidade seja reduzida a cinzas. Assim, quando Maggie Costello, uma experiente funcionária de Washington e fiel aos seus princípios — completamente opostos aos do atual presidente —, descobre um plano dentro da própria Casa Branca para matar o presidente dos Estados Unidos, ela se depara com um grande dilema moral: ela deve salvá-lo, deixando o mundo à mercê de um tirano desequilibrado, ou trair seu comandante em chefe e arriscar lançar o país em uma guerra civil?
Jornalista, dramaturgo e professor universitário. Já publicou 12 livros na área acadêmica e escreveu oito peças de teatro. É um dos autores do e-book “Os Maiores Detetives do Mundo” (Chris Lauxx).
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