Um Pequeno Favor é uma obra burocrática e sem personalidade

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Por Josué de Oliveira – Um Pequeno Favor (Bertrand Brasil, 336 páginas, R$ 42,90) é a estreia literária da professora Darcey Bell, natural de Iowa, EUA, e mais um dos muitos livros que se situam dentro do chamado noir doméstico, sub gênero popularizado por obras como Garota Exemplar e A Garota no Trem. Uma citação na capa, inclusive, afirma que o thriller de Bell vem sendo considerado o sucessor dos hits de Gillian Flynn e Paula Hawkins. A verdade, no entanto, é menos animadora. O que temos aqui é uma tentativa de emular fielmente muitos dos elementos de trama e tema de seus antecessores. O resultado não é dos mais promissores.

A história nos apresenta a Stephanie, viúva, mãe em tempo integral de Miles e autora de um blog sobre maternidade. Através de seus posts, ficamos sabendo que sua grande amiga, Emily Nelson, está desaparecida. Emily havia lhe pedido um favor: que pegasse seu filho Nicky na escola, pois chegaria tarde do trabalho. Stephanie aceita de bom grado, feliz em ajudar a amiga e em ter o melhor amigo de seu próprio filho por perto. Mas Emily não volta para casa. Dias se passam, aumentando a ansiedade, até que um corpo é encontrado. Só que isso talvez não seja o fim do tormento.

 

Partindo de um mote muitíssimo batido – todo mundo tem segredos –, Darcey Bell utiliza os recursos que já se tornaram padrão em tantos thrillers contemporâneos.

 

Narradores cuja vidas perfeitas são fachadas para algo sombrio: confere. Fatos contados a partir de diversas perspectivas, mostrando que ninguém é 100% confiável: confere. Mudanças de ponto de vista para enfatizar o clima de nada-é-o-que-parece-ser: confere. O cenário será familiar para quem acompanha as publicações mais recentes do gênero. A autora jamais tenta se desviar das convenções.

Parece que Garota Exemplar é especificamente o modelo seguido. Há certo ponto de virada em Um Pequeno Favor que surge mais ou menos na mesma altura que uma virada idêntica no livro de Flynn. De modo semelhante, a motivação de uma das personagens é um aceno explícito em direção à Amy Dunne, uma das protagonistas de Garota Exemplar.

O problema é que a escrita de Darcey Bell não chega perto da de Flynn, que maneja a variação de vozes de maneira mais natural e imprime nos acontecimentos como um todo uma aura de ambiguidade e tensão crescente que Um Pequeno Favor não consegue reproduzir. A história se arrasta sem grandes mudanças de tom por mais de cem páginas, mera sucessão de eventos, e só daí em diante, com a primeira troca de ponto de vista, temos a inserção de algum suspense. Garota Exemplar, por sua vez, nos deixa desde o começo inquietos não apenas pelo desaparecimento que abre o romance, mas por uma sensação constante e palpável, provocada pelos relatos conflitantes, de que podemos estar sendo enganados.

O quesito em que a autora demonstra mais segurança é o gerenciamento das revelações e reviravoltas na trama. Bell oculta bem os segredos de seus personagens, encontrando momentos precisos para plantar as sementes do que descobriremos mais tarde. Numa narrativa sobre segredos, esse controle de informações é essencial, e o fato de serem os próprios protagonistas – na maioria das vezes – a expor a verdade ao leitor, por meio do recurso da primeira pessoa, cria uma atmosfera de confissão, como se aquelas pessoas precisassem contar a alguém, qualquer um, quem de fato são.

Por melhor que seja em surpreender, no entanto, a estreante nem sempre acerta no conteúdo das surpresas. Uma reviravolta em especial, central à história, apoia-se numa combinação quase impossível de sorte e incompetência policial. Este último ponto é particularmente irritante: nenhum agente da lei em Um Pequeno Favor parece ter mais que meia dúzia de neurônios funcionais. Só isso explica o fato de terem deixado passar o componente fundamental da grande virada do livro, que outro personagem, sem qualquer habilidade detetivesca, descobre com bastante facilidade quando ambos estão na mesma situação. Ao invés de causar impacto, a revelação soa inverossímil, quase inacreditável, e essa falta de solidez compromete decisivamente o todo.

Com personagens quase sempre desinteressantes, quando não puramente chatos – sobretudo Stephanie –, um tema que nunca é trabalhado para além das obviedades e um enredo que só se sustenta quando se fecha os olhos para os buracos, Um Pequeno Favor erra ainda no final, ao se estender mais do que o necessário. Darcey Bell inicia sua carreira com uma obra burocrática e sem personalidade, que nada acrescenta a um sub gênero já um tanto saturado.

Título: Um pequeno favor
Autora: Darcey Bell
Tradução: Carol Mesquita
Editora: Bertrand Brasil
Páginas: 336
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SINOPSE – Quando sua melhor amiga, Emily, pede a Stephanie para buscar seu filho Nicky na escola, ela alegremente concorda. Nicky e seu filho, Miles são melhores amigos — exatamente como ela e Emily. Mas Emily não volta. Ela não atende ao telefone ou responde às mensagens. Stephanie sabe que algo está terrivelmente errado. Aterrorizada, ela busca ajuda nos leitores do seu blog. Até que ela e Sean, marido de Emily, recebem notícias chocantes: Emily está morta. O pesadelo de seu desaparecimento finalmente chegou ao fim. Ou será que não?

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