resenha

Nas Profundezas, a descrição de uma missa satânica por JK Huysmans

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Via Leila Carvalho – O francês J.-K. Huysmans (1848-1907) é o autor de “Às Avessas” ou “Au Rebours”, um livro de capa amarela que, alcunhado de “bíblia do decadentismo”, teria pervertido Dorian Gray, personagem emblemático de Oscar Wilde.

Excêntrico, hermético, mal compreendido e pouco lido, Huysmans voltou aos holofotes recentemente graças à Michel Houellebecq e seu romance “Submissão” cuja personagem principal é um professor de letras da Sorbonne especializado na obra do escritor que serve como fio condutor da história.

Em nosso país, enquanto viveu, o escritor chegou a ter admiradores. Seus livros, em francês, podiam ser encontrados nas boas livrarias e sua morte foi noticiada sem atraso nos jornais. Curiosamente, diferente do que ocorreu na França, não foram seus livros naturalistas que conquistaram os brasileiros, mas uma série de temática religiosa, o ciclo Durtal, que se inicia com um livro bizarro, Nas Profundezas ou “La Bás”, por conta das cenas de sexo adúltero, tortura, pedofilia, infanticídio, vampirismo, necrofilia, sodomia e até uma missa negra que o escritor afirmava já ter presenciado.

 

Em linhas gerais,  o romance se aproxima da vida de Huysmans, quando na maturidade, a vida mundana entrou em conflito com seu desejo de maior espiritualidade. Nele, Durtal (protagonista, narrador e alter ego) descreve seu dia a dia que culminará com a conversão ao catolicismo, apresentada passo a passo nos três volumes seguintes: “En Route”, “La Cathédrale” e “L’Oblat”.

 

Por Leila Carvalho – Marcado preocupações estéticas e pela linguagem bem cuidada que se distingue pelo emprego de arcaísmos e neologismos, o romance possui três camadas narrativas que se sobrepõe: um adultério tratado com certa ironia; a biografia de Gilles de Rais, um pedófilo assassino que combateu ao lado de Joana D’Arc; e o processo de pesquisa e escrita desta biografia que leva Durtal a pesquisar sobre o Satanismo na Idade Média e conhecer qual rumo tomou no século XIX, isto é, em pleno apogeu do Positivismo.

Para tanto, são imprescindíveis suas relações com um grupo bastante heterogêneo formado pelo estranho casal Chantelouve, o médico Des Hermies, o sineiro Carhaix e o astrólogo Gévingey. Visitando e sendo visitado, são as longas as conversas que acabam trazendo à luz o saber enciclopédico de Huysmans sobre os mais variados e invulgares assuntos, como hagiografia, simbologia das pedras preciosas, ocultismo, alquimia e interpretação dos sonhos, dando como referência vários livros e documentos antigos.

Quando vi o romance anunciado, confesso que fiquei em dúvida se deveria comprá-lo. Resolvi arriscar e não me arrependo, meu receio era injustificado. A leitura não foi cansativa e de fácil compreensão, exigiu apenas acessar a internet para conhecer algumas pinturas mencionados por Durtal, como a “Crucificação”, de Matthias Grünewald, exposta no Museu de Cassel na Alemanha. Em contrapartida, as atrocidades cometidas por Giles de Rais e a descrição da Missa Negra são  perturbadoras, mas indubitavelmente perderam boa parte de seu impacto durante o último século, de maneira, portanto não foram suficientes para que eu desistisse de Durtal.

Por sinal, cabe mencionar que, apesar de abordar sexo, perversão e violência, a narrativa transcende esta perspectiva. Como é explicado no posfácio por Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina, professor de literatura da UFRJ e membro da “Société Huysmans”: “Ainda não superamos certas questões do século XIX levantadas em “Nas Profundezas”. A religião está na ordem do dia. Os crimes bárbaros se multiplicam. Buscamos refúgios, concretos ou abstratos, para escapar do turbilhão urbano e da sociedade cada vez mais massificada. O progresso só decepciona. E a literatura, longe do prestígio que gozava outrora e ainda conservando uma visão romântica de si mesma, continua a repisar antigas questões. Huysmans, um pessimista sarcástico e provocador, está sempre pronto a nos tirar da zona do conforto. Vale o desafio.”

Finalmente, realizada por Mauro Pinheiro, esta é a primeira tradução de “La Bás” para o português. Ela foi encomendada pela Editora Carambaia que colocou à venda apenas 1000 exemplares numerados que se destacam pela qualidade do papel escolhido, a cuidadosa diagramação e o fino acabamento. Também gostaria de mencionar o projeto gráfico cuja capa em relevo faz alusão a hóstia sagrada e exibe uma cruz invertida, símbolo do Satanismo. Cinco estrelas!

 

SOBRE O LIVRO

Título: Nas profundezas
Autor: J.-K. Huysmans
Tradução: Mauro Pinheiro
Editora: Carambaia
Páginas: 400
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SINOPSE – J.-K. Huysmans (1848-1907), com o romance “Às avessas” (“À rebours”, 1884), tornou-se o escritor máximo do decadentismo francês, o movimento de reação ao naturalismo e à sociedade tecnológica de massas que se anunciava no final do século XIX. Em seu romance posterior, “Nas profundezas” (“Là-bas”, 1891), que a CARAMBAIA publica agora no Brasil em tradução inédita de Mauro Pinheiro, o escritor voltou-se para um assunto que desafiava a racionalidade científica e vinha despertando interesse entre alguns setores da sociedade francesa: o satanismo. O livro traz a descrição de uma missa negra (satânica), feita, segundo o autor, de acordo com uma experiência verídica. Foi um dos motivos da notoriedade do livro. A par de suas qualidades como literatura e documento, “Nas profundezas” provocou escândalo pela descrição das atrocidades cometidas por um padre satanista da Idade Média e pela dubiedade moral de seus personagens contemporâneos. Leitores pressionaram para que fosse suspensa sua publicação serializada no jornal “L’Écho de Paris”, o que não aconteceu. Ao ser lançado em livro, a venda do romance chegou a ser proibida nas livrarias de estações ferroviárias. Nascido em Paris e batizado como Charles-Marie-Georges Huysmans, o escritor era filho único de um litógrafo e miniaturista holandês e de uma professora francesa. Aos 20 anos, iniciou uma carreira de três décadas no Ministério do Interior francês, que lhe deu sustento para atuar na literatura. Ao lançar, às próprias expensas, seu primeiro livro, uma reunião de poemas, adotou, em homenagem à família do pai, o nome holandês Joris-Karl Huysmans. Seus livros seguintes usariam as abreviaturas J.K. ou J.-K. A edição da CARAMBAIA de “Nas profundezas” traz posfácio de Pedro Paulo Catharina, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro da Société Huysmans. O projeto gráfico de Lucas Blat faz alusão à missa satânica e à hóstia sagrada, costumeiramente dessacralizada nesse tipo de cerimônia.

 

 

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