resenha

Onda de Crimes explora os vários caminhos que a ficção policial pode trilhar

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Por Josué de Oliveira – Selos e coleções dedicados à literatura policial não são mais tão populares quanto já foram. Por isso, é motivo de comemoração quando vemos novos surgirem. Em 2018 foi anunciado o M0rgue, selo de suspense e thrillers da editora paulista Lendari. Agora, um novo representante chega ao mercado.

Nascido da parceria entre a editora Avec e o escritor, editor e tradutor César Alcázar – um dos responsáveis pelo evento Porto Alegre Noir –, surge o Safra Vermelha, batizado em homenagem à obra do norte americano Dashiell Hammett, um dos grandes expoentes do gênero. A primeira publicação do selo já está na praça: trata-se de Onda de Crimes, antologia que reúne contos de três autores brasileiros, além de dois representantes da Argentina e um uruguaio.

O resultado é uma obra de rara qualidade, com textos diversificados que apontam os muitos caminhos que a narrativa policial pode trilhar, das suas facetas mais lúdicas às mais sombrias. A opção de congregar um número menor de contos traz como compensação uma média de tamanho maior para cada um, dando mais tempo aos autores e autoras para mostrar o que sabem.

Seguem comentários sobre cada um dos textos, na ordem em que figuram na antologia.

 

 

Teia de aranha, de Nicolás Ferraro

No conto de abertura, o retorno de um pai após uma de suas misteriosas ausências muda a dinâmica de uma família argentina. O suspense é construído a partir do olhar da filha mais velha e seu crescente entendimento sobre o tipo de homem que têm como pai. Trata-se de uma narrativa enxuta sobre a perda da inocência e a força inescapável dos laços de sangue, em que o crime e a violência surgem como uma inesperada explosão. Ferraro trabalha com uma linguagem contida, até seca em alguns momentos, e conduz os acontecimentos para um final que reitera a condição vulnerável dos personagens. Ótimo conto.

 

O Estranho, de Cláudia Lemes

Um homem encontra um recibo de loja de penhores e decide ir atrás do item penhorado antes de tomar um trem de volta para casa, onde a esposa e o filho recém-nascido o aguardam. No caminho de volta para a estação, um estranho passa a segui-lo. Aqui temos um texto mais tradicional, que se apóia em trama e reviravoltas para prender o leitor – e é bem-sucedido nesse sentido. A autora é competente na criação do clima de perseguição e paranóia que acompanha o protagonista, e entrega um final cheio de surpresas.

 

A fronteira do acaso, de Kike Ferrari

Um brasileiro, uma paraguaia e um argentino se envolvem enquanto aguardam na tríplice fronteira o barco que os levará ilegalmente para a Argentina. Kike trabalha a ideia de fronteira não apenas como a localização física onde indivíduos se encontram, mas como metáfora para limites que jamais se imaginaram capazes de ultrapassar. O sinuoso relacionamento entre os personagens é o foco principal do conto, que, em termos de complexidade temática, é o que mais se destaca na antologia, em minha opinião.

 

Rosa, de Paula Bajer

Num domingo pacato, uma mulher ouve tiros vindo da casa do vizinho. Este é o mote do menor do conto do livro, em que uma professora se vê enredada num crime cometido na casa ao lado e procura entender o que aconteceu. O texto é direto e ágil, pode-se dizer que até mesmo despretensioso. O desenvolvimento da trama é simples e o final um pouco abrupto, mas impactante. Não é nem de longe um conto ruim, mas foi o que menos me chamou a atenção na coletânea.

 

Os Pregadores, de Rodolfo Santullo

Mortes estranhas começam a ocorrer na pequena Punta del Diablo, no Uruguai, todas aparentemente relacionados com um misterioso homem de semblante abatido que ninguém nas redondezas sabe quem é. Temos aqui uma história de investigação mais calcada na narrativa policial clássica – assassinatos, investigação policial –, mas que não hesita em se afastar dela e buscar direções mais peculiares. O enredo toma um caminho que flerta com o horror cósmico e apresenta um desfecho sombrio e um tanto pessimista. Meu favorito da antologia.

 

Aqui há monstros, de César Alcázar

Um ex-policial alcoólatra atende ao pedido da prima e se envolve numa desastrada investigação para descobrir o paradeiro de seu tio, que anda metido com tipos meio suspeitos. O conto se situa dentro do subgênero hardboiled, apresentando um detetive relutante, perseguido por tragédias passadas. Em meio a alguns clichês, Alcázar consegue criar momentos marcantes, como a explicação dos motivos do “criminoso” e acompanhamento das consequências traumáticas do caso na vida do protagonista, encerrando o texto com um final pesado e reflexivo.

 

Nenhum texto ruim, portanto. Onda de Crimes é uma obra que fãs do gênero farão bem em conferir, e uma ótima estréia para o selo Safra Vermelha.

 

SOBRE O LIVRO

Título: Onda de Crimes
Autores: Cesar Alcázar (Compilador, Tradutor, Autor), Nathaly Nalerio (Tradutor), Andrea Kahmann (Tradutor), Cláudia Lemes (Autor), Kike Ferrari (Autor), Nicolás Ferraro (Autor), Paula Bajer (Autor), Rodolfo Santullo (Autor)
Páginas: 120
Editora: AVEC
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SINOPSE – Atividades suspeitas, tramas macabras, assassinatos misteriosos, desaparecimentos… Nas regiões isoladas e ermas até nas ruas apinhadas das grandes cidades, o crime está sempre à espreita. Reunindo contos de autores do Brasil, Uruguai e Argentina, Onda de Crimes é emoção do início ao fim! O lado mais sombrio da existência humana está à solta em Onda de Crimes, uma antologia que reúne algumas das principais vozes da Literatura Policial latino-americana atual. Da Argentina, Nicolás Ferraro aborda as agruras de uma jovem que acaba envolvida nas aventuras ilegais do próprio pai. Já seu conterrâneo, Kike Ferrari, mergulha nas tensões da tríplice fronteira entre Paraguai, Argentina e Brasil. Nascido no México, mas radicado no Uruguai, Rodolfo Santullo apresenta uma série de mortes desconcertantes no inverno sombrio de Punta del Diablo. Do Brasil, Cláudia Lemes investe no suspense ao retratar um homem vítima de uma perseguição que não consegue compreender. O feminicídio é a base da história narrada por Paula Bajer, na qual uma mulher suspeita que o vizinho é um assassino. Por fim, Cesar Alcázar mostra que segredos obscuros do passado podem gerar uma explosão de violência.

 

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