O assassino que mutilava Leminski, por Anísio Homem
Por Rogério Christofoletti – A reedição da obra de Paulo Leminski tem provocado um conjunto de fatos inusitados, e eles combinam muito bem com o provocativo poeta curitibano. Quem diria que um livro de poesias se tornaria um best-seller nacional? E quem arriscaria dizer que um poeta morto há mais de vinte anos faria um sucesso tão arrebatador com uma coletânea de seus versos?
Não bastasse o frenesi de “Toda Poesia” e outros volumes de volta às prateleiras, Leminski continua causando. Vejam vocês que em sua própria cidade, assombrou outro poeta a escrever um livro policial! Assim, Anísio Homem chega às livrarias com “O assassino que mutilava Leminski” (Letras Contemporâneas – Editorial Sobrado Verde). Na trama, um matador-em-série espalha corpos pelas ruas e, de quebra, adultera versos do “polaco cachorro-louco”. A cada vítima, um segundo crime para os amantes das letras: o de lesa obra.
Para investigar a sequência de mortes, o autor coloca em cena Igor Makoviec, um jornalista policial aposentado que divide sua tranquila vida entre visitas semanais da namorada Cristina e as marotices do gato Copérnico. Seguindo o que já podemos chamar de certa tradição brasileira, este “detetive” é brejeiro, hedonista e bom bebedor. Está mais para a linha de Ed Mort (de Luis Fernando Verissimo), D.T.Tive (de Jair Francisco Hamms) e Mandrake (Rubem Fonseca), e quase não tem parentescos com Bellini (Tony Bellotto) e Espinosa (Luiz Alfredo García-Roza). Na classificação mundial dos heróis, poderia ficar no escaninho dos picarescos, embora tente se levar a sério mas nunca renuncie aos prazeres carnais.
Makoviec transita com facilidade pela capital paranaense, desafiando o frio e o próprio estômago com carne de onça, barreado e pinhão, sempre acompanhados de cerveja, vinho ou vodca, como requer sua descendência polonesa. É quase um sessentão, o que o obriga a estar um pouco acima do peso, como bem convém aos machos desta espécie.
O peso não chega a interferir em seu desempenho. Aliás, é o contrário que chama a atenção nas páginas de “O assassino que mutilava Leminski”. A leitura é leve e rápida. A prosa é muito próxima da oralidade, carregada de gírias antigas e de trocadilhos enferrujados, dois aspectos que posicionam Makoviec num tempo que já passou. Se sua fala é retrô, o homem não parou no tempo, pois investe firme na busca por pistas no Facebook, Google e Whatsapp, que acessa em seu IPad. Este contraste faz dele um personagem fronteiriço, apropriado para uma história de crimes.
Ao contrário do que informa a orelha do livro, não temos aqui um romance policial, mas uma novela. O autor tem plena consciência disso, assim como não renega uma importante função do gênero policial: entreter. Isso mesmo! Não se trata de um processo judicial nem de uma tese de doutorado, mas de uma trama policial que estimule a sua curiosidade e o atraia até o ponto final. De forma leve e despretensiosa, Anísio Homem entrega o que promete.
Atrás dos espessos bigodes, Leminski verte mais um trago. Diante do resultado de sua assombração, ri do próprio verso: “Chutes de poeta não levam perigo à meta”.
Título: O assassino que mutilava Leminski
Autor: Anísio Homem
Editora: Letras Contemporâneas
Páginas: 116
Ano: 2014
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SINOPSE – Por que alguém mata outro se humano e deixa pequenos poemas como uma mensagem desafiadora? Uma vida merece ser trocada por algumas palavras num papel? Que sentido há nisso? Nada roubado, nada. Apenas as vidas. Além de tudo, o criminoso parece querer zombar do poeta mais eminente da cidade. Esclarecer os crimes, pôr fim aos assassinatos e terminar com a carreira de plagiador do assassino é o que vai fazer Makoviec dar um tempo em sua mansa vida de repórter policial aposentado e sair a campo para desvendar o mistério que assola Curitiba.
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Jornalista, dramaturgo e professor universitário. Já publicou 12 livros na área acadêmica e escreveu oito peças de teatro. É um dos autores do e-book “Os Maiores Detetives do Mundo” (Chris Lauxx).
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