Edgar Allan Poe: a carta roubada e a genial simplicidade

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Por Rodrigo Padrini – Apesar de já me considerar um homem adulto e um ser dotado de responsabilidades, frequentemente me rendo a prazeres que, às pessoas desavisadas, podem parecer supérfluos, coisas de criança. Esse prazer consiste na presença de onze jogadores de futebol digitais controlados remotamente que disputam uma partida contra outros onze jogadores controlados por computadores, geralmente mais inteligentes do que eu. Em outras palavras, FIFA 15 é o nome desta brincadeira que ainda me toma algumas horas.

Neste jogo de videogame, assim como no futebol de verdade, um dos fundamentos essenciais para se conquistar a vitória é a marcação. Temos que saber marcar os atacantes, tomar a bola, ganhar disputas e prever suas jogadas mais elaboradas. Um bom zagueiro sabe disso. Para tal proeza, me esforço em ocupar a cabeça do meu adversário, pensar como ele pensa. É a melhor forma de prever seus movimentos. Muitas vezes dá certo.

Deixando o futebol de mentirinha por um momento, recentemente li um dos contos mais famosos de Edgar Allan Poe, chamado “A carta roubada” (Companhia das Letras, 2008) e, em apenas algumas páginas, aprendi uma lição de vida. Sem exagero. Com uma narrativa meticulosa, C. Auguste Dupin (o detetive de Poe) mostra sua inteligência ao expor, com um exemplo concreto, como a genialidade pode ser simples.

 

Os parágrafos a seguir contêm spoilers

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O breve mistério se inicia com o desaparecimento de uma correspondência importante na realeza, uma carta roubada que contém informações suficientes para abalar os nervos de quem está no poder. Prontamente, o comissário de polícia é acionado e logo um ministro é apontado como principal suspeito, acusado de estar utilizando a carta que está em seu domínio para chantagear os grandes, ameaçando divulgar seu conteúdo.

O comissário, experiente e destemido, resolve planejar e executar uma busca completa na casa do ministro, onde acreditam estar escondida a carta. Aproveitando da ausência frequente do suspeito em sua residência, o comissário consegue dirigir uma varredura minuciosa do ambiente, procurando a carta dentro de livros, mesas, pés de cadeira, espelhos e outros locais inimagináveis. Resultado: nada de carta por aqui. Nos vemos então na casa de Dupin que, enquanto fuma e papeia com um companheiro, recebe uma visita eventual do comissário de polícia.

 

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Entre uma notícia e outra, tudo que expliquei até agora é contado aos fumantes de cachimbo ali em cima e Dupin, ao ser interrogado por conselhos, orienta o comissário que realize nova busca, ainda mais detalhada, na residência do ministro. Resumo da ópera, após alguns meses o comissário aparece em nova visita aos amigos e, decepcionado, informa seu fracasso. Não havia encontrado a correspondência.

Surpreendendo a todos, Dupin informa que a carta pode ser do comissário naquele instante, basta que ofereça uma comissão financeira por seus serviços, já que a correspondência está ali, em seu poder. Pasmem. Como ele fez isso? Bom, ele explica. Com detalhes. O nosso esperto detetive se antecipou ao comissário após aquela primeira visita, comparecendo ao escritório do ministro em clima cordial, tendo como real interesse, em segundo plano, localizar a carta.

Dupin encontra a correspondência, exposta em um local visível a todos, camuflada como uma carta antiga, sob um móvel qualquer. Construindo cuidadosamente uma réplica, após alguns dias faz uma segunda visita ao escritório do ministro e, em uma manobra inteligente, troca as cartas de lugar, deixando a falsa e levando consigo a original, tão desejada pelo comissário. O ministro nada percebe. Recebendo seu pagamento, Dupin entrega a carta ao comissário que, saltitante e feliz, irá aos seus contratantes entregar seu trabalho cumprido. Fim de papo.

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Garanto que o conto original é muito melhor que o meu resumo, no entanto, é possível extrairmos a lição. O ministro que roubara a carta, ao prever inteligentes métodos de busca que seriam adotados pelos seus adversários optou por contrariar suas expectativas. Ao pensar como eles pensariam, escolheu deixar a carta ali, onde todos poderiam ver, em seu escritório, ao alcance de qualquer um, justamente onde ninguém procuraria, por ser tão óbvio. Enganou a todos, menos nosso astuto Dupin.

Para mim, Poe nos mostra que para alcançarmos a excelência é preciso ir além – nesse caso a excelência no roubo e na chantagem, mas não estamos falando aqui sobre ética e moral. Supera a inteligência e a habilidade, transformando-a em genialidade. Inverte os papéis. Pensa como o seu adversário. Quebra o padrão. Psicologia essencial para apenas algumas páginas de um conto antigo não? Pois é. Podemos nos assustar com a simplicidade da genialidade de nossos mestres.

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SOBRE O LIVRO

Título: Histórias Extraordinárias
Autor: Edgar Allan Poe
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 272
Ano: 2008
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SINOPSE –
 Nestes contos – selecionados e traduzidos por José Paulo Paes – Edgar Allan Poe imaginou algumas das mais conhecidas histórias de terror e suspense da literatura, tramas que migraram da ficção direto para o imaginário coletivo do Ocidente. Pioneiro dos contos de mistério, como “A carta roubada” e “O escaravelho de ouro”, Poe deu a seus personagens notável profundidade psicológica.

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9 comentários em “Edgar Allan Poe: a carta roubada e a genial simplicidade”

  1. Recentemente vi uma entrevista de uma pesquisadora na cultura que falava a respeito do Poe, e ela citou o fato de ele escrever uns dos primeiro contos policiais, muito antes de sherlock. Já li vários contos, mas confesso que esse que você citou, ainda não o conhecia. Obrigada pelo resumo, ficou maravilhoso!

  2. Pingback: O monstro no túmulo: as Histórias extraordinárias de Edgar Allan Poe – Persona | Crítica Cultural

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