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Leonardo Padura: o detetive para uma Cuba livre

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Por Rogério Christofoletti – Leonardo Padura estava espalhado pelo sofazinho preto do camarim. Tinha pela frente algumas entrevistas, sessão de autógrafos, debate com Frei Betto, fotos com fãs e jantar com prefeito e outras autoridades. Talvez por isso a mesinha de quitutes tenha ficado intocada, com salgadinhos ainda embalados. Talvez por isso o escritor cubano mais celebrado do momento parecesse levemente contrariado.

Acontece que Padura não é um homem de “talvez”. Assertivo e bem disposto, desgrudou do canto do sofá, sentou-se próximo do repórter, desmanchou a carranca, e sorriu atrás da espessa barba branca. Observado de perto por sua mulher, Lucía Lópes Coll, também escritora e roteirista e que o acompanha em todas as viagens, Leonardo Padura falou com exclusividade ao literaturapolicial.com momentos antes de subir ao palco da 31ª Feira do Livro de Canoas (RS).

Na rápida conversa, deixou escapar alguma desconfiança frente ao fenômeno dos policiais nórdicos, entusiasmou-se com as produções que pretendem levar seu personagem principal para o cinema e a TV, e deixou pistas de seu próximo livro. Sim, em breve, teremos mais uma ficção policial de Padura, e o que ele reserva para Mario Conde está muito mais próximo de uma nova Cuba, tão sonhada por muitos. Ao que parece, a reaproximação de seu país com os Estados Unidos vai mudar a vida do detetive mais melancólico e sedutor de Havana. Bem, de alguma maneira, esses movimentos já estão afetando a literatura do próprio Padura…

 

Que papel tem a ficção policial na literatura de hoje em dia?
Tem havido uma renovação muito importante na literatura policial nos últimos 25 ou 30 anos. É um processo que começou antes, com autores isolados e que ninguém os classificava bem. Nos Estados Unidos, estava Chester Himes com suas novelas sobre o Harlem. Na Sicília, estava Leonardo Sciascia, com as histórias da máfia. No Brasil, estava Rubem Fonseca escrevendo sobre a cidade e a violência. Depois dos anos 70 e 80, começou um movimento por uma literatura policial que se preocupava muito mais com o social do que com o mistério, o enigma e sua construção perfeita. Eram novelas que tratavam das cidades porque o mundo se tornava mais urbano. Sempre com um fundo político e uma visão, sobretudo, social. Creio que este tipo de ficção se estabeleceu e há muitos nomes: Manuel Vásquez Montalbán, Paco Ignacio Taibo… É uma literatura que funciona como crônica da vida contemporânea, contada a partir do lado mais obscuro da sociedade, que é cada vez maior. Temas como a corrupção, o narcotráfico, a violência, o medo do cidadão e o terrorismo têm sido cada vez mais adotados. Uma jornalista me perguntava há pouco sobre os autores nórdicos. Respondi: Veja, eles tiveram a sorte de contar com um grande exercício de promoção, e há três ou quatro autores muito bons, como Mankell e Arnaldur Indridason, e o resto não são tão bons. Mas se apoiaram nesse projeto promocional e também participam desse notável espaço da criação literária dos últimos 30 ou 40 anos.

 

Falando de Mario Conde. O que este personagem oferece para os leitores que outros detetives não trazem?
Ele traz o olhar cubano, uma pegada cubana, um sentido de que nenhuma sociedade é perfeita. Mario Conde vive numa sociedade socialista, onde a propaganda é oficial, onde durante muitos anos se falava que não existia corrupção. Cuba é um país onde até poucos anos não havia prostituição, não da sua forma mais comum. Havia drogas, mas a minha geração não as conheceu. Então, é uma sociedade que tinha suas imperfeições, mas ocultas. Nas novelas policiais cubanas, não havia personagens seriais antes de Mario Conde. Ele se dedica a olhar para o lado oculto da sociedade, a partir das esferas do poder. Por isso, há vice-ministros, militantes da juventude ou do partido, embaixadores, empresários, e eles estão envolvidos nessas novelas. O que tem funcionado muito do personagem é o seu lado humano, e uma visão de Cuba que desagrada a algumas pessoas, mas que é bastante próximo da realidade.

 

Já foram sete livros com Mario Conde…
Oito! Embora Hereges não seja um livro de Mario Conde, mas com ele.

 

Sim, mas por que voltar a Conde, após escrever sobre Trotski em “O homem que amava os cachorros”?
Porque Mario Conde e a realidade cubana é uma combinação que me agrada muito. Através do olhar desse personagem, posso conseguir para mim e depois oferecer ao leitor uma perspectiva muito próxima da realidade e da visão que tem o cidadão cubano comum. Mario Conde não é um sujeito comum por muitas razões. A primeira é que é um personagem totalmente literário, com sua melancolia, nostalgia, frustrações, seu desejo de ser escritor, seu sentido ético. É um tipo bastante especial. Mas ele representa bem a forma do que é ser cubano. Alguém me perguntava: por que Mario Conde está sempre rodeado por seus amigos? Bom, nós cubanos somos gregários, gostamos de andar em grupo, e Conde se complementa com esse grupo! E todos me servem para oferecer essa imagem que quero da realidade cubana. Em “Hereges”, eu tinha um mistério com um quadro que Rembrandt pintou há 350 anos, e para busca-lo não conheço ninguém melhor que Mario Conde!

 

“Me perguntam: aonde vai chegar Mario Conde? Respondo que vai chegar ao dia 17 de dezembro de 2014, algumas horas antes do anúncio de que Cuba e Estados Unidos restabelecem relações. Porque a partir deste momento começa um processo na sociedade cubana, que é muito lento, mas que vai trazer mudanças.”

 

Consegue imaginar este personagem numa Cuba livre e de economia de mercado, haja vista a recente aproximação entre a ilha e os Estados Unidos?
Sim, sim. Penso em escrever mais algumas novelas com ele. De fato, comecei a escrever um livro. E me perguntam: aonde vai chegar Mario Conde? Respondo: Vai chegar ao dia 17 de dezembro de 2014, algumas horas antes do anúncio de que Cuba e Estados Unidos restabelecem relações. Porque a partir deste momento começa um processo na sociedade cubana, que é muito lento, mas que vai trazer mudanças. Quero fechar com um momento simbólico que termina nesse dia. Toda a pesquisa que estou fazendo e que quero escrever tem a ver com o estado da sociedade cubana nesse período. É uma novela que terá um elemento importante que vem do passado que não é decisivo para o argumento, mas importante para o desenvolvimento da história. O fundamental vai ser a viagem de Mario Conde pela escala social cubana que é bem diferente de há 25 ou 30 anos. Vou falar de um país que segue sendo socialista, de partido único, de ideologia marxista, mas com uma sociedade onde já existem ricos e muito pobres. Os ricos não são muito ricos, são ricos cubanos (risos). Mas os pobres são muito pobres! Tudo isso é o fundamento da novela, amarrado a uma trama com acontecimentos para os personagens. Não vai ser tão chato como te contei aqui agora.

 

Já está em processo de escrita então?
Sim, mas tive que parar porque, como você sabe, nos últimos dois anos, eu e Lucía temos nos dedicado a escrever os roteiros da série televisiva de Mario Conde que se está gravando em Cuba. É um sonho que começou há 15 anos, quando um diretor espanhol me disse em casa que queria fazer um filme com uma das novelas de Mario Conde. “Tenho produtores que me apoiam, vamos começar a escrever um projeto…” E fizemos um roteiro e aquilo se frustrou porque não havia dinheiro. Depois, trabalhamos com produtores espanhóis, franceses, italianos, norte-americanos, e não se concretizava. Finalmente, conseguimos. Os primeiros quatro livros que formam a tetralogia inicial de Conde [Passado Perfeito, Ventos de Quaresma, Máscaras, Paisagem de Outono] vão virar episódios para a televisão de 90 minutos, e Ventos de Quaresma vai para o cinema. Basicamente, Lucía escreveu os roteiros e eu fui completando o trabalho. É uma produção espanhola com participação alemã, um diretor espanhol e roteiro cubano, o que garante que a história e o ambiente cubanos sejam verossímeis. O elenco também é cubano, com exceção de um ou outro ator por razões de contrato, e Jorge Perugorría no papel de Mario Conde.

 

 

Uma última pergunta. Há alguns anos, o senhor escreveu um texto que se tornou famoso. Nele, desabafava que queria ser Paul Auster, um escritor para quem não se pergunta sobre o governo do seu país. O senhor acaba de ganhar o Prêmio Princesa de Astúrias de Literatura, o mesmo que Auster venceu em 2006, e Cuba e Estados Unidos começam a se reaproximar. O senhor ainda quer ser Paul Auster?
(risos) Sim, estou me aproximando dele. É verdade! Olha, fiquei três dias ao telefone respondendo aos jornalistas sobre esse prêmio que é muito conhecido na Espanha e no mundo. Eu dizia a eles: Vamos falar do prêmio e dos meus livros, afinal ele me foi dado como escritor e não como político. Mas era inevitável que me perguntassem dessas relações entre Estados Unidos e Cuba. Mas sim, prefiro falar da realidade cubana na minha literatura e em ocasiões como esta aqui, de divulgação, falar de meus livros porque sobre a realidade cubana podem falar muitas outras pessoas. Mas sobre a minha literatura, falo eu! Quando me perguntam sobre Cuba, respondo porque acredito que tenho uma responsabilidade civil com aquela sociedade. Ainda mais agora! Este prêmio me dá uma visibilidade importante, e como cidadão, como homem e que tem a possibilidade da palavra, creio que também devo falar de Cuba. Mas gostaria muito mais de fazê-lo pelos meus livros e pela literatura, e não em conteúdos políticos.

(Imagens: Ana Paula Laux)

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