Por Thiago Augusto Corrêa – Além do eixo narrativo fundamentado pelas grandes editoras como Marvel e DC Comics, daremos um salto para o Velho Mundo, expandindo nossa análise sem perder a narrativa policial como guia. Nos localizaremos na Itália e no editor Gian Luigi Bonelli, um dos responsáveis por uma das representações quadrinescas mais icônicas do western americano: o famoso Tex.
Foi através da Sergio Bonelli Editore que renomadas publicações como Tex, Zagor, Ken Parker e Martin Mystére se consagraram. Foi este espaço fundamental que marcou em 1998 a estreia de “Julia – Le Avventure Di Una Criminologa”, série publicada no país desde 2004 pela Mythos, inicialmente sob o título de Julia e, após a edição número 4, intitulada J. Kendall – Aventuras de Uma Criminóloga, nome semelhante ao original. A publicação de Julia foi lançada no país em companhia de outras edições italianas, como Ken Parker e Zagor, além do sempre presente Tex. Hoje é uma das poucas que ainda está em circulação, mesmo tendo sofrido, no decorrer de sua publicação, possibilidades de cancelamento e aumento de preços. Atualmente, se mantém bimestralmente nas bancas, com duas histórias publicadas a cada edição.
Obra criada pelo quadrinista Giancarlo Berardi, o qual assina todos os roteiros, apresenta em cada edição um caso de Julia Kendall, uma professora formada em criminologia que presta consultoria à polícia de Garden City, uma cidade fictícia situada perto de Nova York. Em um misto de romance com quadrinhos, cada história é narrada pela própria personagem, como se o leitor acompanhasse parte de seus diários transcritos diretamente para a página. Berardi se apoia em uma tradição policial americana para desenvolver a consultora policial, fato que justifica sua inserção em uma cidade nos Estados Unidos.
Como criminalista, a personagem tem maior liberdade para desenvolver sua própria linha investigativa, uma análise paralela que demonstra tanto certa ineficiência da polícia tradicional como a transforma em uma detetive clássica que se debruça sobre fatos à procura de conexões ainda invisíveis. Cada análise feita por Julia é apoiada por teorias fundamentadas que amplificam a densidade da história e justifica a trajetória de corruptores que romperam a linha da lei.
Compostos em preto e branco, seguindo a tradição do fumetti, os traços de cada edição são trabalhados com detalhes para fornecer uma espécie de relato visual real e coerente com uma possível realidade. Como os detalhes são trabalhados apenas em duas cores, o jogo de luz e sombra é constante, e utiliza-se do empréstimo do estilo cinematográfico, com cortes de cena e ângulos diferenciados, para intensificar a ação. A própria composição física da personagem tem inspiração nos traços da atriz Audrey Hepburn e, além desta semelhança evidente, há notáveis cenas e outros personagens presentes em casos que são homenagens ou releituras de produções do cinema.
Durante as mais de duzentas aventuras publicadas, J. Kendall evolui na continuidade natural entre relações, famílias e amigos. Cada história poderia ser compreendida como um romance gráfico que, assim como as séries de romances de diversos autores policiais, desenvolvem uma sólida trajetória de seu personagem principal. Como a maioria das histórias, apresenta um caso fechado, assim não há nenhuma preocupação de o público começar a leitura a partir de um número aleatório, ainda que, evidentemente, a cronologia da personagem será bem contrastante com os números iniciais se comparada às últimas aventuras.
Diante das ofertas mensais em quadrinhos lançadas por diversas editoras no país, e considerando todos os estilos e vertentes, sem dúvida J. Kendall – As Aventuras de uma Criminóloga se destaca entre as publicações em atividade. Em se tratando de uma narrativa policial em quadrinhos, é recomendado para leitura, afinal você não conseguirá ler somente um número. Afirmo por experiência própria.
Thiago Augusto Corrêa é formado em Letras pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, na cidade de Araraquara. Leitor por paixão e profissão, co-criador de findados coletivos literários virtuais em parceria com diversos amigos escritores. Desde 2012 é editor e crítico do site Vortex Cultural.
Ana Paula Laux é jornalista e trabalha com curadoria de informação, gestão de mídias sociais e criação de conteúdo digital. Em 2014, lançou o e-book “Os Maiores Detetives do Mundo” (Chris Lauxx). Contato: [email protected]
Okay, admito que já tinha me ganhado só pelo traço da personagem ser igual – não parecido – igual a Audrey Hepburn <3 Eu preciso ler essa série. Ótimo post, como sempre, pessoal.
Muito elegante essa detetive, né? 🙂
Sim! Amei! Queria saber onde eu acho.
Segundo um amigo, dá pra encontrar geralmente em sebos e são bem em conta.
Muito obrigado pela leitura, Isabella. Em sebos, como disse a Ana, dá pra encontrar algumas antigas. O site da Mythos tem sempre as mais recentes e tem uma lojinha que já comprei alguns que chama texbr, voltada aos fumettis italianos.
As vezes, você pode encontrar na banca da sua cidade também. As edições são bimestrais. Eu fiquei um tempo comprando na internet, até que achei uma banca aqui que recebia. Vale mesmo a leitura.
Que legal! Online não tem, né?
Adorei sua resenha, JK é maravilhosa, as estórias são muito envolventes, não dá pra largar. O quadrinista dizia ter desenhado Julia parecida com sua esposa, que se parecia mesmo com a Audrey Hepburn. Um luxo de quadrinho, e as narrativas são pra lá de inteligentes e cheias de reviravoltas. Boa resenha!
Obrigado. É uma das minhas leituras favoritas também, embora, eu esteja com uma boa pilha de edições para ler aqui, rs.