Vertigo (Um corpo que cai), de Boileau-Narcejac
Por Rodrigo Padrini – O limite entre a razão e a loucura sempre foi objeto de mistério. Não é de hoje que os humanos buscam estabelecer a linha que separa os normais dos diferentes, em uma espécie de frenesi para se manterem distantes da insanidade. É antigo também o desejo por dar nome e corpo às suas emoções, seus delírios e suas paixões, buscando determinar o momento em que saímos da racionalidade, da objetividade, e nos perdemos em devaneios.
Se me perguntassem hoje do que se trata o livro do qual falaremos agora, eu responderia: é uma história de amor e um belo suspense psicológico. O romance “Vertigo” (Editora Vestígio, 2016), de título original D’entre les morts, publicado em 1954, é o livro que deu origem ao filme clássico de mesmo nome dirigido por Alfred Hitchcock – o mestre do suspense – em 1958. No Brasil, o filme ficou conhecido como “Um corpo que cai”.
Escrito pela dupla de escritores franceses Pierre Boileau (1906 – 1989) e Thomas Narcejac (1908 – 1998), “Vertigo” é um livro que indico para os amantes de um bom suspense subjetivo. Se esta categoria não existe, acabamos de inventá-la.
Antes de comentar a história, vou me deter brevemente na belíssima edição de luxo da Editora Vestígio. Para os amantes do livro impresso, é um material para curtir com o olfato, a visão e o tato. As páginas densas, em papel off-white, a capa dura e os acabamentos detalhados dão ao título o valor que ele merece, digno de figurar entre os principais na prateleira da sua casa. Nada contra os e-books, mas…
Situado na França, durante a Segunda Guerra Mundial, o enredo traz apenas alguns elementos que nos ajudam a perceber aonde estamos pisando, sem grande ênfase ao contexto histórico. Afinal, grande parte da história se passa na cabeça de Flavières, um policial aposentado precocemente, e em seus diálogos com sua querida Madeleine, sua pequena Eurídice. É sua percepção do mundo que nos guia.
“Pois há verdades em que não podemos deter nosso pensamento sem sentir imediatamente uma vertigem da alma, cem vezes mais horrível que a vertigem do corpo”
Nos tempos de hoje, Flavières seria medicado com alguns psicotrópicos, seria submetido a uma psicoterapia ou análise, encaixado em algum diagnóstico e tudo seria bem mais controlado do que foi. Quem sabe, seria taxado como louco.
No entanto, muitos já disseram que a paixão tem um pouco de loucura. Como nos lembra o filósofo francês Michel Foucault, “a psicologia nunca poderá dizer a verdade sobre a loucura, pois é a loucura que detém a verdade da psicologia”. Neste romance, queremos testar os limites do razoável, do racional e do sobrenatural.
“Vertigo” consegue ser um pouco assustador, angustiante, fazer com que você comece a odiar o protagonista e pensar “onde diabos essa história vai dar?”. Fui enganado grande parte do tempo na leitura. Imaginei outros finais, e nunca poderia imaginar qual seria o escolhido. Aliás, termino minha leitura com a sensação de que o final pode ser interpretado de mais de uma maneira. “Morrer não dói”, disse Madeleine.
Se você pensou “mas não estamos num blog de literatura policial? Não estou entendo esse amor todo”. Calma. Temos aparentes suicídios, sangue, miolos, investigação, suspeitos e fugas. Amor e ódio na medida certa. Intrigas e tensões, como todo relacionamento que envolve dois ou mais seres humanos. Este não é um clássico à toa. Um pouco de “Vertigo” lhe fará bem.
Título: Vertigo (Um corpo que cai)
Autor: Boileau-Narcejac
Tradutor: Fernando Scheibe
Páginas: 192
Ano: 2016
Editora: Vestígio
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SINOPSE – Encarregado por um antigo colega de seguir sua jovem e bela mulher, o detetive Flavières logo se vê perdidamente apaixonado pela moça. Essa impropriedade não o impede de investigar os temores de seu amigo Gévigne a respeito da esposa: suas ausências, seus mistérios, uma melancolia que a leva a olhar para as águas do Sena por horas a fio… Nenhum amante, nenhuma simulação, nenhuma doença. Apenas uma estranha relação com a bisavó, morta em circunstâncias terríveis e a quem a jovem Madeleine não chegou a conhecer… Um clássico de Pierre Boileau e Thomas Narcejac, especialistas na arte de conduzir a trama – e o leitor – até onde menos se espera.
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Psicólogo, mestre e doutorando em Psicologia. Atua no sistema prisional. É músico e leitor assíduo de romances policiais, com aquele lugar especial no coração para Georges Simenon e Raymond Chandler.
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