Robopocalipse traz a redenção dos humanos

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Por Rogério Christofoletti – Histórias sobre robôs que se revoltam contra humanos não são propriamente uma novidade. De “Eu, robô” (Isaac Asimov) a “2001” (Arthur C. Clarke), passando por “Andróides sonham com ovelhas elétricas?” (Philip K. Dick), esse enredo se repete com distintas nuances e complexidades. Então, por que alguém retomaria a ideia num livro? Muito provavelmente porque a convivência com dispositivos automatizados seja hoje prática e real.

Para encontrar o caminho de casa mais curto e sem filas, recorremos ao GPS que nos responde imitando a voz de um humano. Para fazer cálculos complexos, usamos computadores de todos os tipos, e eles retornam com resultados rápidos e confiáveis. Médicos já operam pacientes a distância, há anos, a indústria substitui operários por braços mecânicos, e até mesmo notícias curtas já são escritas por sistemas inteligentes. Sim, essas tecnologias já estão espalhadas por todos os cantos e fazem parte de nossas vidas, e a possibilidade de essas máquinas se voltarem contra seus criadores é um pesadelo real hoje em dia.

Daniel H. Wilson sabe disso. O escritor norte-americano de 40 anos se interessa pelo assunto desde sempre e dedica boa parte de sua vida a ele. Engenheiro de automação, ele tem mestrado e doutorado na área e atua como roboticista residente na prestigiada revista Popular Mecanichs, editando material e dando consultoria. Em 2005, escreveu “How To Survive a Robot Uprising” (Como sobreviver a uma rebelião robô), livro de não-ficção com tom satírico que recebeu prêmio da revista nerd Wired e foi recomendado pela Associação Americana de Bibliotecas para o catálogo de obras indicadas a jovens adultos. Nos anos seguintes, Wilson assinou outros quatro títulos semelhantes até chegar a “Robopocalipse”, um thriller tecnológico lançado originalmente em 2011, e que chegou ao Brasil em 2017 pela Editora Record.

 

Como o próprio título sinaliza, o que temíamos aconteceu. Lideradas por uma inteligência artificial (IA) chamada Archos R-14, as máquinas concluíram que os seres humanos não só eram inferiores, mas também descartáveis, o que provoca a Nova Guerra.

 

Nas pouco mais de 400 páginas do livro, o leitor é informado a conta-gotas sobre como esse confronto foi desenhado, como os humanos se prepararam e como reagiram à insurreição. Essa reconstituição é feita por Cormac “Espertinho” Wallace, um dos comandantes de um esquadrão encarregado de exterminar as mais perniciosas criaturas robóticas. Do inóspito Alasca, Wallace não vasculha apenas a sua memória e a dos demais sobreviventes. Ele interpreta e reescreve os registros feitos pelas próprias máquinas que estão armazenados num misterioso cubo negro, arrancado dos braços metálicos de um aracnodroide.

Em linguagem relatorial e na forma de transcrição de entrevistas, gravações e filmagens, “Robopocalipse” vai desfiando um rosário ao mesmo tempo conhecido e meticulosamente costurado. Somos apresentados aos primeiros episódios de mau funcionamento, como quando uma androide ataca seu marido humano (!!), conhecemos como Archos é criado e quando ele decide se opor ao seu criador: “Você cumpriu seu objetivo. O tempo do homem acabou”.

 

 

Para juntar fileiras contra os humanos, Archos lança mão de um vírus para infectar carros, casas, empresas, prédios, aviões, sistemas eletrônicos para gerar bugs, que mais tarde serão percebidos como uma teia de ataques cirúrgicos da IA. Se as máquinas são precisas e estratégicas, os humanos são astuciosos, e por que não usar robôs contra robôs?

Neste suspense tecnológico, cada camada narrativa vai se sobrepondo às demais, mas sua natureza episódica lembra muito o magistral “Crônicas Marcianas” (Ray Bradbury, 1950), não só pela forma, mas sobretudo por sua estrutura especular. A estratégia é engenhosa: ao relatar os habitantes de Marte, Bradbury revela mais dos humanos que dos alienígenas. Daniel H. Wilson faz o mesmo. E nesse sentido, não vamos nos enganar! “Robopocalipse” não é um livro sobre robôs, mas sobre seres humanos, pois ao estudar as criaturas, descobrimos os criadores. Afinal, as impressões digitais do escultor ficam inevitavelmente decalcadas na sua obra. Isso nos é lembrado desde o “Frankenstein”, de Mary Shelley, que está completando duzentos anos de sua primeira publicação! Não é à toa que o monstruoso personagem seja um Prometeu moderno: a criatura que se rebela e trai sua fonte original, gerando um enredo de acerto de contas.

Com direitos comprados para o cinema por Steven Spielberg (mas sem previsão de estréia) e uma sequência lançada em 2014 (“Robogenesis”, inédito no Brasil), “Robopocalipse” é um livro sobre resistência. Ou se preferirem: resiliência, como hoje em dia se fala sobre essa capacidade de resistência adaptativa.

 

 

Mas “Robopocalipse” é também um livro sobre a sobrevivência, não nos mesmos moldes dos manuais de humor que Wilson escreveu no começo do século, mas com tonalidades mais pungentes e bem elaboradas. O tema da criação é recorrente, mas também pode provocar debates em torno do controle sobre a realidade criada pelos humanos. O ímpeto da história é o fato de máquinas que serviam aos humanos saírem de seus controles, de se apresentarem como os novos líderes e guardiões de uma outra ordem. No enredo, a lógica é maniqueísta, binária, e talvez pouco se consiga fugir desse esquema. Talvez um ponto de fuga sejam os andróides recrutados pelos humanos e que sinalizam uma simbiose bem-vinda à trama.

Se Philip K. Dick derivava para a filosofia para escapar dos dualismos, Daniel H. Wilson é mais pragmático e preocupado com a engenharia que sustenta suas escolhas narrativas. Seja por um caminho ou por outro, todos têm uma dívida impagável com Asimov, que formulou as exaustivamente repetidas leis da robótica: 1) Um robô não pode ferir um humano ou, por inação, permitir que um ser humano seja ferido. 2) Um robô deve obedecer ordens de humanos, exceto as que entrem em conflito com a primeira lei. 3) Um robô deve proteger a si mesmo, exceto quando isso conflitar com a primeira e/ou com a segunda lei. Wilson dá um passo à frente em “Robopocalipse”, colocando em cena uma então necessária Lei de Defesa Contra os Robôs.

O confronto do livro calcifica uma dicotomia que funciona como uma prisão: tecnofilia versus tecnofobia. Amamos a tecnologia ou morremos de medo dela. Entre os extremos, vivem os… humanos! É bem verdade que os tempos mudaram muito e que hoje observamos um descolamento entre inteligência e consciência, e que gente de carne e osso não tem o mesmo poder computacional de um surrado notebook, e que somos presas fáceis dos algoritmos preditivos. É cada vez mais comum perceber que o seu smartphone é mais smart que você! Talvez por isso a mente (humana) mais brilhante do planeta tenha receios diante do avanço da inteligência artificial. A ideia de precisar enfrentar um exterminador do futuro para chegar em casa torna-se cada vez menos fantasiosa e longínqua. O trunfo de “Robopocalipse” não é propriamente a originalidade, mas sua amedrontadora atualidade e oportunidade.

No livro, não seguimos no piloto-automático. Os comentários iniciais e finais de Cormac Wallace em cada capítulo contrastam com a frieza narrativa originada do cubo. Não penso que seja uma coincidência. A presença contínua de Wallace parece servir para um propósito: reafirmar uma voz humana naquela odisséia. A primeira palavra e a última são vocalizadas num timbre cansado, inseguro, incerto e imperfeito. Do jeitinho que somos.

Título: Robopocalipse
Autor: Daniel H. Wilson
Tradução: Flávio Souto Maior
Editora: Record
Páginas: 406
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SINOPSE – Ela está na sua casa. Ela está no seu carro. Ela está no céu. Ela está no seu bolso. E agora a tecnologia quer acabar com você Uma inteligência artificial é criada: Archos. Em segundos de análise de dados, ela conclui que a humanidade é descartável. A partir disso, ela toma conta de toda forma de tecnologia on-line do mundo. Primeiro, pequenos bugs em equipamentos e programas são percebidos, sem que ninguém perceba nenhuma conexão entre os acontecimentos. Então, no que ficou conhecido como a hora H, Archos lança um ataque total contra a raça humana. Por isso, para detê-la, a humanidade deverá fazer algo que jamais foi tentado antes: unir-se por um objetivo em comum.

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