Por Ana Paula Laux – Não é de se espantar que Stephen King beije o chão que Shirley Jackson pisou. Quando vi A Maldição de Hill House, era como se estivesse relendo partes de O Iluminado, um dos clássicos do autor que expõe a loucura progressiva de um homem preso em um hotel cheio de lembranças e fantasmas do passado.
A Maldição de Hill House é uma adaptação de A Assombração da Casa da Colina, livro de terror da americana Shirley Jackson lançado no Brasil pela Editora Suma. Citada como influência por nomes como King e Neil Gaiman, ela tem sido redescoberta por muitos leitores ultimamente. A série da Netflix é um primor em apresentar essa transição do livro para o filme, principalmente no que se refere à direção talentosa de Mike Flanagan.
A história, que gira em torno da assombrada família Crane, é um terror mais para o psicológico e aborda o sobrenatural, loucura, mágoa, barreiras e medos intransponíveis. A antiga casa da família é assombrada por fantasmas do inconsciente, as metáforas do horror que cada ser humano enfrenta de um modo muito particular, ou em alguns casos jamais enfrenta na vida.
Li que uma teoria no Reddit chamou a atenção por apontar que cada filho da família Crane é um estágio do luto: “Steve é negação, Shirley é raiva, Theo é barganha, Luke é depressão e Nell é aceitação”. Faz muito sentido, assim como associar a casa ao inconsciente, onde os vários quartos dentro dela são as portas que compõem esse estado. Abri-las ou não requer, antes de tudo, coragem para enfrentar o que pode aparecer do lado de lá.
O elenco de Hill House é muito bom, com Carla Gugino no papel da mãe sensitiva a todas as energias do mundo e Henry Thomas como o jovem pai Crane, alguém que tenta consertar os problemas que surgem porque foi que se esperou dele a vida inteira. Há também Thimothy Hutton, um ator que gosto muito, aqui vivendo o envelhecido Crane sênior. Uma curiosidade: Thomas é o mesmo ator de ET, O Extraterrestre (eu sabia que já tinha visto aqueles olhinhos antes!). Na direção está Mike Flanagan, um dos melhores nomes da atualidade. Seu terror não é gratuito, inspira medo pelo que não se vê, pelo desconhecido. É a construção da tensão, como o próprio diretor diz, a partir de experiências mais sofisticadas que não apenas assustam mas intrigam.
Minha única crítica à série é que achei que o final poderia ter sido mais enxuto. No 9º episódio, sobra diálogo e o ritmo fica um pouco arrastado, mas nada que comprometa a qualidade como um todo. Não deixem de assistir, é uma série sensacional.
Jornalista. Trabalha com curadoria de informação, gestão de mídias sociais e criação de conteúdo digital. Em 2014, lançou o e-book “Os Maiores Detetives do Mundo” (Chris Lauxx). Contato: [email protected]