Editar expressões polêmicas – racistas, homofóbicas – em livros antigos é um tema controverso. Há quem acredite que seja uma ação necessária, há quem critique o recurso e o associe à censura.
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Para algumas pessoas, o argumento é de que é preciso manter expressões originais nos livros antigos a fim de não apagar a história e permitir que os leitores possam refletir sobre a época em que o livro foi escrito e sobre a evolução do pensamento e da linguagem ao longo do tempo.
Afim de não interferir no texto original, um recurso seria a inclusão de uma nota explicativa no início do livro, alertando os leitores sobre as expressões ofensivas e contextualizando a obra.
Outros acreditam ser melhor fazer uma revisão do texto, atualizando expressões ofensivas para termos mais adequados ao contexto atual. Isso teria de ser feito sem alterar o sentido da obra, mantendo apenas uma linguagem mais adequada, principalmente para obras direcionadas a crianças e jovens.
Alguns clássicos já tiveram ou estão em processo de ter o texto editado para adequar o conteúdo à linguagem de hoje e torná-los mais inclusivos. Confira quatro exemplos a seguir.
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O título original de “E Não Sobrou Nenhum”, clássico de Agatha Christie lançado em 1939, era “O Caso dos Dez Negrinhos” (Ten Little Niggers em inglês). Na Inglaterra, o livro foi publicado com o nome original, porém nos Estados Unidos a primeira edição em 1940 já teve título e várias referências no texto mudadas por causa do termo racista “nigger”. O título original é inspirado em uma antiga cantiga para crianças, com versos relacioandos ao mistério principal da trama. No texto, a palavra “nigger” foi trocada por “soldado”. A decisão definitiva de editar foi tomada por James Prichard, bisneto da escritora e detentor dos direitos literários das obras dela. Segundo Prichard, “não usar palavras que incomodam as pessoas apenas me parece uma decisão muito sensata para se ter em 2020”. O livro é considerado um dos melhores trabalho de Christie e um dos maiores sucessos de vendas da história, com mais de 100 milhões de cópias vendidas em todo o mundo.
“A Fantástica Fábrica de Chocolate” é um livro infantil escrito por Roald Dahl e publicado pela primeira vez em 1964. A história conta as aventuras de um garoto chamado Charlie Bucket, que vive em extrema pobreza com sua família. A sorte de Charlie muda quando ele encontra um bilhete dourado em uma barra de chocolate que lhe dá a chance de visitar a misteriosa fábrica de chocolate de Willy Wonka, que fica na cidade. Algumas das mudanças no texto original de Dahl que já foram confirmadas: os funcionários de Wonka na fábrica, os divertidos Oompa Loompas, serão chamados de “pessoas pequenas” ao invés de “homens pequenos”; o personagem Augustus Gloop será descrito como “enorme” ao invés de “enormemente gordo”; a Sra. Twit será simplesmente “bestial” (beastly) ao invés de “feia e bestial” (ugly and beastly).
A pedido da Ian Fleming Publications, muitas edições também foram feitas nos clássicos de James Bond para excluir linguagens ofensivas e não inclusivas. Em cada livro, haverá um aviso para alertar os leitores sobre o ano em que a história foi escrita e que alguns termos eram considerados comuns naquela época. Expressões como “nigger” serão modificadas para “homem negro” ou “pessoas negra”, bem como outras expressões racistas em mais livros do autor. Segundo o espólio de Ian Fleming, as mudanças estariam de acordo com o que o autor desejaria. Prova disso foram as correções aprovadas por ele na edição norte-americana de “Viva e Deixe Morrer”, de 1954, quando o próprio autor aceitou que passagens fossem cortadas na história.
No Brasil, livros de Monteiro Lobato contendo termos racistas também foram editados para se tornarem mais inclusivos. Em 2020, a bisneta do autor optou por excluir expressões e referências racistas das histórias do Sítio do Picapau Amarelo, principalmente no que se refere à Tia Anastácia, citada nas histórias originais como “negra beiçuda”. Em uma das mudanças, por exemplo, Tia Anastácia passa de “negra de estimação” para “amiga de infância” de Dona Benta. Segundo a bisneta de Lobato, ela acredita que “as mudanças são necessárias para que o bisavô continue sendo lido pelas novas gerações”.
Ana Paula Laux é jornalista e trabalha com curadoria de informação, gestão de mídias sociais e criação de conteúdo digital. Em 2014, lançou o e-book “Os Maiores Detetives do Mundo” (Chris Lauxx). Contato: analaux@gmail.com
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