Por Thiago Augusto Corrêa – Responsável por grandes quadrinhos adultos além do eixo heroico central da Marvel e DC Comics, como Transmetropolitan, Planetary e Authority, Warren Ellis mergulha fundo na narrativa policial em Cidade Selvagem. Uma história cujo final nunca foi oficializado, mas que se encontra em hiato há mais de seis anos.
Relançado recentemente pela editora Mythos em uma edição especial em capa dura, o encadernado reúne nove volumes da série cujo título original se refere ao personagem central, o detetive Richard Fell. Diferentemente de muitas narrativas em quadrinhos que se prologam em arcos e – quando finalizadas – compõem um material significativo em quantidade, cada edição de Cidade Selvagem apresenta uma história fechada com uma continuidade mínima entre cada edição.
A história se desenvolve na fictícia cidade de Snow, um reduto de violência situado do lado oposto de um rio que o separa de uma cidade populosa e desenvolvida. Sem dúvida, uma representação fictícia de muitas cidades empobrecidas ao lado de grandes centros urbanos, fazendo-nos lembrar, por exemplo, da ponte George Washington, a qual separa Nova York do estado de Nova Jersey. Snow potencializa a falência da sociedade em um local cujo crime predomina em todas as suas vertentes e o contingente policial é mínimo.
Diante desse cenário, a presença do detetive Fell, vindo do outro lado da ponta, é recebida como uma novidade. A personagem representa uma nova defesa contra a corrupção local, como alguém ainda puro diante dos vícios locais. Mesmo nas breves páginas de cada história, Ellis não poupa o público de investigações agressivas, explicitando que a cidade carrega tudo o que há de pior. O choque não apenas agride o leitor como glorifica a personagem do detetive como um herói, um reduto final de defesa.
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Porém, conforme se torna parte da população da cidade, sua personalidade perde a visão ideal de justiça e assume contornos de um vigilante, um homem que ainda segue a lei como objetivo mas que reconhece que, em um local com violência extrema, somente a brutalidade é a resposta ideal. Um império de força centralizado em um único homem, como uma luz em um mundo sombrio.
A atmosfera de um local devastado se destaca também pela arte de Ben Templesmith, com traços sem contornos delineados, fazendo de cada página uma tela impressionista em que cores escuras se destacam e parecem manisfestar emoções de uma sociedade falida. Como cada edição apresenta uma história fechada, as páginas foram compostas por paineis de nove quadros, um estilo não usual devido a compressão dos quadros que ficam relativamente menores do que os tradicionais. Ellis e Templesmith trabalham em conjunto para que tanto narrativa gráfica quanto textual formem uma progressão natural da história, demonstrando habilidade em desenvolvê-la em um espaço restrito.
Indicada ao prêmio Eisner de “Melhor Série Estreante” e “Melhor Série” em 2006, mesmo ano que Ellis foi indicado ao prêmio de Melhor Escritor, Cidade Selvagem é um belo exemplo narrativo de uma história em quadrinhos que bebe no noir para trazer um universo gráfico decadente em uma potente narrativa breve.
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Thiago Augusto Corrêa é formado em Letras pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, na cidade de Araraquara. Leitor por paixão e profissão, co-criador de findados coletivos literários virtuais em parceria com diversos amigos escritores. Desde 2012 é editor e crítico do site Vortex Cultural.
Ana Paula Laux é jornalista e trabalha com curadoria de informação, gestão de mídias sociais e criação de conteúdo digital. Em 2014, lançou o e-book “Os Maiores Detetives do Mundo” (Chris Lauxx). Contato: [email protected]