Por Rodrigo Padrini – Ler um livro é como mergulhar num universo desconhecido, se apropriar dos seus elementos, respirar o ar que nos é oferecido e se posicionar lado a lado com o narrador que nos apresenta sua história. É uma experiência sempre solitária, afinal ninguém imagina os personagens, as cenas, as situações e os locais como você imaginou. Dessa forma, é sempre um risco muito grande escolher apenas uma possibilidade e traduzi-la em imagens.
Editado originalmente em 2011 com o título 11.22.63, Novembro de 63, de Stephen King, lançado pela Editora Suma em 2013, tornou-se um desses casos arriscados em 2016. O best-seller foi adaptado em uma minissérie de oito episódios, originalmente exibida pelo serviço de vídeo on demand Hulu em fevereiro de 2016. Como li o livro e, logo depois, assisti à série, decidi tecer alguns comentários sobre essa experiência, sem spoilers que farão com que você me xingue ao longo do texto.
Contando com a produção de J.J. Abrams e do próprio Stephen King, a minissérie estreou também no canal AMC em 1º de novembro de 2016, seguindo o título original do livro – 11.22.63 -, e trouxe o ator James Franco no papel de Jake Epping, nosso protagonista, e Sarah Gadon como Sadie Dunhill, e está disponível em DVD e Blu-ray.
Inicialmente, não contarei nenhuma novidade ao dizer que o livro possui um número infinitamente maior de detalhes e acontecimentos. Afinal, estamos falando de um livro com mais de setecentas páginas. No entanto, a adaptação foi bem sucedida ao introduzir novos elementos e um encadeamento diferente dos acontecimentos para produzir uma experiência dinâmica que coubesse em oito episódios de quarenta e poucos a sessenta minutos. A série é boa e o final muito emocionante.
Sobre o elenco, James Franco encarna bem o professor de inglês Jake Epping e não foge muito da personalidade que imaginei durante a leitura. Entretanto, no livro a rotina de Jake Epping no passado é mais explorada, assim como o seu relacionamento com os alunos e outros professores. Como na minissérie tudo é muito corrido – vamos ao que interessa -, essa caracterização do personagem deixa a desejar. Para quem apenas assiste à série, o protagonista pode não ser tão envolvente como no livro.
Outros personagens importantes no livro como Sadie Dunhill, Deke Simmons, Al Templeton, Lee e Marina Oswald estão bem representados, porém pouco explorados. O romance entre Jake e Sadie, por exemplo, possui uma importância muito maior no livro. O personagem Bill Turcotte ganhou um novo lugar na minissérie, alterando bastante as características da missão de Jake e sua relação com Lee e Marina Oswald, como relatadas no livro, onde é mais um coadjuvante. Se você seu o livro, talvez nem se lembre de quem ele é.
No início, não gostei e achei desnecessário, meio hollywoodiano, mas depois tudo fez mais sentido na dinâmica que escolheram. O ator George MacKay, que interpreta Bill, é bom e seu novo papel no enredo me pareceu uma forma de agilizar os acontecimentos e transformar em ação o que, no livro, são pensamentos de Jake Epping. Ao fim, no contexto da série, ficou até legal, mas prefiro o livro.
Sobre elementos como o figurino, os cenários, a trilha sonora e a caracterização da época, acredito que tornaram a experiência de assistir à série após a leitura algo um pouco mágico. Tudo se materializa em segundos e, só esses pequenos momentos, quando vemos o restaurante de Al, a chegada de Jake na década de 60, os carrões antigos circulando, já fazem a experiência valer à pena. A descrição feita magistralmente por King no livro ganha vida em todos os episódios. A música embala, envolve e fará você ver a série inteira “numa sentada só”.
Não há nada cafona, amador e que não devia estar lá. A adaptação exclui muitos elementos do livro sim, mas o faz de forma criativa e consciente. As cenas finais do assassinato de John Kennedy, tão esperadas por qualquer leitor ou espectador, ficaram muito boas. Pequenas alterações comprometem um pouco a ideia do “passado obstinado”, como colocado por King no livro, mas nada que tire a emoção dos últimos episódios.
Sobre o que senti falta na série: do sangue e “do sobrenatural”. O livro nos apresenta as cenas sangrentas de violência com maior detalhe e profundidade, chocando o leitor pela gravidade dos ferimentos e comportamentos. Na minissérie, os eventos violentos são amenizados e rápidos – e, às vezes, nem entendemos tão bem porque estão acontecendo -, o que me parece quase uma tendência na adaptação de livros para a televisão. Será preguiça de investir na maquiagem? Será para tornar a série mais acessível ao grande público? É impossível mesmo? Não sei.
Quanto ao sobrenatural, a questão da viagem no tempo, das múltiplas realidades geradas por essas viagens e os efeitos colaterais são pouquíssimo trabalhados na série. O famoso “Homem do Cartão Amarelo” se torna quase um acessório, quando no livro se mostra um elemento fundamental e muito curioso nos últimos momentos. As “cordas de realidade” e o “efeito borboleta” são mais explorados no livro e a seção “ficção científica” está mais bem servida no livro que na série. O próprio final faz mais sentido no livro que na série, onde continua bom, mas meio deslocado.
Por fim, recomendo 11.22.63. A minissérie é muito bem produzida, com elenco de qualidade e ação do princípio ao fim. Para mim, o final do livro se tornou ainda mais emocionante após assisti-lo traduzido em imagens, acompanhado de cores, vozes e sons. Isso ocorre com diversas cenas e, talvez após ler o livro e assistir à série, “Novembro de 63” entre no seu TOP 5 de preferidos do Stephen King.
Psicólogo, mestre e doutorando em Psicologia. Atua no sistema prisional. É músico e leitor assíduo de romances policiais, com aquele lugar especial no coração para Georges Simenon e Raymond Chandler.
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Republicou isso em Mais uma Opinião.
É sempre mais fácil ler uma crítica negativa, talvez porque a palavra “crítica” seja por si só, aparentemente, negativa...estou lendo novembro de 63, e comentando sobre o livro, alguém me disse que existia uma série baseada no livro, resisti um pouco, mas acabei digitando “série baseada em novembro 63”...por sorte, o meu primeiro clique foi no link que se direcionava pra sua “crítica“...e, obrigado! Vou terminar a leitura e assistir os episódios, mas, com certeza vou aproveitar mais a experiência com as suas considerações! Obrigado!
Obrigado Marcio. Já faz algum tempo que assisti à série, mas lembro q o q me incomodou foi apenas algumas mudanças nos eventos e a rapidez das coisas, já que o livro é muito rico em detalhes. Entretanto, o universo criado na série ficou muito legal e compensa.
Acabei de ler o livro. Lindo, sublime... Duro agora é enfrentar o luto de não mais conviver com aqueles personagens adoráveis, daí porque corri em busca da série. Infantilmente senti-me traído por não ver as cenas que imaginei projetadas na tela. As alterações do roteiro também me deixaram incomodado. Quase desisti de acompanhar a saga... O que mantém é a perspectiva do final. Por fim: porquediabos James e não George???!!!!!
Pois é. Vai entender... Particularmente, achei a série boa. Mas não dá pra comparar com o livro.