Por Rodrigo Padrini – Não se assuste se, hoje à noite, um pássaro bicar a sua janela. Ele chegará de mansinho, sobrevoando a sua casa, contaminando os seus hábitos e, em breve, não te deixará caminhar sozinho. Qual é o verdadeiro significado dos pássaros?
Nas últimas resenhas, tive a oportunidade de ler livros que inspiraram filmes para o cinema ou séries para a televisão, e comparar ou refletir sobre essa adaptação. Uma oportunidade ainda melhor foi a de ler um clássico que, por algum motivo ou circunstância, parece ter sido apagado em virtude do filme que originou.
Esse é o caso de Os Pássaros (DarkSide Books, 2016), escrito e publicado por Frank Baker em 1936 e revisado pelo próprio em 1964, um ano após a estreia do famoso filme dirigido por Alfred Hitchcock. Aliás, sua adaptação possui ares misteriosos, já que, no filme, a história é atribuída ao conto publicado por Daphne Du Maurier, e não ao livro de Frank Baker.
Não assisti ao filme. Nem conhecia a história. Por isso, ressalto essa oportunidade: ler um clássico em seu estado puro, sem estar contaminado por sua materialização audiovisual ou memória pré-existente.
“Falar do caos terrível que se sucedeu dentro dos próximos minutos é uma tarefa diante da qual, confesso, fico hesitante. Nenhuma das minhas palavras jamais poderá descrever aquela catástrofe”.
Estamos falando de um livro com pouco menos de trezentas páginas, introspectivo, sombrio e cauteloso, que situa os acontecimentos na cidade de Londres, Inglaterra, em 1935. A história é narrada por um pai que conta, à sua filha, os eventos que se sucederam após a chegada dos pássaros. O mundo e a vida como conhecíamos, nunca mais foram os mesmos.
É interessante observar que “Os Pássaros” aborda, simultaneamente, uma história real, objetiva, e outra ilusória, subjetiva. É a invasão de milhares de pássaros em nossa cidade. É também a aparição de nossos demônios internos, clamando por reconhecimento, por aceitação e por um convite para fazer parte de nossa vida. É olhar os pássaros no céu, à distância. É também olhar o demônio nos olhos, face a face.
Claro, se você está lendo esta resenha, é porque você: ou está procurando referências que lhe digam se esse é um bom livro, digno de suas órbitas oculares; ou você já o leu – ou viu o filme -, e quer outra opinião, uma interpretação diferente que contraste ou harmonize com suas próprias introspecções. Nas duas hipóteses, espero oferecer respostas estimulantes.
O livro? Excelente. Compre. Pegue emprestado. Sei lá. A opinião? É um baita suspense psicológico. O desenvolvimento da história é cativante. Não sabemos como vai terminar. Algumas passagens parecem apenas alegorias, metáforas, cenas que sequer existiram. O protagonista melancólico parece ser o único a manter a lucidez. A sua solidão, o seu trabalho, a sua relação com a mãe, tudo isso são elementos que trabalham como pano de fundo para um complexo conflito existencial.
“Daquela noite em diante, senti-me oprimido e assustado pela imagem de um pássaro que parecia ter o poder de, a qualquer momento, se materializar no céu em volta de mim”.
Poderia dizer que tudo se passou apenas na cabeça de nosso narrador, que nada daquilo existiu, que era apenas o demônio – interno ou externo – brincando com a sua cabeça. As cenas do apocalipse são vivenciadas com horror e tudo parece um pouco irreal.
Essa foi a minha primeira experiência com um livro publicado pela DarkSide Books. Muito positiva, por sinal. Já tinha ouvido falar muito bem sobre as edições e, realmente, merecem aplausos. Essa é a primeira obra de Frank Baker publicada no Brasil e a edição conta com uma nota da editora original, nota do autor em sua versão revisada e uma bela introdução escrita por Ken Moog, respeitado estudioso da obra de Hitchcock. A leitura é também uma experiência sensorial e, caso escolha esse livro para começar ou completar a sua coleção, não se arrependerá.
[Imagens: Rodrigo Padrini]
SOBRE O LIVRO
Título: Os Pássaros
Autor: Frank Baker
Tradução: Bruno Dorigatti
Editora: Darkside Books
Páginas: 304
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SINOPSE – Aqueles que são velhos o suficiente para se recordar ainda falam dos dias “antes da chegada dos pássaros”. Pássaros. Milhares, talvez milhões, sobrevoam Londres, de forma aparentemente inexplicável e sem sentido, onde parecem observar os habitantes da capital, que os consideram divertidos, se tanto um pouco estranhos. Enquanto as pessoas ainda tentavam entender o que faziam ali, eles começam a atacar, ferindo e até mesmo matando com tremenda brutalidade e violência. Seriam eles uma força da natureza ou uma manifestação sobrenatural? Ninguém sabe. A única certeza é que o objetivo dos pássaros é a destruição da humanidade e ninguém tem ideia de como impedi-los…
Psicólogo, mestre e doutorando em Psicologia. Atua no sistema prisional. É músico e leitor assíduo de romances policiais, com aquele lugar especial no coração para Georges Simenon e Raymond Chandler.
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