Por Rogério Christofoletti – Quando a obra de um prestigiado autor entra em domínio público, editores de todas as partes esfregam as mãos e brilham os olhos. Não apenas porque os custos de produção caem, mas também porque se renova a vontade de lançar novas edições. Surgem novas capas e projetos gráficos, traduções revisadas são encomendadas e títulos, antes esgotados, desembarcam nas livrarias. Mas os editores não são os únicos a comemorar: leitores e fãs também se dão bem na nova onda…
Em média, a obra literária entra em domínio público quando se completam 70 anos da morte do autor. A partir daí, as editoras não precisam mais pagar direitos autorais aos herdeiros do escritor, ficando liberadas para relançar os livros sem autorização. Foi assim em 2015 com O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, e toneladas de versões do cativante menino loiro foram despejadas no mercado.
Mas editores entusiasmados não precisam se prender ao calendário para trabalhar em volumes maravilhosos. Um bom exemplo é o terceiro lançamento da série Medo Clássico da DarkSide Books, dedicado a H.P. Lovecraft, que saiu em 2017, quase dez anos depois de os escritos caírem em domínio público. O livro, que vem na fila de Edgar Allan Poe e Mary Shelley, demonstra como é possível reunir porções generosas e relevantes de uma obra dispersa e ainda revitalizá-la com farto material complementar.
Lovecraft Medo Clássico, volume 1, traz nove contos do mestre do terror que oferecem uma boa amostra de seu estilo e estética. Monstros pavorosos, civilizações desconhecidas, livros ancestrais poderosos estão nessas mais de 400 páginas trevosas. Reanimação de corpos, criaturas demoníacas e cultos secretos a ídolos há séculos adormecidos também não faltam. Fieis lovecraftianos vão receberão Cthulhu, Herbert West e Randolphe Carter. E quem ainda não vislumbrou a escuridão arrepiante do autor terá a chance de se perder “Nas montanhas da loucura” e se deparar com Necronomicon, o tenebroso livro dos mortos.
A obra de H.P. Lovecraft é atravessada por dimensões que desafiam a sanidade, permeada de línguas esquecidas que descrevem improváveis terras de sonhos, profundezas habitadas e seres tão antigos quanto o tempo, cujos nomes são quase impronunciáveis. O terror é explorado na perspectiva dos cosmicismo, estilo que hipertrofia os monstros e ameaças ao mesmo tempo em que apequena e encolhe a humanidade. Assim, Cthulhu caminha pela terra sem dar a mínima para esses seres humanos insignificantes, e segredos da vida e da morte emergem como pequenos continentes em nossos mares, pretensamente dominados.
Único e intenso, Lovecraft é também muito influente ainda hoje. Parte da sombra que projeta sobre a cultura pop é inventariada por Fernando Ticon e Ramon Mapa, ao passo que Robert Bloch aproxima e tensiona o autor tentacular e Edgar Allan Poe. Clemente Penna refaz literalmente os passos de Lovecraft em sua cidade natal, Providence, de onde também trouxe preciosas reproduções de anotações raras e inéditas, conservadas pela biblioteca da Brown University. Walter Pax e Robert Bloch assinam as ilustrações, reforçando a gravidade do texto lovecraftiano e encharcando de horror cósmico a leitura.
A tensão literária do autor já seria suficiente para garantir a experiência, mas os extras colocam a edição realmente num outro patamar. Caprichosa, a DarkSide oferece o livro em duas versões de capa dura. A Miskatonic Edition é apoteótica, com adornos nobres em cinza chumbo, e batizada em homenagem à imaginada universidade de Arkham, citada em vários contos do mestre do terror. O corte de páginas é verde claro, remetendo à textura de Cthulhu. Já a Cosmic Edition recorre a cores vibrantes, sobretudo verde fosforescente e roxo, flertando com um cosmicismo quase alucinante. Aqui, o corte de páginas é negro, a cor dos abismos.
Esta resenha foi feita a partir de um volume da Cosmic Edition, e se o leitor não se conformar com tanta qualidade nos extras, pode ter uma experiência além-leitura. A editora oferece aplicativos de realidade para Android e iOS para que o livro se transforma num portal!
Sim, existem diversos títulos no mercado brasileiro explorando o universo de Lovecraft, com bom tratamento gráfico e traduções bem realizadas. Mas o banquete oferecido neste primeiro volume de Lovecraft Medo Clássico desafia a imaginação dos leitores: o que encontraremos nas páginas mais sombrias que virão?
* Livro cedido em parceria com a Darkside Books.
SOBRE O LIVRO
Título: HP Lovecraft Medo Clássico
Autor: HP Lovecraft
Tradução: Ramon Mapa da Silva
Editora: Darkside Books
Páginas: 728
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SINOPSE – H.P. Lovecraft: Medo Clássico Vol. 1 é o livro que todo darksider sempre sonhou. Uma seleção especial de contos e novelas do autor que revolucionou o terror e a ficção científica no século XX, seguindo aquele padrão de qualidade quase psicopata como só a DarkSide Books sabe fazer. Uma homenagem àquele que foi tão bem-sucedido na tarefa de pensar o impensável, a edição da DarkSide é feita de fã para fã: da capa dura à nova tradução com notas comentadas de Ramon Mapa, grande estudioso da obra, dialogando com as ilustrações de Walter Pax, que parecem ter saído do próprio Necronomicon. A obra também conta com uma seleção de cartas e documentos coletados pelo historiador Clemente Penna na Brown University especialmente para esta edição, tudo feito com cuidado e carinho para que os verdadeiros adoradores do filho de Providence tenham em mãos a edição definitiva do mestre. H.P.
Jornalista, dramaturgo e professor universitário. Já publicou 12 livros na área acadêmica e escreveu oito peças de teatro. É um dos autores do e-book “Os Maiores Detetives do Mundo” (Chris Lauxx).
Estou com saudade dos blogs 🙁