POR REGINA CARVALHO – Logo que acabo de ler algum dos romances policiais, tenha ou não gostado, tenho a obrigação de repassá-lo para vizinho que é apreciador, mas lamenta sempre suas próprias compras. Diz que eu é que entendo do assunto, e prefere seguir minhas escolhas. De vez em quando pergunta: não saiu mais nada DAQUELE cara? E sei perfeitamente de quem está falando: de John Verdon, de quem leu todos imediatamente após minha leitura. Pois agora saiu mais um Verdon, e terminei de ler, resenho, e passo para o José, que espera aflito por ele!
Publicitário de sucesso, ao se aposentar John Verdon foi morar nas belíssimas montanhas Catskill, área sul, rural, do estado de Nova Iorque. A mesma coisa faz seu detetive, Dave Gurney, precocemente aposentado após ser ferido em investigação difícil e dolorosa – sob todo e qualquer aspecto. Casado, sem filhos, Gurney tem uma convivência não muito fácil com a esposa, Madeleine. Não é difícil, porém, por desamor, antes pelo contrário. Os dois se amam, mas ela – que já sofreu risco de vida em um de seus casos – considera que investigar homicídios é arriscado demais, classifica como tendência suicida dele, e talvez realmente o seja. Ela sofre a cada vez que, mesmo aposentado, ele se envolve em alguma investigação. E de cada vez fica comprovado que ela teria razão mais que suficiente para se afligir. Mas ele não se sente ligado àquele telurismo todo, como ela o faz. Mesmo sem querer, sente falta das investigações de homicídio, pelo enigma, principalmente pelo enigma que representam. E pela responsabilidade que conseguem fazer que sinta, ao lhe garantirem que seria o único policial de NY, mesmo aposentado, com condições de solucionar o caso.
Anteriores a este “Peter Pan tem que morrer”, saíram “Eu sei o que você está pensando”, “Feche bem os olhos” e “Não brinque com fogo”. Foram todos publicados pela Arqueiro, com boa tradução de Ivanir Alves Calado. O primeiro deles, “Eu sei o que você está pensando”, já saiu em versão cinematográfica (há trailer do filme na página oficial do autor). Gurney comprova, ao ir para a telona, que já está incluído no rol dos grandes investigadores do noir americano, e em muito boa companhia.
Dave Gurney é calado e ético, e tem aquela inata compreensão das pessoas que tempo e profissão só fazem aprofundar. Em “Não brinque com fogo”, ele vai servir de consultor para uma jovem jornalista que prepara documentário sobre uma série de crimes ocorridos há vários anos, e que ambos consideram que tenha sido investigado de forma equivocada. O assassino reaparece, um serial apelidado O Bom Pastor e, para conseguir acesso aos arquivos da NYPD, Gurney depende dos favores de um ex-colega problemático chamado Hardwick. Hardwick, irreverente, grosseiro, cínico, com forte desprezo pela autoridade, acaba sendo punido pelo vazamento e demitido da polícia. Vai trabalhar como detetive particular e agora, contratado para esclarecer o assassinato de um marido pela esposa – que se diz inocente – vem cobrar o favor prestado, e exigir o auxílio de Gurney.
Este nada garante, mas exige ir conhecer a esposa acusada – e, ao se ver defronte a ela, não resiste ao forte apelo que uma personalidade muito forte, escandalosamente sincera, e a uns olhos verdes inusitados em rosto não tão cativante exercem sobre ele. Sim, a sinceridade de uma mulher que declara que traía o marido, sim, com o personal e que vê seu álibi – este mesmo personal – declarar em corte que não estava na cama com ela, de jeito nenhum, acaba por ser o fator condenatório, em um processo estranhamente montado, e que o comportamento da esposa (Viúva Negra?) complica. Ela mesma se denomina “escrota e insensível”, porque é assim que é denominada: se você não demonstra os sentimentos como a sociedade espera que o faça, se não chora em enterros, não se baba por cachorros e crianças, coisas assim, sem dúvida é disso que será tachado…
O fascínio que a personalidade de Kay Spalter exerce sobre ele, mais a necessidade de descobrir o que havia causado a espantosa expressão congelada no rosto da vítima, na hora da morte, fazem com que Gurney aceite o caso. E se vê a partir daí envolvido num enigma como poucos, e numa trama intrincada como menos ainda. Com a densidade que Verdon consegue emprestar a seus livros – vazada em uma linguagem surpreendentemente eficaz e leve – resquícios de uma vida em que a publicidade deixou suas marcas. Para nossa felicidade! E a do vizinho José, sem dúvida!
Título: Peter Pan tem que morrer
Autor: John Verdon
Páginas: 400
Editora: Arqueiro
Ano: 2015
Este livro no Skoob
SINOPSE – No mais tortuoso romance policial escrito por John Verdon, o especialista em mistérios David Gurney dedica sua mente brilhante à análise de um assassinato terrível que não pode ter sido cometido da forma como os investigadores responsáveis pelo caso afirmam que foi.
REGINA CARVALHO - De Florianópolis, SC.
Ana Paula Laux é jornalista e trabalha com curadoria de informação, gestão de mídias sociais e criação de conteúdo digital. Em 2014, lançou o e-book “Os Maiores Detetives do Mundo” (Chris Lauxx). Contato: [email protected]