“(…) a literatura leva ao extremo a ambiguidade da linguagem: ao mesmo tempo em que cola o homem às coisas, diminuindo o espaço entre o nome e o objeto nomeado, a literatura dá a medida do artificial e do provisório da relação. Sugere o arbitrário da significação, a fragilidade da aliança e, no limite, a irredutibilidade de cada ser. É, pois, esta linguagem instauradora de realidades e fundante de sentidos a linguagem de que se tece a literatura.”
Lajolo, Marisa. O que é literatura.
Por Raquel de Mattos – Pois é desta forma, como este parágrafo acima, que encaro a literatura – “cola o homem às coisas (…), dá a medida do artificial”, como uma viagem que me destaca para outras possibilidades de vida que se diferem, às vezes, diametralmente da minha, mas que sim, é possível que alguém as viva.
x
A trama
Um policial tetraplégico com muito dinheiro e muita vontade de ir atrás dos bandidos desafiadores, com uma equipe dedicada e competente. Um serial killer que tatua suas vítimas com veneno para que morram lentamente, em agonia. Os subterrâneos da cidade de Nova Iorque. Várias reviravoltas. Um livro excelente! Que livro bom! Estou encantada com praticamente tudo nele. Praticamente. Mas isso fica pra depois.
São poucos os enredos que me conquistam dessa forma arrebatadora. Parece que cada palavra foi feita para te conquistar e encantar (e é verdade, né? Afinal essa é a função de um livro de ficção!). A sinceridade imposta ali pelo autor é quase inocente para leitores desavisados, mas cheias de malícia nas entrelinhas; entretanto, são tantas as distrações ali plantadas e uma confiança, uma cumplicidade com o autor, que ele usa e abusa dela até nos deixar arrasados com tanta traição no final. Mas entenda, é simplesmente maravilhoso!
A caçada a este serial killer que tem uma forma extremamente peculiar de matar e que, a cada morte misteriosa parece estar ainda mais distante de ser descoberto, transforma uma investigação em uma jornada intensa e a famosa corrida contra o relógio – a antecipação a qual o assassino Billy Haven se refere em relação ao seu antagonista Lincoln Rhyme – torna-se ainda mais frenética, principalmente quando percebemos que as coisas aconteceram todas em 4 dias! Ufa!
x
Os personagens
Os personagens foram tão bem construídos que a nossa empatia com eles beira a materialidade (calma, não tem nada a ver com aquela de Karl Marx), mas uma que dá a mesma sensação que Claude Monet nos presenteou com o Impressionismo – onde de longe tudo parece perfeito e maravilhoso e uma atmosfera confortável de familiaridade e quando vemos bem de perto é uma confusão, um caos, onde nada é o que parece. Nenhuma definição acho que se adequaria melhor a’ O Colecionador de Peles.
Ainda sobre personagens, achei fantástico que se passasse em Nova Iorque. Misturas de todos os tipos, consumo, drogas, Broadway, túneis subterrâneos, Chinatown, Brooklin, Bronx, comida, café, etc. E simplesmente porque só lá é que poderíamos encontrar policiais com nomes tão peculiares como Ron Pulaski e Lon Sellito; Amelia Sachs, Bo Haummann e Lincoln Rhyme, entre outros. O universo apresentado vai mexer um pouco com coisas que temos vivido em nosso próprio país (com receio dessa previsão), onde sociedades alternativas isoladas, de orientação de extrema-direita e princípios nazistas se proliferam entre pessoas que podem, de alguma forma, tomar as rédeas de pequenas comunidades e irem se alastrando desenfreadamente. Tempos difíceis, mas tudo no livro! Outra faceta muito interessante é a dos tatuadores, em como eles se comportam e se protegem de alguma forma. Formas, significados, funcionamento, máquinas, agulhas, modificações (mods) e um bocado de história da transformação do corpo, contada pelo próprio Billy Haven.
Nada na trama foi colocado sem propósito. Ao contrário de outros autores, que nos enchem de distrações vazias somente para correr com sua história, sem amarrar as pontas no final. Acho isso um pouco desleal com o leitor. Deaver nos apresenta tudo e nada fica pra depois ao fim da leitura. É claro que algumas “gracinhas” são peculiaridades dos personagens e não distrações – como a obsessão de Rhyme pela gramática.
x
A narrativa
Uma das coisas que eu achei extremamente cativante, foi a forma que o autor encontrou para desenvolver sua narrativa; em alguns momentos ele se reutiliza frases já ditas anteriormente para dar ênfase a alguma situação, destacando-as em itálico. Outro recurso foi a informalidade nos diálogos e na própria narração. Considerei a leitura muito fluída e em alguns dias, apesar de suas 487 páginas, o leitor é capaz de dar conta de sua história. Ele nos presenteou (e eu adorei) com menções a romances da atualidade, como quando Amelia Sachs menciona Os homens que não amavam as mulheres – o clássico primeiro livro da trilogia Millennium do sueco Stieg Larsson – falando sobre a tatuagem de dragão… Demais!
Eu não li o livro anterior – O Colecionador de Ossos – mas a apresentação dos personagens não necessita de aviso prévio. Inclusive aqui cabe minha única crítica em relação ao livro: spoilers, muitos deles. E não são pouquinhos, é quase da trama inteira! Então, caro leitor, se desejar ler O Colecionador de Ossos, comece por ele e em seguida leia este da qual se trata esta resenha. Espero que a sua experiência com este livro seja tão boa para você quanto foi para mim. Por causa dos spoilers (que me frustraram bastante!), dou nota 4 para ele!
Abraços literários!
Título: O colecionador de peles
Autor: Jeffery Deaver
Páginas: 490
Editora: Record
Este livro no Skoob
SINOPSE – Um novo serial killer espreita pelas ruas de Nova York com sua mente doentia e perturbada. Conhecido como O Colecionador de Peles, ele é um tatuador que arrasta as vítimas para o subterrâneo da cidade, onde pode realizar sua arte sem ser interrompido. O problema é que, para criar suas obras-primas, em vez de tinta, ele desenha com venenos letais, causando mortes lentas e dolorosas. Convocados para a investigação, o detetive Lincoln Rhyme e sua parceira Amelia Sachs têm apenas as mensagens criptografadas gravadas na pele das vítimas como ponto de partida. Enquanto tenta descobrir o significado das tatuagens, a dupla segue por um caminho tortuoso em que nada é o que parece ser, e precisa correr contra o tempo para decifrar as pistas que encontram, antes que O Colecionador de Peles faça sua próxima vítima.
Carioca aquariana da gema, museóloga em Barretos (SP). Fã de Agatha Christie, descobriu diversos autores fantásticos ao longo da estrada da literatura policial. Ama café, livros e chocolate e é fácil de ser agradada!
Adorei sua resenha, Raquel, fantástica.
Já li O colecionador de ossos, e vou pra este, já li outros com Rhyme e todos, sem exceção, valem muito a pena, os enredos são fantásticos.
Fiquei com uma dúvida: neste livro, só há spoilers do Colecionador de Ossos ou de outros do Rhyme?
Obrigada, abraço grande!
Oi, Raquel!
Na verdade, entre “O colecionador de ossos” e esse “O colecionador de peles” há dez livros com o mesmo grupo de personagens. E tem bastante spoiler dos outros livros também. O personagem do relojoeiro é, por exemplo, do romance “Lua Fria”.
Sobre esse livro: eu esperava mais. Eu adoro “O colecionador de ossos”, foi meu primeiro romance policial adulto, de forma que tenho um enorme carinho por ele. Quando peguei o “Peles” para ler, achei ele um tanto quanto redundante, sempre repetindo as mesmas informações, o que acabou deixando a narrativa um pouco lenta pra mim. Porém, no final acontece tanta coisa ao mesmo tempo, num fluxo tão intenso, que acaba te pegando desprevenido com a alteração do ritmo. Isso me incomodou bastante.
Mas também foi bom reencontrar tantos personagens queridos.
Abraço
Julia, muito obrigada pelas informações! Eu realmente suspeitei de que haveria mais histórias entre um livro e outro, mas como as maiores referências são ao Colecionador de Ossos, achei que os demais casos (como o do Relojoeiro) fossem ser explicados durante o livro ou que fossem somente comentários citados. Quanto ao desenrolar da história, eu achei bom. Algumas descrições me deixaram literalmente sem ar, quando, por exemplo, Amelia tem que passar pelo túnel apertado… tive que parar de ler para poder respirar!!
Um grande abraço!
olá Raquel
uma coisa não ficou clara pra mim. A identidade do colecionador de peles é mantida em sigilo ou é revelada durante a trama? O livro é surpreendente ?
Oi, Danilo!
Sim, o livro é surpreendente (pelo menos pra mim, foi!) e o assassino só é revelado no final, junto com seus motivos!
Os outros livros do autor já estão na minha lista para 2017 e espero que sejam tão bons quanto este!
Abs