Benjamin Black mostra o que é escrever bem em “Morte no Verão”

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Por Rogério Christofoletti – Livros policiais e de suspense compõem um dos gêneros mais democráticos e amplos da literatura. Nessa prateleira tem livros que entretém, que exercitam o raciocínio lógico, que fazem crítica social e que nos arrepiam com a maldade alheia. Tem livros ligeiros e escapistas, mas também oferece belos tratados da psicologia humana e de como as sociedades lidam com crimes. Tem obras escritas para serem devoradas pelas massas, impressas em papel barato, vendidas nas bancas de jornal, mas também tem títulos em capa dura, que se tornam clássicos e são adotados por acadêmicos.

Popular, o gênero atrai todo tipo de leitor, mas também de autor, e nem sempre nos deparamos com bons escritores. Benjamin Black, definitivamente, não se encaixa nesse rótulo e esbanja um dos melhores textos da praça.

 

Morte no Verão, recém-lançado pela Rocco, é um exemplo de como a literatura policial pode envolver e gerar um prazer estético único.

 

No enredo, um poderoso dono de jornais é encontrado morto em sua casa de campo. Um tiro arrancou parte da cabeça de Richard Jewell, e o que restou de seu corpo ficou sentado no escritório, com uma espingarda nas mãos. A terrível cena parece dar conta de um suicídio, mas isso não seria motivo para um romance de detetives, não é mesmo?

Entram em cena o inspetor Hackett e o patologista Garret Quirke, o cérebro a nos conduzir por essa história incômoda para parte da high society de Dublin. Estamos na década de 50, os homens usam chapéus mesmo sob um calor abrasador e algumas viúvas ricas oferecem champanhe nos funerais. A fauna local lembra histórias de intriga do século passado, mas não se distraia: há segredos perturbadores na capital irlandesa que fazem-na parecer uma minúscula e incivilizada vila.

Quirke não é só um protagonista improvável, já que o caso estaria nas mãos do detetive de plantão, mas sequer deveria estar na cena do crime. O acaso tirou da jogada o legista titular, e coube ao hesitante patologista trabalhar naquela tarde. Seria mais um domingo modorrento, não fosse a fama do cadáver e a beleza incomum da viúva…

 

Em pouco mais de 250 páginas, Benjamin Black nos apresenta a atormentados corações e nos leva aos corredores podres de uma comunidade que parecia impoluta.

 

Sua trama segue um ritmo calibrado, constante, sem grandes sacolejos e soluções simples. Os principais personagens evoluem com precisão, e as camadas reveladas da história merecem leitura atenta. Em Benjamin Black, o diabo também mora nos detalhes. Sem exageros estilísticos, o autor é um artesão da palavra, desses onde não há sobras nas frases. Black escreve com elegância sem pedantismo, e expressa um domínio de texto raro em qualquer tipo de gênero.

É bem verdade que ele não é um iniciante. Benjamin Black é o pseudônimo literário de John Banville, respeitado escritor irlandês que já ganhou o Man Booker Prize, entre outros. Outra verdade é que “Morte no Verão” não é sua estreia no gênero policial, nem a primeira aparição de Garret Quirke. O personagem debutou em “O Pecado de Cristine”, escrito em 2006 e publicado no Brasil cinco anos mais tarde. Uma terceira verdade é que a qualidade do texto – a prosa poderosa com melancolia indisfarçável – é o que temos de melhor em “Morte no Verão”.

O livro não é surpreendente como muitas histórias policiais, mas a experiência de leitura que proporciona reserva momentos de uma escrita tão refinada, que só pode ser o atestado da inteligência e da sensibilidade. Veja este trecho: “O padre o examinava atentamente de novo, passando os dedos fantasmagóricos no braile da alma de Quirke”. É em passagens como esta que Benjamin Black não só descreve uma cena, mas relembra um dos feitos mais importante da literatura: revelar o quão complexos são esses os humanos. Até mesmo os mais desprezíveis.

* Livro enviado ao site pela Editora Rocco.

 

SOBRE O LIVRO

Título: Morte no verão
Autor: Benjamin Black
Tradução: Ryta Vinagre
Páginas: 256
Editora: Rocco
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SINOPSE – Um magnata da imprensa encontra um fim violento. Teria sido suicídio ou assassinato? Numa onda de calor tórrida, segredos, mentiras e revelações na Dublin da década de 1950.Em uma sufocante tarde de verão em Dublin, o magnata Richard Jewell – conhecido por seus inúmeros inimigos como Diamond Dick – é encontrado com a cabeça estourada por um tiro de espingarda. Jewell era o proprietário de grande parte dos veículos de imprensa do país e diretor do sensacionalista Daily Clarion, o jornal de maior vendagem da capital. Embora tudo leve a crer que tenha sido suicídio, os jornais, por convenção, não mencionam essa possibilidade. Caberá então ao detetive inspetor Hackett tocar as investigações, nas quais irá contar com a ajuda de seu velho amigo, o patologista Garret Quirke.Quirke, que circula entre a alta sociedade e o submundo de Dublin com igual destreza, tem fortes suspeitas de que Jewell tenha sido assassinado. Na tentativa de solucionar a questão, Quirke confronta a elegante e enigmática viúva, Françoise, com quem tem motivações conflitantes e interesses amorosos; Dannie, a frágil irmã de Jewell que, em seu luto, procura apoio em David Sinclair, o ambicioso assistente de Quirke no laboratório de patologia; Carlton Sumner, um dos maiores rivais comerciais do magnata; além de todos que trabalham para a família, como o capataz Maguire e a esposa, Sarah, a governanta. Todos parecem saber um pouco demais a respeito de Jewell, e, quando uma onda de calor envolve a cidade e os negócios escusos que sustentam o império de Jewell começam a ser revelados, Quirke e Hackett se veem presos em uma sinistra rede de intrigas e violência que esconde atrocidades ainda maiores.Lançado em um redemoinho de surpreendentes eventos desconcertantes, Quirke irá descobrir que, em uma cidade em que o dinheiro e famílias intocáveis exercem total controle, ninguém está a salvo de perigos mortais.

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