Por Mateus Baldi – Quando José Rubem Fonseca – mineiro, ex-funcionário da Light e comissário de polícia – estreou na literatura em 1963, a última revolução literária nas terras de Vera Cruz tinha sido as páginas que retratavam as mazelas do sertão (e da pobreza de indivíduos bastante singulares). Ninguém, repito, absolutamente ninguém estava preparado para as páginas que se estenderiam nas prateleiras.
Rubem Fonseca arrebatou a crítica e o público por praticar uma literatura honesta. E é com a mesma dose de honestidade que essa trilogia de artigos se propõe a apresentar a obra e o autor José Rubem Fonseca, nascido a 11 de maio de 1925 em Juiz de Fora.
PARTE 2 – OS ROMANCES
“Você ainda me ama?”, perguntou Bebel.“Amo”
Rubem Fonseca, A Grande Arte
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Já consagrado enquanto contista devido ao sucesso de Lúcia McCartney, em 1973 Rubem Fonseca publica O Caso Morel, seu primeiro romance. Dividido em diversas camadas e vozes, o livro foi uma mistura de sexo, violência e questionamentos sobre o papel da arte e da literatura: o artista vanguardista, um crazy life dos anos 1970, Paul Morel tem sua vida dissecada pelo escritor Vilela enquanto apodrece na cadeia.
Após dez anos e dois livros de contos, o mineiro brindou a crítica com um segundo romance – seu maior livro até hoje –, o colossal, estupendo, absurdamente genial e fundamental A Grande Arte. Narrado em primeira pessoa pelo advogado Mandrake – apelido de Paulo Mendes, surgido no livro de 1969 e presente em dois contos de Feliz Ano Novo e O Cobrador –, o romance gira em torno de uma fita de vídeo e uma vingança do protagonista. Municiado com facas e seu inseparável amigo & mentor Wexler, Mandrake parte até os confins do Brasil numa trama que nos apresentou outros dois personagens memoráveis: Bebel, a ninfeta-namorada de Mandrake, e Nariz de Ferro, um anão negro que adora parafrasear grandes nomes da literatura. Um clássico absoluto.
Bufo & Spallanzani, seu romance mais famoso, chega às prateleiras em 1985. Acompanhando Gustavo Flávio, ex-detetive da Companhia Panamericana de Seguros, e o tira Guedes, o livro tece um comentário mordaz sobre o Rio de Janeiro da época. Em meio a referências à vida do próprio Fonseca, acompanhamos Gustavo na escrita do livro homônimo ao título enquanto destrincha-se um crime: Delfina Delamare, socialite, foi morta. O final é surpreendente.
Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos, título tirado de uma frase de Freud, sai em 1987. O protagonista insone e sem nome percorre Berlim, Rio e o interior mineiro numa trama que mistura o soviético Isaac Bábel, o universo cinematográfico e um diamante. Constantemente menosprezado dentro do cânone fonsequiano, o romance tem lá seu brilho e convence – principalmente quando analisado sob o prisma das fases de RF, tema da terceira e última parte dessa trilogia de artigos.
1990 é crucial. Rubem Fonseca publica um romance arrebatador em todos os sentidos. Agosto, originalmente intitulado Crimes de Agosto, cobre o período mais nefasto da História recente do Brasil. Misturando ficção e realidade, RF traz às páginas o comissário Mattos, que em 1954 precisa investigar um assassinato nojento no edifício Deauville. Conforme se embrenha no caso, ele vai percebendo ligações com o Palácio do Catete, imerso em sua mais grave crise. A cena do suicídio de Getúlio é espetacular. O universo carioca da segunda metade do século XX era composto por bicheiros, macumbeiros, mocinhas nada inocentes e muitas, muitas pastilhas para acidez estomacal. Golpe de mestre.
Em 1994, o argumento de um filme sobre Carlos Gomes é lançado sob a forma de romance. O Selvagem da Ópera revela uma faceta esplêndida do escritor. Rubem narra com o estilo conciso de sempre e ainda adiciona música às frases.
Mandrake e Gustavo Flávio retornam em 1997 na novella E Do Meio do Mundo Prostituto Só Amores Guardei Ao Meu Charuto. O extenso título, tirado dos versos de Álvares de Azevedo, refuta o tabagismo de Paulo Mendes. Em meio aos assassinatos de sempre e a relatos do escritor surgido em Bufo & Spallanzani, Mandrake precisa separar verdade e ficção. Ele ainda retornaria no livro A Bíblia e a Bengala, união de duas novelas e última aparição do personagem. Nesse livro, Rubem impiedosamente condena o advogado malandro e cínico a uma bengala após tomar um tiro na perna.
Os anos 2000 se revelam mais propícios aos contos, mas há espaço para mais quatro romances: O Doente Moliére, uma novela de época sobre o dramaturgo francês; Diário De Um Fescenino, uma construção de narrativas curtas e nomes complexos; José, lançado em 2010, consiste num pastiche da autobiografia – Fonseca destila fatos pessoais em linhas beeem fictícias. O destaque, porém, é O Seminarista. No que muitos compararam a Tarantino, RF botou como protagonista o Exterminador, assassino de aluguel surgido nos contos de Ela E Outras Mulheres. Um romance que evoca a fase setentista do autor e, portanto, tem um brilho que demorará a se apagar, funcionando como porta de entrada para o universo fonsequiano.
A próxima parte desses artigos se debruçará nas fases de Rubem Fonseca e em como elas refletiram a sociedade de suas épocas. Leia a 1ª parte da trilogia sobre Rubem Fonseca – os contos.
Nasceu em 1994. É escritor e roteirista. Fundou a plataforma literária Resenha de Bolso, foi editor de cultura da revista Poleiro e colaborador de literatura no site da Piauí.