Por Rogério Christofoletti – Desde que o padre Damien Karras tirou o demônio do corpo da pequena Regan, nunca mais fomos os mesmos! O Exorcista, filme de 1973, é um divisor de águas no cinema de terror e nas narrativas de possessões malignas. A produção não só apresentou ao mundo um conjunto de rituais católicos cercados por mistério e fantasia mas também fixou algumas regras para o gênero: o diabo é o lobo em pele de cordeiro, sua voz é sepulcral e monstruosa, ele é poliglota, e sempre transtorna mentalmente quem o desafia. O Sem-Nome é vaidoso, desafia os limites físicos de suas vítimas, e não economiza em palavrões. O padre-exorcista, por sua vez, é determinado, levemente hesitante, e tem um passado complicado que assombra sua consciência e abala sua fé.
Nenhum enredo é mais ancestral que a luta entre bem e mal, e sessões de exorcismo são a encarnação disso, com direito a contorcionismos inacreditáveis, berros assustadores e jatos de vômito e sangue. O coquetel servido por “O Exorcista” é completo, e ainda nos empanturra de medo e exasperação, passados quase cinquenta anos.
Diante de tanta influência e potência narrativa, é mesmo difícil fugir do cânone e acrescentar novas camadas criativas. “Exorcismo: O Ritual Romano” segue a bíblia, mas pode decepcionar quem espera algo mais do que a liturgia surrada no gênero. A graphic novel de 128 páginas tem roteiro de El Torres, arte de Jaime Martínez e cores de Sandra Molina, trio espanhol que trabalha muito bem nesta estreia brasileira, felizmente proporcionada pela DarkSide Books. Se a história original foi às bancas na Europa em 2016 no formato de minissérie com quatro partes, seu atraso é compensado agora por um lançamento mais requintado: num único volume, em uma fúnebre capa dura negra, pronta para rivalizar na estante com as Sagradas Escrituras…
Veja: eu não disse “desesperados” à toa! O sacerdote havia sido quase excomungado, estava do outro lado do mundo e sua conduta é, digamos, bem reprovável para os padrões religiosos. O chamamento de Brennan poderia ser como o do professor Robert Langdon em “Anjos e Demônios”, de Dan Brown. Mas o jeito casca-grossa do padre faz lembrar de “Rambo 2: a missão”, usando outra artilharia, é verdade…
“Exorcismo: O Ritual Romano” diverte, mas a previsibilidade do enredo drena parte do medo que o leitor pode ter naquelas páginas. É o peso das regras que o gênero se impôs, e os criadores não conseguem ir muito além do que já sabemos dessas possessões e martírios. O trabalho da colorista reforça o drama que o desenhista imprimiu às cenas, mas o embate entre o padre e o diabo parece superficial e automático. Não há tempo para a criação de suspense ou tensão, e o final se apresenta de forma apressada. Os xingamentos do demônio não funcionam como blasfêmias, já que o recurso é usado quase como uma estratégia para chocar o leitor. Resultado: o Coisa-Ruim é só mais um boca-suja e não aquele que ofende e desrespeita aquilo que é mais sagrado.
Mas antes que eu arda no mármore do inferno, faço uma ressalva. “Exorcismo: O Ritual Romano” é como qualquer um de nós: comete pecados, mas merece uma segunda chance. A graphic novel nos mostra, por exemplo, que não estamos livres do capeta nem no lugar onde mais julgávamos seguro; e ela insinua, de forma premonitória, o que teria levado o papa Bento XVI a renunciar. Isso já é o suficiente para a gente não dormir à noite…
* Exemplar enviado pela Darkside Books
SOBRE O LIVRO
Título: Exorcismo – O Ritual Romano
Autores: El Torres (Autor), Jaime Martínez (Ilustrador), Sanda Molina (Inker)
Tradução: Letícia Ribeiro Carvalho
Páginas: 128
Editora: Darkside Books
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SINOPSE – Em Exorcismo: O Ritual Romano, graphic novel de terror da DarkSide® Books, o leitor tem acesso aos recantos mais sombrios do Vaticano e testemunha um caso de possessão demoníaca que pode mudar para sempre o destino da humanidade. Quando um bispo morre de maneira cruel, as últimas esperanças estão nas mãos do padre John Brennan, um exorcista renegado que a alta cúpula da Igreja considera ser um traidor. Convocado para enfrentar o mal que se entranha por trás dos muros do lugar sagrado, Brennan terá que encarar seus próprios demônios e a diabólica irmã Maria Giorgielli ― uma freira tão infernal quanto o espírito derrotado por Ed & Lorraine Warren, retratado na franquia Invocação do Mal, de James Wan.
Jornalista, dramaturgo e professor universitário. Já publicou 12 livros na área acadêmica e escreveu oito peças de teatro. É um dos autores do e-book “Os Maiores Detetives do Mundo” (Chris Lauxx).