O melhor de Cesar Alcázar e o pior da humanidade estão em “A culpa é da noite”

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Por Rogério Christofoletti – A primeira coisa que você precisa saber é que eu considero Cesar Alcázar um amigo. A segunda é que ele mandou um exemplar de “A culpa é da noite” para minha casa. A terceira é que escrevi esta resenha com ele apontando uma arma para a minha cabeça…

Uma das frases acima é falsa, e não é difícil identificar.

Assim é em A culpa é da noite (Ed. Arte e Letra, 2019), universo de histórias povoado por seres ambíguos, mas onde é possível saber de imediato onde está a verdade. São enredos de crimes, com gente mal intencionada, trapaceira e traiçoeira, mas diferente de outros casos, sabemos com quem estamos lidando: são gângsteres, renegados, assassinos cruéis, gente da pior espécie. Estão atrás de dinheiro, de prazer ou talvez alguma redenção. Apesar de representarem um pouco do que é mais desprezível e condenável na humanidade, trazem em si alguma honestidade em seus propósitos, a coragem da transgressão e uma incrível vontade de sobreviver, pura teimosia.

Se por um lado “A culpa é da noite” promove esse desfile sórdido, por outro nos mostra uma faceta admirável em César Alcázar, a do contista versátil. Em onze histórias, escritas entre 2015 e 2018, o autor nos faz mergulhar nos grotões imundos dos Estados Unidos, onde se ouve blues e jazz, e onde se busca vingança; nas complexas tramas da máfia italiana, onde a honra vale mais que o sangue derramado; e nas cenas contemporâneas brasileiras, encharcadas de pequenos crimes e mesquinhos segredos…

Divididos em três seções, os contos oferecem uma amostra abrangente do talento de Alcázar. Ele flerta com o seminal Rubem Fonseca em “De bem”, bebe impiedosamente no cão dos Baskerville de Conan-Doyle em “Medo e Delírio em Coroa de Cristo”, e faz um acerto de contas familiar em “Do outro lado do rio”.

Mas o melhor de tudo, a meu ver, está nas histórias vocalizadas em outros sotaques, aquelas que compõem os arcos estrangeiros de “O exílio de Cain” e “Os tentáculos da máfia”. Nelas, há uma preocupação evidente na composição dos cenários com riqueza de adereços, e há mais despudor na revelação do caráter dos personagens.

Alcázar se desloca com mais fluidez, seu texto é mais rascante, e os leitores são rapidamente envolvidos nas tramas ilícitas. De repente, estamos imersos numa atmosfera enfumaçada, bebendo com alguém que tem uma ficha policial muito longa, e imaginando o quanto nos resta de vida. De repente, caminhamos na noite solitária, por entre cortiços e mansões, com os olhos na nuca e a mão coçando o coldre…

“A culpa é da noite” é uma coletânea criminal irregular como qualquer obra do tipo. Tem momentos luminosos, como o nome jocoso do protagonista de “O exílio de Cain”, e momentos mais ligeiros, como o desfecho implausível em “Irena”. Mas isso não é surpresa. Nem todos os tiros acertam, não é mesmo?

De qualquer maneira, não se pode esquecer de um detalhe: o autor tem lá sua malandragem. Cercar os contos “nacionais” pelos arcos estrangeiros – mais bem lapidados – foi uma sagacidade de Cesar Alcázar. Típico de quem planeja não só os crimes, mas também não descuida de ocultar os corpos…

 

* Livro enviado ao site pelo autor.

 

SOBRE O LIVRO

Título: A culpa é da noite
Autor: Cesar Alcázar
Páginas: 132
Editora: Arte & letra
Compre o livro

SINOPSE – A Culpa é da Noite reúne 11 histórias de crime escritas por Cesar Alcázar entre 2014 e 2018. São narrativas que vão mergulhar o leitor em um mundo de jogos, trapaças, traições, desejo e violência. A noite tem seus encantos… e muitos perigos! Cesar Alcázar é o autor dos livros “Bazar Pulp – Histórias de Fantasia, Aventura e Horror” e “A Fúria do Cão Negro”, além de ter roteirizado as HQs “A Música do Quarto ao Lado”, “O Coração do Cão Negro” e “A Canção do Cão Negro”. Idealizador do Porto Alegre Noir e do selo de literatura policial Safra Vermelha. Também atua como editor e tradutor.​

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