A invenção de Morel, de Adolfo Bioy Casares

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Por Rogério Christofoletti – Se criassem uma máquina para reunir todas as críticas, notícias e comentários sobre A invenção de Morel, não seria exagerado imaginar que teríamos o suficiente para plantar uma ilha no oceano. Talvez do mesmo tamanho da porção de terra cercada por água onde se passam as ações do livro de Bioy Casares.

Essa imagem improvisada sugere o desafio para quem se aventura a resenhar uma obra de 1940, celebrada em toda a parte, considerada fundamental para os gêneros de fantasia e ficção científica. Na verdade, o desafio está mais para desatino, e por essa razão, as palavras a seguir merecem se desvanecer ao sabor da bela história de um homem numa ilha misteriosa.

O que o leitor tem em mãos é o diário de um fugitivo da justiça venezuelana que se refugia numa ilha aparentemente urbanizada, com prédios construídos e habitantes esquisitos. Os nativos são aqueles silenciosos homens que aparecem nos altos dos morros, tão alheios quanto a atraente mulher que todas as tardes assiste ao pôr-do-sol no mesmo lugar e tão indiferentes quanto o barbudo cheio de razão que com todos conversa. Com todos exceto o narrador, implacavelmente ignorado pelos habitantes da ilha seja porque se esconda deles e tema ser capturado pela polícia, seja por razões insondáveis.

Exausto, doente, insone e faminto, alimenta-se de raízes alucinógenas nos baixios da ilha e persegue os nativos para compreender o que se passa ali. Privilegiado cúmplice, a essa hora, o leitor só observa os limites entre realidade e imaginação pelo retrovisor. Para o protagonista, os nativos agora são “os intrusos” e a beleza daquela mulher de fim de tarde atormenta a sua alma.
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Por que todos agem daquela maneira alheia?
Que construções são aquelas na ilha?
O que trouxe as pessoas àquela ilha?

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A espiral de perguntas leva a uma vertigem que nos põe a pensar na absoluta fragilidade da vida, no quão artificiais são as nossas certezas, e em como construímos nossos castelos no espesso nada. Uma rápida passagem ilustra esse estranhamento avesso que Bioy Casares promove. Há um momento em que o protagonista teme mais uma invasão de fantasmas que de policiais. De tão isolado, o local só poderia abrigar mesmo a alternativa fantasmagórica. Difícil acreditar que soldados chegariam até ele…

O leitor precisa estar avisado de uma coisa: percorrerá páginas e páginas completamente desorientado, assim como o narrador a quem acompanha. Faz parte do jogo de Bioy Casares, faz parte da angústia que ele objetiva nos contagiar. Não será difícil que o leitor se sinta perdido no meio da ilha de Lost, até porque o livro do argentino foi uma das grandes referências para a produção televisiva. Em “A invenção de Morel”, o perigo não é se perder; é não conseguir se decidir sobre que realidade optar para viver. Lírico, envolvente e altamente imaginativo, “A invenção de Morel” causa uma fascinante e desconfortável instabilidade ao leitor.

A condução da trama e as soluções narrativas para os mistérios ainda impressionam. A originalidade na explicação de como funciona a máquina criada por Morel e o impactante desfecho tornam essa novela de estreia uma experiência literária recheada de perplexidades. A literatura superlativa constrói e destrói certezas a cada página virada, e faz erguer ilhas de real lá onde impera o nada.

Livro enviado ao site pela Globo Livros

 

SOBRE O LIVRO

adolfo

Título: A invenção de Morel
Autor: Adolfo Bioy Casares
Editora: Biblioteca Azul
Páginas: 112
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SINOPSE Romance publicado originalmente em 1940, foi considerado por Jorge Luis Borges “uma trama perfeita”. Um cidadão venezuelano torna-se recluso em uma ilha deserta para fugir de uma condenação judicial. Enquanto se alimenta de raízes psicotrópicas, o expatriado vê se apagar cada vez mais o limite entre a imaginação e a realidade.

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1 comentário em “A invenção de Morel, de Adolfo Bioy Casares”

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